Por Alexandre Matias - Jornalismo arte desde 1995.

Stanley Kubrick

Textinho do Caderno C, fase Campinas ainda.

Para uns, o cinema é uma retratação subjetiva da realidade, um ponto de vista muito específico através do qual observamos determinada história que, ficção ou não, tem algum vínculo com a nossa existência, com a nossa noção de ser. Para outros, a sétima arte consiste na forma com que as imagens são conduzidas, fazendo com que passemos por diversas e específicas emoções apenas pela forma que o conjunto multimídia de texto, atuação, imagem e som discorre frente aos olhos. Para os seguidores da segunda vertente, Stanley Kubrick é o Maestro, com “m” maiúsculo.

“Um filme é – ou deveria ser – mais música que ficção”, dizia, “deve ser uma progressão de atmosferas e sentimentos. O tema, o que está por trás da emoção, o significado – tudo isso vem depois”. Kubrick era essencialmente um compositor cinematográfica: cada cena, um movimento; cada câmera, um andamento; cada filme, uma sinfonia. Sem se ater a uma linha temporal de trabalho (com grande parte dos diretores, que limita-se a descrever o século cujo centro é seu aniversário), Kubrick fez como os grandes compositores eruditos e visitou épocas e lugares, sem pensar em limites. Desde a origem do homo sapiens a um futuro totalitarista, passando pela nobreza européia do século 18, por tropas de soldados romanos, por duas guerras – tudo regido com pompa e pulso, com câmeras que lentamente observam algum ser humano perdendo sua humanidade num cenário grandioso.

Regularmente tachado de pessimista, o centro da obra de Kubrick vem de uma constatação tão profunda quanto significativa. Seu realismo conclui que o que torna o homem diferente dos animais é sua capacidade de escolha, de observação de possibilidades e consciência das decisões tomadas. O homem nasce com a razão, mas é ela quem lhe possibilita sua própria destruição, uma vez que é ela quem permite que a violência seja usada para a dominação. É a violência quem desumaniza o ser humano e sempre que isso acontece, quem usou da violência se beneficia. Toda a obra de Kubrick se baseia na capacidade do ser humano dominar outro semelhante pelo uso da violência. Na natureza do poder.

Ele se manifesta de diferentes maneiras dentro de seu trabalho. Cada filme disserta sobre uma das possíveis formas de poder e como ela pode e normalmente é usada para causar o mal, violenta. Até um filme como Lolita, de 1962, traz este tipo de tensão no ar, reduzindo o pobre Humbert Humbert (de James Mason) a um escravo dos caprichos da personagem-título (Sue Lyon, perfeita). Passamos por Spartacus, de 1960 (com Kirk Douglas, Laurence Olivier e Peter Ustinov); Paths of Glory, de 1959 (também com Douglas); e Nascido para Matar, de 1987 – filmes sobre guerras e soldados, líderes e ordens. A dinâmica do poder na política da guerra é traduzida em cada movimento frio das câmeras. Em Dr. Fantástico, de 1964, o clima documental apenas aumenta a paranóia que ferve o sangue das autoridades americanas depois que um general enlouqueceu e lançou os mísseis que detonariam a Terceira Guerra Mundial.

A autoridade de Alex em Laranja Mecânica, de 1971, frente a sua gangue e ao Estado é um dos mais instigantes conflitos traçados por Kubrick e a mais sólida oração sobre a natureza da violência já feita. Ela volta a ser questionada em 2001 – Uma Odisséia no Espaço, de 1968, que teima em comparar o nascimento do homo sapiens ao da inteligência artificial (um dos projetos que deixou para trás, o filme A.I.), que coloca em xeque até mesmo uma possível evolução espiritual do ser humano. É seu filme mais marcante e o mais fácil de digerir, mesmo porque é um dos poucos com final, posso dizer, feliz.

Mas nada era mais importante para Kubrick do que uma boa imagem. Começou no cinema através da fotografia, hobby da adolescência que lhe tomava o tempo como o xadrez, outra enorme paixão. Como um fotógrafo, Kubrick enxerga onde só ele consegue ver e cria imagens para traduzir suas idéias em belíssimas metáforas audiovisuais. Cenas marcantes como o caubói que cavalga o míssil em Dr. Fantástico, toda a seqüência final de 2001, as alucinações de Laranja Mecânica, as gêmeas em O Iluminado. Recursos diferentes que apenas querem seduzir os sentidos do espectador, que entram no roteiro como espasmos abstratos, às vezes tirando completamente a lógica do filme.

Fanático por sinais, coincidências e símbolos, Kubrick morreu exatamente 666 dias antes de 2001, na Inglaterra, o verdadeiro lar que adotou após brigas com a indústria cinematográfica de seu país. Havia acabado de filmar De Olhos Bem Fechados, que causou polêmica pelo casal de atores escolhidos – Tom Cruise e Nicole Kidman – e por sua “narrativa hermética”. Mas quem entra num filme de Kubrick esperando entender a história, perde o verdadeiro sentido, o banquete sensorial que o cinema pode se tornar.

Indie 25

Lista complicada, o critério definido para determinar o que é ou o que não é rock independente é curto e grosso: se tem dinheiro de empresa grande, não é indie. Assim, os altos e baixos do rock nacional no mercado de discos dão a tônica da produção independente nos últimos vinte anos. Até o começo dos anos 80, ser independente era uma atitude, um manifesto – como foram os discos da fase Racional de Tim Maia e a idéia original do selo de Luís Carlos Calanca, a Baratos Afins. Mas a explosão do rock na década de 80 praticamente extinguiu a produção indie, tamanha era a demanda das grandes gravadoras – e grupos independentes por definição musical tiveram seus discos lançados por majors. A estréia de Lobão, Cena de Cinema, de 1982, por exemplo é uma demo gravada em vinil. Nos anos 90, a chegada da MTV e o sucesso do Sepultura no exterior impulsionam o faça-você-mesmo e o rock independente vive o nascimento de um mercado que começaria a se organizar nos anos seguintes. O sucesso do plano Real, em 94, determina o futuro deste mercado: se por um lado abre a possibilidade de se adquirir tecnologia graças à paridade com o dólar, por outro exclui o elitismo musical do mercado de discos, voltado apenas para classes populares. Isto aumenta a produção caseira e equipa uma primeira geração de computadores que, graças à internet, passa a se comunicar com mais agilidade e para um público específico. Chegamos ao século 21 com uma produção madura e plural, disposta a conquistar o Brasil e o planeta.

Os 25 discos abaixo são as pedras fundamentais na formação de um mercado independente, tanto do ponto de vista comercial como artístico. Cada um deles marca uma etapa concluída, um novo patamar e uma novidade no complexo jogo do rock brasileiro indie, cada vez menos abaixo e mais ao lado do pop endossado por patrões abonados, mesmo aqueles lançados sob uma chancela “indie” (como o selo Plug da BMG, o Banguela da Warner, a Tinitus que era distribuída pela PolyGram ou o Chaos da Sony). Para facilitar a compreensão e não confundir a história, o foco fica apenas no formato rock, excluindo outros agentes cruciais para a formação do mercado independente (como hip hop, heavy metal, eletrônico e hardcore). Se não, era assunto para páginas e mais páginas…


1) Singin’ Alone – Arnaldo Baptista (1982)
Marco zero da produção independente como nós conhecemos, é o primeiro lançamento da Baratos Afins e o alerta “o sonho acabou” para a geração que cresceu à sombra dos Mutantes. Um novo rock estava começando a tomar conta do Brasil (à base do chopp e batata frita) e Arnaldo Baptista chorava as próprias mágoas ao piano, atormentado emocionalmente, com baladas cruas e muito rock’n’roll. Bem distante do sol carioca que começava a bronzear o rádio.


2) 3 Lugares Diferentes – Fellini (1987)
MPB maldita, cool wave, pós-punk, bossa nova, África, cult band, art rock… Conceitos que fervilhavam no underground oitentista se encontraram numa mesma banda. Formada pelos jornalistas Cadão Volpato e Thomas Pappon, o Fellini contava com a participação de Ricardo Salvagni para gravar seu álbum menos enigmático e mais, er, pop. Entre o rock europeu e a melancolia brasileira, eles sintetizavam sentimentos que anos depois seriam traduzidos em um único adjetivo: indie.


3) O Ápice – Vzyadoq Moe (1988)
Na Sorocaba pré-Wry, o clima europeu era mais alemão do que inglês. Culpa do noise dada do Vzyadoq Moe, performáticos orgânicos que partiam pra cima do público. Menores de idade e fartos de punk rock, abraçavam o drone, o cabecismo, o ritmo kraut e o industrial desplugado, especialmente na percussão ferro-velho. O Ápice vale seu título por optar pela independência, enquanto irmãos de sonoridade do grupo (o mineiro Sexo Explícito, os cariocas Black Future e Picassos Falsos) fecharam com a certeza do contrato com grandes patrões.


4) Cascavelettes (1988)
Antes de serem banalizados por um hit na novela Top Model, pelos mimos do superstarismo e muito antes do forróck boca-suja dos Raimundos, os Cascavelettes inauguraram a fase moderna do pop gaúcho, separando os contemporâneos do Liverpool e a geração Rock Grande do Sul como farinha do mesmo saco. Usando o palavrão com motivos rock’n’roll (o rock brasileiro só os usava com motivos punk, ressaca da Censura), o grupo era um misto de Ramones pornográficos com New York Dolls machistas e seu primeiro disco (lançado um ano antes do sucesso de “Nega Bom-Bom”) mostra a disposição para injetar algo mais do que energia no indie nacional. As demos da época, todas batizadas com o nome da banda, mantém o “nível”.


5) You – Second Come (1991)
Este é o único disco do selo Rockit!, do guitarrista da Legião Dado Villa-Lobos, que pode ser considerado independente – já que o sucesso underground que fez esgotar a tiragem inicial de 3 mil discos fez crescer o olho da inglesa EMI-Odeon, que abduziu a marca. A estréia do Second Come, influenciada diretamente pelo sussurrado rock inglês pós-Madchester e pelas convulsões noise pré-grunge do underground americano, abre a segunda fase do indie brasileiro que, devido à onipresença do instrumento, começa a ser definido, anglofonamente, de “guitar” (as duas pronúncias são permitidas).


6) Little Quail and the Mad Birds (1992)
Depois de tentar seguir os passos da geração Legião-Plebe-Capital (em vão, culminando na geração do seminal Rock na Rampa, em 1987), o rock de Brasília volta-se para dentro e a capital do Brasil começa a ebulir culturalmente. Disputando cabeça-a-cabeça o título de melhor banda com o Low Dream e o de melhor demo com o Oz (a excelente Trés Bien Mon Ami), o Little Quail ganha por não soar derivativo de ninguém (nem de My Bloody Valentine, nem de Pixies). A fita é uma ótima desculpa para caçar os registros sonoros do rock candango do começo da década, que vão da fase rock do Pravda aos primórdios dos Raimundos, passando pelas excelentes, e esquecidas, Succulent Fly e Sunburst.


7) Killing Chainsaw (1992)
São os piracicabanos do KC que colocam o rock do interior de São Paulo no mapa da década de 90. O LP homônimo, lançado pela loja de discos Zoyd e sampleando o anime Akira na capa, é o ponto inicial de uma geração que deu ao Brasil instituições célebres do underground, como a casa noturna Hitchcock (em Santa Bárbara d’Oeste), o zine Broken Strings, o festival Juntatribo, a rádio Muda e o estúdio Arenna (todos estes em Campinas), além de bandas que iam do punk pop do No Class ao samba-noise do Linguachula e o industrial nerd dos Concreteness. Além de iniciar a fase caipira do indie nacional, o Killing ainda se orgulhava de seu inglês brasileiro, com sotaque “tchu” em vez de “to” e sem brit-frescuras. O rock aqui é ligado na tomada e na distorção, de pai Sonic Youth e mãe J&MC.


8) Rotomusic de Liquidificapum – Pato Fu (1993)
O disco mais esquisito da gravadora mineira Cogumelo (que já contava com esquisitices como o disco sub-Red Hot do DeFalla ou o caos sônico do Holocausto) também é o disco de estréia do Kid Abelha dos anos 90. Estranho, não? Que nada. Estranho é ouvir a versão speed para “Sítio do Picapau Amarelo” ou um hino mosh baptchura cuja citação da Unimed levou o grupo a tocar no comercial do plano de saúde. E que tal o medley esquizofônico que batiza o disco, que cita, sem pudor, os Flintstones, Kiss, baião, funk metal e beats eletrônicos? Muito mais John do que Fernanda Takai, é o disco do trio mineiro que os fãs de Mike Patton mais gostam. Com razão.


9) Scrabby? – Pin Ups (1993)
Lançado pela Devil e produzido por João Gordo, o terceiro (ou segundo, se não contarmos o LP do projeto Gash) disco dos pais do indie 90 é também seu disco mais sombrio e pesado. Fora as referências inglesas, entra o lado mais caótico e, hm, “visceral” da banda. Gravado com sua formação clássica, é uma mistura de Funhouse (dos Stooges) com Berlin (do Bowie). É o ápice das guitarras de Zé Antônio. “Acho que esse foi o disco que mais teve briga no estúdio”, lembraria o vocalista Luís Gustavo anos depois”, eu nunca vi tanta gente chorando, berrando, a Alê chorando num canto, o Marquinhos no outro”.


10) Mod – Relespública (1993)
Curitiba tem a péssima reputação de não produzir registros sonoros à altura das apresentações ao vivo de suas bandas. Discos e fitas funcionam mais como “guias” sobre o que esperar de determinado grupo do que reproduções in vitro de suas performances instantâneas. Da mesma forma, a cidade não possui rock de laboratório, aquele feito para viver em estúdio. Talvez isto explique o paradoxo fundamental da capital do Paraná: quanto mais bandas a cidade produz, menos elas se destacam em nível nacional. O primeiro compacto da Relespública (ainda com o enfant terrible Daniel Fagundes, vocalista, morto aos 16 anos) pertence à primeira safra do indie rock da cidade, custeado pela gravadora Bloody que pertencia ao mesmo JR que é dono do lendário club 92 Degrees. Com três faixas (“Capaz de Tudo”, “Preciso Pensar” e “Quem é Que Entende o Mundo?”), o vinil fala mais do rock de Curitiba do que todas compilações lançadas em seu nome.


11) Nunca Mais Vai Passar o Que Eu Quero Ver – Doiseu Mimdoisema (1994)
A influência que a Graforréia Xilarmônica, uma das dissidências dos Cascavelettes, teve sobre o rock gaúcho é muito maior que o séquito de fãs que o grupo preserva até hoje. Graças ao improvável gosto musical de seus líderes, Frank Jorge e Marcelo Birck, despertou-se no pop riograndense o prazer em redescobrir a Jovem Guarda, encravada na memória genética do estado. Esta redescoberta trombou irresistivelmente com os prazeres de uma recém-descoberta paixão gaúcha, o experimentalismo no estúdio em tempos de gravação caseira. Diego Medina fez a fita para um amigo de farra, mas a contagiante “Epilético” pulou do som da sala de estar para as ondas do rádio e virou hit local instantâneo. Medina continuaria suas experiências pop no futuro (Grupo Musical Jerusalém, Video Hits, Senador Medinha), mas sem conseguir reencontrar a ingenuidade da primeira fita, que está para o rock gaúcho atual como Angel Dust, do Faith No More, está para o novo metal.


12) Uh-La-La – Dash (1995)
Antes de provocar suspiros com seu baixo Danelectro a bordo dos Autoramas (e ao lado do ex-Little Quail Gabriel Thomaz), Simone do Vale era a líder de um supergrupo indie carioca. Gritalhona e com jeito de moleque, ela era uma das guitarrista do grupo, ao lado de Diba Valadão (na outra guitarra), Formigão (que depois entrou para o Planet Hemp, no baixo) e Kadu (ex-Second Come, na bateria). O hit “Sexy Lenore” transformou a demo Sex and the College Girl num hit do underground do Rio e fez com que o grupo fosse sondado pela misteriosa gravadora Polvo, que lançou o único CD da banda, pra ninguém. Com a capa desenhada por David Mazzuchelli, o disco passou por uma série de empecilhos que o tornaram item de colecionador. O ano era 1995, as grandes gravadoras tinham dado as costas para o rock, as pequenas perdiam ilusões de vendagens altas e vários picaretas apareceram no meio da história. O disco do Dash é apenas um dos muitos exemplos de uma geração pega com as calças na mão.


13) 100 Km c/ 1 Sapato – Lacertae (1995)
Ao mesmo tempo, o Lacertae, no Sergipe, abria uma em muitas possibilidades. Depois da seca de 1995, o mercado independente passou por uma brusca horizontalização, e sua pluralidade tornava-se sua principal qualidade. Assim, bandas de lugares sem tradição passavam a ganhar espaço no cenário, quebrando o eixo Rio-SP-BH-Brasília-PoA-Recife que já havia quebrado o RJ-SP original no começo da década. A cena começa a fragmentar-se não apenas em lugares diferentes (cidades como Goiânia, Londrina, Salvador, Fortaleza, Florianópolis, Vitória e Maceió reivindicam na marra seu próprio espaço, nos anos seguintes) mas em gêneros improváveis. Se a MTV e o Sepultura criaram um hiato noise/guitar/heavy com bandas cantando em inglês e tentando, sem sorte, o mercado exterior, a fita de estréia do Lacertae é o elo perdido entre o pop dos anos 90 e o experimentalismo dos dias do Vzyadoq Moe. Hendrix, discursos concretos e uma bateria com berimbau também mostravam que o Nordeste estava em plena ebulição artística depois do mangue beat.


14) Carbônicos – The Charts (1996)
Com a fragmentação da cena independente, São Paulo entrou numa onda retrô semelhante à gaúcha, disposta a resgatar valores sessentistas a um pop perdido entre a rádio e o anonimato. Antecipando a onda kitsch que veio com Austin Powers e o box-set do disco Nuggets, a cena paulistana passou por uma estilização visual e sonora que mais tarde seria referida, de forma irônica, como a cena “churly”. Os responsáveis pela popularização desta nova fase seria o grupo comandado por Sandro Garcia, que teve seu único disco lançado pela loja Suck My Discs dos jornalistas/músicos Alex Antunes e Celso Pucci (outra ponte dos anos 90 com o cult rock dos 80). Garcia, dono do famoso estúdio Quadrophenia, mais tarde fundaria o Momento 68 com o vocalista da banda gaúcha Lovecraft, Plato Divorack, selando assim a paixão de São Paulo e Porto Alegre pelos anos 60. (Plato aliás é a grande ausência desta lista, talvez por nenhum disco sintetizar toda a complexidade do artista).


15) Learn Alone Or Read The User’s Manual – Sleepwalkers (1996)
Aqui vamos ter motivos de sobra para reclamações. Afinal, muitos vão falar dos tempos do baterista Farmácia ou da clássica Sick Brain in Sue’s Coffee, gravada um ano antes, quando muitos sequer reconhecerão a presença da banda. O fato é que os Sleepwalkers foram a melhor banda de indie rock, em todos os sentidos, que o Brasil já teve, deixando para trás concorrentes de peso como os goianos Grape Storms, a carioca PELVs e o Grenade de Londrina. A sonoridade lo-fi, o tratamento de guitarras, o senso melódico, os refrões, o apelo pop – as qualidades do grupo catarinense podem encher parágrafos e mais parágrafos. Mas além de sua qualidade, sua importância se dá por tirar o pop catarina da vibração riponga de bandas como Phunky Buddha e Dazaranhas. Depois deles, vieram o Feedback Club (da ex-sleepwalker Sabrina), o Superbug, os Pistoleiros, o Pipodélica e as gravadoras Low Tech e Migué Records, dando força à cena ilhéu de Floripa.


16) Baladas Sangrentas – Wander Wildner (1997)
Luminar do punk brasileiro para as massas dos anos 80, o ex-vocalista dos Replicantes seguiu os passos da primeira safra dos anos 90 (comprada pelas majors) e o moldou para o underground. Como os Raimundos tinham o forró, o Planet Hemp tinha a maconha e o mangue beat, os caranguejos; Wander inventou uma máscara para facilitar sua absorção pelo mercado – e com o rótulo “punk-brega” vendeu-se para uma nova geração ao mesmo tempo em que amadurecia sua personalidade pública. Mas, mais importante, a carreira solo do velho WW era uma prova cabal que o rock independente pouco tem a ver com juventude ou faixa etária.


17) Menorme – Zumbi do Mato (1997)
O Zumbi do Mato é o som que Fausto Fawcett e Arrigo (ou Paulo) Barnabé fariam juntos se tivessem alguma afinidade. Mas, mais do que isso, é o ponto de convergência de diversos aspectos do pop carioca, representados por diversas instituições. Há o humor doentio do Gangrena Gasosa, a explosão cênica de Piu-Piu & Sua Banda, a podreira das primeiras fitas do Pólux, as gravadoras Tamborete (do jason Leonardo Panço) e Qualé Maluco (dos planet hemp B-Negão e Formigão), a repetição do Stellar, o choque de Rogério Skylab e o som metal da segunda vinda do Second Come. Além disso, o grupo continua o legado experimental retomado pelo Lacertae que resultou na safra de vanguarda da virada do século, com nomes como Objeto Amarelo, os Jersssons (São Paulo), Os Legais (SC) e Vermes do Limbo (Londrina).


18) A Sétima Efervescência – Júpiter Maçã (1998)
O disco de estréia do ex-cascavelette Flávio Basso é um passo adiante nos conceitos vendidos pelos Charts e por Wander Wildner. Rock adulto, retrô e psicodélico, A Sétima Efervescência sagrava a maturidade da mesma geração que havia tomado a porta-na-cara das gravadoras depois da efervescência do biênio 93/94 e a independência do formato perseguido pelas gravadoras, sem deixar de soar pop, brasileiro e cantando em português e inglês. É o primeiro blip no radar de um mercado que viria, em menos de um ano, a galinha de ouros do trio sertanejo-axé-pagode começar a dar com os burros n’água.


19) Chora – Los Hermanos (1999)
A segunda fita do quinteto Los Hermanos escancarava um pop estritamente radiofônico que foi forjado longe do universo do mercado fonográfico. O grupo liderado por Marcelo Camelo era a continuação do trabalho de uma geração de bandas cariocas que misturavam ska, funk, reggae e samba (nomes como Los Djangos, Acabou La Tequila e, mais tarde, Pedro Luís & A Parede). Mas o grupo ia além e se alinhava ao ecletismo chique de bandas de sua geração, como 4-Track Valsa, Vibrossensores, Vulgue Tostoi, entre outros. Fora os maneirismos apaixonados (que levaram a banda receber rótulos como romanticore e pop brega), a fita mostrava que as possibilidades cogitadas por Júpiter Maçã poderiam ser exploradas a fundo, tanto artística quanto comercialmente. Mas o mercado, acostumado com seu próprio toque de Midas, comprou a banda e forçou “Anna Júlia” a fazer sucesso, overdosando o público do que poderia se tornar os Paralamas do século 21 (e ainda pode, apesar de tudo).


20) Astromato (1999)
Continuação dos experimentos noise e industrial da época do Waterball (92-95), o Astromato era filho direto do Weed, banda de pop guitarreiro britânico que, brincando com as palavras, passou a compor em português e se deu bem. Sua primeira fita era mais um degrau na escalada que o indie brasileiro dava rumo à sua auto-suficiência artística. Se gaúchos e cariocas ajudavam o rock a perder o jeito de moleque, os campineiros explicavam que algumas qualidades (como sensibilidade e timidez) não pertenciam à adolescência. Além disso, a dupla de guitarras Armando e Pedro tramavam texturas sônicas à moda das bandas inglesas que tanto influenciaram o indie no começo dos anos 90 (e que ainda repercutiam, graças a bandas como os mineiros Vellocet, o carioca Cigarettes e os catarinenses Madeixas). Aos poucos, o ciclo vai se fechando.


21) De Luxe 2000 – Thee Butchers’ Orchestra (1999)
Cru e direto, o TBO é a melhor banda de rock’n’roll brasileira na ativa e sua existência se deve à dissidência garageira que rompeu com o indie no meio dos anos 90. Seu núcleo central era o trio da gravadora Ordinary (a produtora Deborah Cassano, seu marido Marco Butcher, ex-Pin Ups, e o guitarrista e produtor Adriano Cintra), que, além dos Butchers’ foi responsável pelo lançamento de bandas como Ultrasom (de Adriano), Red Meat, Spots, Grenade, entre outras. Mais do que agitar o underground com duas guitarras e uma bateria, o Butchers’ está ligado à fase de ouro do indie anos 90, quando o rock brasileiro começou a conversar com os gringos, sem passar pelos veículos oficiais.


22) It’s An Out of Body Experience – Grenade (1999)
O Grenade era o próximo patamar. Fruto dos experimentos lo-fi do ex-Killing Chainsaw Rodrigo Guedes, o grupo nascia em Londrina e logo se tornava um dos maiores nomes do indie nacional. A repercussão se dava graças à sensibilidade de Rodrigo, pai de riffs memoráveis, melodias pop ao extremo e pirações em estúdio. O som ia do rock clássico ao hardcore, passando por folk e indie rock. Lançado no exterior, Out of Body Experience poderia é a conclusão lógica do longo passeio que o rock independente fez durante a década de 90.


23) Brincando de Deus (2000)
O terceiro disco destes baianos deveria ter o título que Experience, do Grenade, levou. Afinal, seria lançado um ano antes e produzido por Dave Friedmann (Flaming Lips, Mercury Rev, Mogwai) caso todo seu equipamento e pré-produções não fossem perdidos num incêndio. O grupo se refez e, ao lado do talentoso produtor e tecladista André T. (responsável pela sonoridade de novos baianos como Rebeca Matta e a banda Crac!), gravou seu álbum definitivo, imbatível. Um disco que poderia ser lançado no mercado exterior sem dificuldades e que, apesar da anglofilia, é essencialmente brasileiro.


24) Peninsula – PELVs (2000)
Completando dez anos de banda e dez anos do selo carioca Midsummer Madness, a PELVs faz um disco igualmente robusto como o do Brincando de Deus, mas cheio de ganchos pop e melódicos. Uma obra-prima do indie nacional, Peninsula soa como todos os independentes querem soar: profissa, autêntico, despreocupado e livre, como se o mercado de discos brasileiro permitisse isto. Se ele não permite, a deixa fica para o indie.


25) O Manifesto da Arte Periférica – Wado (2001)
Além de coroar a recente produção de Maceió (a saber, Varnan, Mopho e Sonic Junior), o disco de estréia do ex-Ball Oswaldo Schlickmann é o auge da produção independente brasileira dos últimos 20 anos. Tem todas as qualidades dos discos citados nesta lista, além de falar em português, compor letras certeiras e experimentar à vontade no estúdio. Se chegamos até aqui com este nível, daqui pra frente é só crescer.

Não lembro pra quem eu escrevi esse texto… Acho que foi pra Zero.

Brinquedo novo

Curti brincar de rádio, olhaí o segundo podcast. Tem Fagner, Ace of Base, “Gatas”, covers de Roberto Carlos, Odair José e Michael Jackson, David Gilmour e 2/3 do Mamelo Soundsystem. Behold…

“Die door!”

Surfar no YouTube, um novo passatempo: saca só.

O elogio do feio

Além da matéria de capa (U2 e Stones) da Top Magazine de fevereiro, eu também publiquei essa, mais uma sobre o Sou Feia, Mas Tô na Moda – e funk carioca em geral.

A certa altura de Sou Feia, Mas To na Moda, filme de estréia da diretora gaúcha radicada no Rio de Janeiro, Denise Garcia, um dos inúmeros entrevistados do documentário sobre o papel e a presença da mulher no funk carioca pergunta-nos onde as “tchutchucas” e “cachorras” do gênero teriam aprendido que o excesso de sensualidade (elogio para uns, eufemismo para outros), presente em letras, gemidos, performances e posturas as levaria ao sucesso. Antes de esperar a resposta ele mesmo enumera: É o Tchan, “vai dançando na boquinha da garrafa” e outros sucessos familiares que tocam no Gugu e no Faustão.

Em outras palavras – se o sexo é aceito como meio de comunicação em diferentes veículos (das novelas da Globo aos trocadilhos de duplo sentido do pagode, passando por comerciais de cerveja, Bruna Surfistinha e as novas carreiras de Alexandre Frota e Rita Cadillac), por que no funk carioca ele incomoda? Por que os gemidos de Tati Quebra-Barraco, Vanessinha Pikachu e Deise Tigrona, os requebros de Lacraia e os sorrisos francos de Claudinho e Buchecha, Márcio e Goró e Mr. Catra são vistos com olhos tortos no mesmo país que venera a mulata, a garota de Ipanema e a loirinha do Big Brother Brasil?

Desde o último grande levante do funk carioca em escala nacional – em pleno Rock in Rio 2001, com o Bonde do Tigrão e a “Egüinha Pocotó” -, o gênero que já tem mais de quinze anos vem passando por uma reavaliação ética e estética. Por um bom tempo renegado à condição de “som de quarto de empregada”, o funk do Rio ganha novas platéias, inclusive no exterior, toca em grandes festivais e vem levantando discussões sobre respeito de seu papel e natureza na cultura brasileira. Por que o buraco, no caso, é mais em cima…

Spice Girls
“O preconceito é totalmente social. Se o funk fosse produzido no Rio por garotas brancas de classe média do Leblon, elas seriam as Spice Girls brasileiras, mas como é feito por negras e faveladas, elas são as desbocadas, as ignorantes que não sabem o que estão falando”, explica Denise, cujo filme que estreou em janeiro e continua em cartaz é um dos reavaliadores da cena carioca. “Esta discussão sobre a conotação sexual das músicas não faz muito sentido, não numa cidade que se orgulha do carnaval que produz, onde mulheres desfilam literalmente em carne e osso – ou cobertas por purpurinas, está bem – para quem, no planeta, tiver televisão assistir. Então, se quisermos discutir o papel da mulher na sociedade brasileira, temos que colocar, no mínimo, o carnaval na pauta. O carnaval é uma celebração brasileira e o funk também. A diferença entre as mulheres que aparecem nos carros alegóricos do sambódromo e as funkeiras é que as primeiras entram mudas e saem caladas e representam a exuberância das formas femininas. No funk, as mulheres cantam, vestidas, e no geral não exibem as invejáveis formas dos destaques das escolas de samba, mas a conotação sexual está fortemente presente nestas duas formas de expressão da nossa cultura”.

“Gostar da música ou não é um direito de todo o cidadão”, continua a diretora. “Agora, no caso do funk, a questão é mais cruel: os detratores chegam a dizer que não é música, ou seja, querem desqualificar o movimento descaracterizando-o. Como não é música? O problema é que os favelados não têm acesso aos meios que os desqualificam, os jornais, as TVs, os fóruns, as universidades, os blogs, os sites e portanto ficam sem direito à resposta. E enquanto isso a covardia dos que tem acesso a estes meios corre à solta. Porém, os funkeiros têm seu público fiel, que comparece aos bailes, que consome o produto e que mantêm o funk existindo dentro das comunidades”.

“E a exploração de mídia e gravadoras é sempre predatória – esgotar o artista e depois pegar outro. e o funk não tinha suficientes figuras com voz ativa, mobilização, interesse e força necessária para bancá-lo como movimento”, continua o jornalista Sílvio Essinger, autor do livro “Batidão” (Ed. Record), que fotografa o nascimento até o início da adolescência do gênero. “O funk também não tinha a defesa cultural que outros gêneros tiveram, como é o caso do axé, que aliás foi uma influência decisiva para a explosão do funk sensual”.

“A questão tá na etmologia da palavra preconceito. É o pré-conceito, o conceito que a pessoa tem antes de conhecer”, teoriza o pai do gênero, o DJ Marlboro. “O problema do Brasil não é apenas a discriminação e o racismo, e sim o fato de estes acontecerem de forma velada. A mesma pessoa que te cumprimenta e te dá tapinhas nas costas, fala mal de você pelas suas costas só porque você é da favela. O cara nem conhece a favela, mas tem esse pré-conceito que na favela só tem gente fudida, só tem bandido….”

Mutação
“É som de preto, de favelado”, cantava a dupla Amylckar e Chocolate nos anos 90, “mas quando toca ninguém fica parado!”. A descrição que os dois fazem do funk carioca poderia servir para boa parte dos gêneros populares do século 20. Como o funk, estilos musicais como o samba, o jazz, o forró, o rhythm’n’blues, o rock, o reggae, o hip hop, a axé music e os subgêneros da música eletrônica (drum’n’bass, techno, house) também nasceram em regiões urbanas decadentes produzidos por descendentes da Diáspora Africana, conduzindo tudo de forma não-linear, pelo ritmo.

“O que a gente conhece como funk carioca é uma mutação do Miami bass (vertente do hip hop surgida na Flórida) que começou a surgir no fim dos anos 80 quando as galeras resolveram entoar seus gritos de guerra, bem no estilo torcida organizada, por cima das bases instrumentais ou imitando foneticamente o que ouviam em inglês nas músicas”, explica Essinger. “Isso aconteceu naqueles mesmos bailes de subúrbio e periferia que anos antes tocavam o funk de James Brown e seguidores e, na renovação dos balanços, incorporaram o disco funk e depois o rap. O primeiro a fazer um disco de Miami bass em português foi o DJ Marlboro, no LP Funk Brasil (de 1989), inventando MCs. Logo depois apareceram MCs de verdade, como Galo, Neném & Mascote e D’Eddy”.

Sílvio continua sublinhando as faixas que moldaram o funk como nós o conhecemos hoje: “Entre as gringas, as de Miami bass que fizeram sucesso nos bailes e serviram de base para os funks foram “Doo Wah Diddy”, do 2 Live Crew; “It’s Automatic”, do Freestyle; “Your Boyfriend”, do Boys From The Bottom. Entre as nacionais, os primeiros sucessos foram a “Melô da Mulher Feia” do Abdullah, “Feira de Acari” do MC Batata, “Melô da Funabem” do Grandmaster Raphael e o “Jack Matador” do DJ Mamute, da equipe Pipo’s. Essas músicas deram origem ao funk de montagens, base para quase tudo que a gente ouve hoje”. “Montagem”, na terminologia do morro é aquilo que comumente nos referimos como “remix”.

Mundo Funk Carioca
“O Cristóvão Colombo e o Pedro Álvares Cabral do funk chama-se Hermano Vianna”, explica Marlboro, falando sobre o antropólogo irmão do paralama Herbert Vianna. “Cristóvão Colombo porque foi ele quem primeiro entendeu que o que acontecia nos bailes era uma manifestação nova e brasileira, quando escreveu o livro “O Mundo Funk Carioca” em 1988″, explica o DJ, “e Pedro Álvares Cabral porque foi ele quem me deu o meu primeiro seqüenciador, permitindo que começasse a haver uma cena de funk produzido no Brasil”.

“Meu envolvimento era como ouvinte de discos, muito intrigado com o que tinha acontecido à cena desde o fim dos anos 80, o período estudado pelo Hermano”, segue Sílvio. “De repente, havia toda uma música nova, com assuntos novos, muito interessante, sendo ignorada como fenômeno cultural pela imprensa formadora de opinião lasse média”.

Mas desde que Sílvio começou a pesquisar para seu livro, em 2001, muita coisa tem mudado nesta aceitação do fenômeno. Já saíram duas coletâneas sobre o gênero na Europa (Slum Dunk Presents Funk Carioca, pelo selo inglês Mr. Bongo, e Rio Baile Funk: Favela Booty Beats, pelo selo alemão Essay), Marlboro já se apresentou na Espanha (no renomado festival Sónar, em Barcelona), Inglaterra, EUA (quando tocou no Central Park) e França e representantes do gênero passaram pelos principais festivais do Brasil, do Tim Festival (quando a rapper cingalesa M.I.A. convidou Deise Tigrona para dividir seu palco no Rio) ao Skol Beats (quando o DJ Dolores chamou Mr. Catra para rimar sobre seu set). “A internacionalização tem sido fundamental para as pessoas entenderem que o funk chegou pra ficar”, explica o DJ.

Mas Marlboro não tem pressa. “Na verdade, eu acho que isso tá acontecendo muito rápido, porque isso sempre aconteceu, da música que antes era considerada pobre, vulgar e de preto ser descoberta anos depois de seu auge, com uma espécie de refinamento”, conta. “Aconteceu com o samba: o Cartola foi preso quando era jovem por ser sambista, imagina, e depois só teve seu valor reconhecido quando ele tava velhinho, com 70 anos. Luiz Gonzaga também, quando ele tava no auge, forró era “música de paraíba”, pejorativo mesmo. Acho que graças a essa era de excesso de informação e facilidade de comunicação – internet, celular, TV a cabo – esse reconhecimento tá acontecendo enquanto o funk vive sua grande fase. É uma questão de tempo”, sorri.

Carne e osso

Deve ser velho isso, mas é dimais.

Pra valer

Beatles, Men Without Hats, LFO, John Oswald, Grenade, Beck, Cure, Jackie Mittoo, New Radicals, Khaled e Salif Keita, LCD Soundsystem, Miguel de Deus e Ween. O podflash era teste, mas agora é pra valer: “Can you hear me?”, clicaqui.

Bob Dylan e a pirataria

Já que a Bizz com o U2 na capa saiu da banca, acho que dá pra colocar a materinha sobre as basement tapes do Dylan que eu fiz pra eles. Sem cortes, sem edição, versão crua memo:

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Bob Dylan clandestino

A incrível história do “álbum perdido” de Dylan, as lendas em torno dele e como The Great White Wonder inventou o mercado de discos piratas

“Consideramos o lançamento deste disco um abuso da integridade de um grande artista. Ao publicar material sem o conhecimento ou a aprovação de Bob Dylan ou da Columbia Records, os vendedores deste disco estão privando grosseiramente um grande artista da oportunidade de aperfeiçoar sua performance até onde ele crê em sua integridade e validade. Eles difamam o artista e fraudam seus admiradores ao mesmo tempo. Por estas razões, a Columbia, em conjunto com os advogados de Bob Dylan, seguirá todos os procedimentos legais para interromper a distribuição e a venda deste álbum.”

Tarde demais. A nota divulgada pela gravadora de Dylan em setembro de 1969 sobre a existência de um disco chamado The Great White Wonder veio registrar, nos autos da própria indústria fonográfica, a existência de um registro sonoro inédito que começava a ganhar dimensões improváveis para o que deveria ser uma mera produção caseira. Vendido na casa dos milhares, o vinil duplo trazia dois momentos distintos de Dylan (doze canções gravadas em um hotel em 1961 e outras nove faixas de baixa qualidade acompanhado da mesma banda com quem excursionava, em 1967) e surgia imponente como aquilo que o editor da Rolling Stone, Jann Wenner, chamara de “o disco perdido de Bob Dylan”, na capa da edição de 22 de junho de 1968. Na matéria, eram descritas treze canções que circulavam por meios alternativos, que comporiam um próximo álbum do contratado da Columbia Records. “O conceito de um disco coeso já está presente”, escreveu, antes de clamar: “A fita do porão de Dylan precisa ser lançada.”

“Havia uma enorme demanda por Dylan e ele não lançava nada”, me explica Greil Marcus, uma das principais autoridades sobre o músico norte-americano. “Naquela época, um artista de seu porte não lançar nada por seis meses era algo improvável – que dizer do período de um ano e meio entre Blonde on Blonde (1966) and John Wesley Harding (1968). Neste sentido, os piratas preencheram a lacuna. Como aconteceu, haviam tantos lançamentos – sobras de estúdio, shows, músicas que nunca foram lançadas etc. – que constituem toda uma carreira à sombra – que Robert Polio recentemente construiu no livro Tin House”.

Em menos de um ano, The Great White Wonder veio à tona; as primeiras cópias eram vendidas em Los Angeles e logo se replicaram pelo mundo. Mais do que compartilhar com o grande público gravações que já eram conhecidas dentro da metiê fonográfico, o LP é o primeiro passo em uma história que todo fã de música pop adora: o disco pirata. Uma história em que o próprio Bob Dylan é um de seus principais protagonistas.

Like a Rolling Stone
Volte no tempo cinco anos e encontre Bob Dylan no auge de sua carreira. Mais do que se enamorar pelo rock’n’roll, o antigo garoto-prodígio da cena folk e a então voz de sua geração viu na combinação barulhenta de country e rhythm’n’blues em instrumentos elétricos uma capacidade de comunicação mais instantânea e mais ampla do que o beco sem saída das ladainhas ao violão que andava metido. O rock se tornava a nova música popular, o novo som das ruas. Ele reconhecia a reverência que a geração da Invasão Britânica fazia aos grandes nomes do rádio norte-americano dos anos 50 – não à toa, batizou um disco de Bringing it All Back Home (“Trazendo Tudo de Volta pra Casa”).

“Os Beatles estavam fazendo o que mais ninguém fazia”, disse Dylan em 1971 a um de seus biógrafos, Anthony Scaduto. “Os acordes eram ultrajantes e suas harmonias vocais validavam tudo. Você só pode fazer isso com outros músicos. Foi quando comecei a pensar em trabalhar com outras pessoas. Todo mundo pensava que os Beatles eram pra adolescentes, que logo iam passar. Pra mim, eles tinham chegado pra ficar. Sabia que eles apontavam o rumo que a música devia seguir.”

Desde o primeiro momento em que optou pelo rock, não havia meio-termo – tanto que sua “conversão” elétrica foi em alto e bom som no Newport Folk Festival. Dylan subiu no palco no dia 24 de junho de 1964 ao lado do tecladista Al Kooper e da Blues Band de Paul Butterfield, os mesmos músicos com quem, havia pouco mais de uma semana, gravara o hino “Like a Rolling Stone”. O single chegou às paradas no mesmo dia em que Dylan encerraria o evento. Ele foi chamado ao palco com entusiasmo pelo cantor Pete Seeger, um dos organizadores, o mesmo que dali a pouco tentaria cortar o cabo de eletricidade com um machado quando a banda de Dylan começou a tocar “Maggie’s Farm”.

Era guerra. Chamou os canadenses dos Hawks para ser sua banda e juntos cruzaram 1965 e 1966 na famosa turnê. Na primeira metade do show, Dylan tocava sozinho seu violão; na segunda parte, vinha com a banda e presenteava o público com uma descarga musical bruta e agressiva. A resposta vinha em forma de vaias.

O choque foi intenso para a banda, formada pelo guitarrista Robbie Robertson, o pianista Richard Manuel, o baixista Rick Danko, o organista Garth Hudson e o baterista Levon Helm – tanto que este pediu as contas em novembro de 65, pois não suportava mais ser vaiado. Acostumada a tocar em pequenos pardieiros, a banda era atirada às mais reputadas salas de espetáculo do mundo, do Hollywood Bowl ao Royal Albert Hall, secundando um dos principais artistas jovens da época, e ainda por cima para ser agredida pela platéia. Que, por sua vez, pagava para vaiar.

Se a banda estava chocada, o mesmo não parecia acontecer com Dylan. Desafiava o público, os fãs, os jornalistas e quem mais se colocasse entre ele sua nova música com um humor nonsense e aparente desprezo por todos. Seus discos haviam encontrado, no público de rock que aos poucos amadurecia, uma audiência maior que o conservadorismo folk. Mas aquilo parecia ter ampliado ainda mais seu papel de “voz de uma geração”. A agressividade musical parecia atrair outro tipo de agressividade. Violência gera violência. As vaias eram substituídas por xingamentos e pesadas trocas de acusação entre o cantor e a platéia, numa onda cada vez mais crescente em que a própria vida de Dylan parecia correr risco. “Olha o que eles fizeram com o Kennedy em Dallas!”, assustou-se o cantor folk Phil Ochs ao assistir ao confronto no estádio de Forest Hills, em Nova York.

Essa história é registrada magistralmente em dois dos mais importantes documentários da história do rock, Don’t Look Back do diretor D.A. Pennebaker, que acompanha o braço inglês da turnê de 1965 e foi crucial para difundir o novo Dylan para todo um planeta ainda não unificado pela TV via satélite, quando foi lançado em 1967; e No Direction Home, de Martin Scorsese, lançado no ano passado.

Woodstock
Precisando descansar, Dylan comprou uma casa de campo em Woodstock, assim como seu empresário Albert Grossman, pouco antes de reiniciar a turnê americana, em 1966. Impressionados com a tranqüilidade pastoral da região, próxima de Nova York, os quatro canadenses dos Hawks (só Levon era norte-americano) mudaram-se para uma enorme casa rosa em West Saugerties, próximo à casa de Bob. Montaram seus instrumentos no apertado mas confortável porão de uma horrorosa casa rosa (a “Big Pink”), onde começaram a ensaiar com freqüência, muitas vezes acompanhados por Dylan.

Até que, no dia 30 de julho de 1966, as rádios dos Estados Unidos passaram a noticiar que Bob havia sofrido um acidente de motocicleta.

Ninguém sabe ao certo o que aconteceu e a gravidade do estado de Dylan após os freios de sua Tryumph 500 terem parado de funcionar perto de sua casa, quando foi acompanhar a mulher, Sara Lownds, que saía de carro, em uma volta pela região, no dia 29 de julho. Na época, falavam que ele estava entre a vida e a morte, que o acidente estava apenas encobrindo o fato de ter enlouquecido, que a CIA havia sabotado sua moto. Depois do acidente, Dylan se isolou: não recebia visitas, falava com os amigos por meio de um interfone e não saía mais de seu quarto.

Quando começou a fazê-lo, encontrou sua banda em outro plano. Sem bateria, tocavam mais devagar e mais baixo, sem perder a pegada rock. A atmosfera do porão dava uma estranha vida ao local e som ecoava por mais tempo, como uma velha transmissão de radio. O lugar combinava com o som que lembrava em sua reclusão, som de infância, entre o blues e a música folk, de artistas anônimos e trovadores atordoados. À medida em que se recuperava, voltou a tocar com a banda, que não tinha mais nome. Eram apenas “The Band”.

Puseram o gravador para funcionar e em abril de 1967 começaram os históricos registros. Poucos instrumentos, tocados informalmente, entre tentativas e risadas, eram o centro dessa viagem ao passado em que nem Dylan nem a Band, podiam saber, conjurou espíritos de diferentes eras do som gravado nos EUA. Os cinco se tornavam um conjunto vocal, a princípio parodiando cantores antigos com vozes cômicas que, pouco a pouco, ganhavam um novo significado. Compunham músicas com se estivessem apenas tentando lembrar delas, numa jam session espiritual de retorno à infância de suas musicalidades. Ao comparar o som do porão ao de um laboratório, o Greil Marcus ouviu algo bem diferente de Robbie Robertson: “Não”, disse o guitarrista no livro Invisible Republic. “Aquilo era uma conspiração. Era como as fitas de Watergate. Pra muitas coisas, Bob dizia ‘devíamos destruir isso!’.”

Quatorze dessas faixas foram transformadas em discos de acetato por Albert Grossman. Dylan não tinha a intenção de lançar aquelas gravações, mas aproveitou para oferece-las a outros intérpretes. “Quinn the Eskimo” foi para Manfred Mann; “You Ain’t Goin’ Nowhere” para os Byrds; “This Wheel’s on Fire” caiu com Julie Driscoll, Brian Auger & the Trinity; “Too Much of Nothing” ficou com Peter, Paul & Mary. Cada artista que registrava algo daquele misterioso material dava dimensões ainda maiores às versões originais, como se elas encobrissem algum segredo.

O segredo, na verdade, eram as próprias fitas – já então apelidadas com seu nome clássico de “basement tapes” (“fitas do porão”). Dylan, aos poucos, voltava à carreira via country (o disco John Wesley Harding, gravado em Nashville, e na aparição no show em tributo a Woody Guthrie no Carniege Hall, em janeiro de 1968). Ao mesmo tempo, cópias daquele acetato circulavam entre artistas, jornalistas, fãs e empresários, revelando a música que Bob Dylan vinha fazendo quando virou as costas para o Verão do Amor. Reuniu-se com os amigos e voltou para o passado, num clima de convivência mais honesto e intenso que o sexo desesperado do amor livre, a piração ablué das drogas psicodélicas ou o ruído estridente do rock’n’roll. Eram apenas amigos fazendo música. Folk, direitos civis, psicodelia – estava cansado de pegar carona na onda dos outros.

Com as “fitas do porão”, era a vez dos outros seguirem sua onda. E foi assim que os Rolling Stones saíram do abismo paz e amor onde nunca deveriam ter ido, exilados uma chácara no interior de São Paulo, no Brasil, para compor seu disco mais “raiz”, Beggar’s Banquet, ouvindo as basement tapes sem parar. Nos Beatles, foi George Harrison quem deu a dica de Dylan e fez Paul McCartney bolar o conceito do disco Get Back, em que o grupo voltaria a descobrir o prazer de estar junto tocando músicas velhas – um projeto que deu errado, acelerou o fim da banda, e culminou nos disco e filme de mesmo nome, Let it Be. A música country era reavaliada e tinha sua importância ressarcida. Woodstock tornou-se o palco para o megafestival e sinônimo de todo aquele sentimento. Uma saída melancólica mas digna para a autodestrutiva psicodelia, já em rota de colisão, as basement tapes foram uma espécie de amuleto para a passagem dos anos 60 para os 70.

The Basement Tapes
Daí que em 1969 veio The Great White Wonder, dali a pouco Troubled Troubador, Waters of Oblivion e vários outros discos piratas, que ampliavam ainda mais o número de músicas do porão – das 14 originais foram para 23 em 1975, o ano em que a Columbia oficializar o disco, com todas as faixas (24! Uma única faixa desconhecida dos fãs, “Goin’ to Acapulco”, indicava que ainda havia mais a se descobrir) num mesmo volume. Mas a gravadora não gostou do som das fitas e fez a Band regravar algumas partes, descaracterizando-as. Oficializado, The Basement Tapes chegou aos dez discos mais vendidos na semana de seu lançamento: “Eu pensava que todo mundo já tivesse essas músicas!”, disse Dylan, surpreso.

Contudo, duas novas coletâneas piratas Blind Boy Grundy & the Hawks volumes 1 e 2 (o título vem dos nomes que Dylan e a Band usavam antes de serem conhecidos), só com faixas inéditas foram lançadas logo após o disco da Columbia, ampliando ainda as basement tapes. No livro Bootleg: The Secret History of Rock and Roll, o escritor Clinton Heylin localiza a origem deste segundo lote quando um amigo de Robbie Robertson deu uma série de fitas a uma loja no noroeste americano. Um terceiro lote de fitas seria encontrado e todas as gravações conhecidas das basement tapes seriam compiladas numa caixa de cinco CDs de 1990 – que melhoraram edição após edição até chegar ao box A Tree With Roots, de 2001.

A quantidade de artigos da pirataria Dylan o torna o artista mais lançado extra-oficialmente do mundo – até mais que os Beatles, pois eles terminaram em 1970. Só a existência de Jewels and Binoculars, uma única caixa com 26 CDs dedicadas a seus shows em um ano (1966, da gravadora Vigotone) já deveria servir como prova disso. Ele também contribui, produzindo mais do que pode lançar, trocando versões matadoras por faixas fracas em cima da hora, refazendo discos sem pestanejar. Tanto que começou a desovar este material em coletâneas oficias, como na Biography, em que comenta sobre a pirataria no encarte: “Eles tem coisas que se faz em uma cabine telefônica. Quando não tem ninguém por perto. Você num motel, sozinho, não conhece ninguém e… É como se o telefone estivesse grampeado… Aí aparece num disco pirata. Com uma foto de você que foi tirada debaixo da sua cama e com um título meio strip-tease, custando 30 contos. E depois você pergunta porque tantos artistas são paranóicos.”

Dylan entrou pra valer no jogo quando lançou sua série pirata, em 1991. A princípio, uma caixa com três CDs cheios de relíquias para maníacos e faixas incríveis para o público em geral, as Bootleg Series já estão em seu sétimo volume (a trilha sonora de No Direction Home) e nem sinal das basement tapes oficializadas mesmo – na íntegra, sem retoques, sem remasterização moderna. Como o documentário de Scorsese termina no misterioso acidente de moto, já especula-se sobre um segundo filme, que nos levaria às profundezas do mítico porão.

“Dylan, mais do que muitas figuras públicas viveu numa nuvem de desinformação e mito, boa parte deliberadamente criada ou encorajada por ele para aumentar sua própria imagem”, me disse Howard Sounes, outro biógrafo do músico. Marcus conclui: “Eu não tenho a menor idéia do que Dylan acha disso tudo. Contudo, não fui o único a notar que seu disco de 1970, Self Portrait (Auto-retrato), era um apanhado de faixas ao vivo, sobras, versões de segunda categoria e peças inacabadas, muito parecido com o disco que o precedeu, The Great White Wonder”, conclui Marcus.

“Betinha vem cá, vem cá, vem cá…”

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É, nos mandaram da sexta pra segunda, mas isso não é motivo pra reclamação: o esquema da feshteenha continua no mesmo espírito das anteriores – o preço é quinze pilas, mas se você não tá numas de pagar pra entrar, é só mandar o seu nominho e o do seu povo pro meu email e pro do Ramiro, até o dia 20, às 18h. Entendido? Nos vemos lá, talvez com um convidado-surpresa…

Beckismo pra começar 2006

We like the boys with the bullet proof vests
We like the girls with the cellophane chests
We like to ride on executive planes
We like to sit around and get real paid

I know you really want it cos your Daddy’s always on it
And he knows just how to flaunt it
He got pictures in his wallet and he want to be your lover
Does he look just like my mother
Does he cover you like butter and just leave you in the gutter

I want to know if I’m worth your time
There’s so much to do before you die
Thursday night, I think I’m pregnant again
Touch my ass if you’re qualified