Um dos motivos que me fizeram criar o Inferninho Trabalho Sujo foi a percepção de que há uma mutação acontecendo no cenário musical brasileiro. A tragédia pandêmica que nos isolou por tanto tempo fez com que voltássemos de forma muito viva aos encontros presenciais. Shows, peças, blocos de carnaval, jantares de família, restaurantes, botecos, casas de amigos: todo mundo está se encontrando muito mais e de forma mais intensa do que fazia antes da praga, talvez por uma questão de compensação ou mais provável por uma sensação de que perdemos algo que tínhamos como certo, então ninguém quer perder a oportunidade de estar junto com outras pessoas.
Isso também está acontecendo do ponto de vista artístico. A profissionalização do mercado de música brasileiro dos últimos anos colocou o artista solo (seja ele intérprete, músico, DJ, cantautor, produtor) como unidade básica do mercado. Os motivos são fáceis de entender (é mais fácil gerir a carreira de uma pessoa do que de um grupo), o que fez com que as bandas parassem de surgir, pode reparar.
Mas isso mudou depois da pandemia. Ter uma banda hoje não pressupõe gestão de carreira, gastos de produção, divisão de cachê e de tarefas. Comecei a notar bandas surgindo pelo motivo que sempre deveriam ter surgido: porque é legal tocar junto com outras pessoas. As bandas voltaram a ser turmas de amigos, mais do que CNPJs da indústria do entretenimento. E bandas que tocam em qualquer quintal, qualquer buraco, qualquer lugar em que elas possam ser ouvidas. E do mesmo jeito que não são empresas, fogem das tendências de mercado, inclusive estéticas. Estão buscando rumos artísticos novos e diferentes só porque é legal fazer isso. E bastou que eu começasse a frequentar o Picles para saber que aquele era o palco perfeito para uma festa pensada para essas bandas.
A edição desta quinta-feira do Inferninho Trabalho Sujo era exatamente o que eu havia pensado quando o conceituei. Duas bandas novíssimas, quase desconhecidas, fazendo música de um jeito muito pessoal e particular, ambas melódicas e barulhentas na mesma medida. E lembro ter conversado com integrantes das duas bandas (especificamente a Anna d’Os Fadas e a Stéfanie do André Medeiros Lanches), mesmo antes de começar a festa, sobre a necessidade da existência de um lugar como esse. De alguma forma é o antônimo do trabalho que estou fazendo no Centro da Terra, mas paralelo e complementar. Ver as duas bandas tocando para um público feliz e lotado mostrou as coisas estão dando certo. Que venham os próximos!
(Foto: Filipe Vianna/Divulgação)
Enquanto não desenrolam seu disco de estreia, o quarteto paulistano Os Fadas (uma das atrações do Inferninho Trabalho Sujo desta semana) lança mais um single. “Revolto” será lançado nesta quinta-feira mas o grupo antecipa a música em primeira mão aqui para o Trabalho Sujo (ouça abaixo). Faixa mais angulosa e barulhenta que a nada branda “Sei Lá Vie“, que o grupo lançou em julho. “‘Revolto’ foi uma música de parto difícil, o que acabou sendo coerente com a própria letra”, explica o guitarrista e vocalista Gabriel Magazza, que divide o grupo com Anna Bogaciovas (vocal e guitarra), Augusto Coaracy (bateria e voz), e Rafael Xuoz (vocal e baixo). “Passamos muito tempo sem saber para onde ir com ela e levamos alguns anos tocando repetidamente em ensaios, mudando, retirando partes, arranjando, para que ela tomasse a forma final que sai agora nesse single. É uma música que terminou tortuosa, um tanto cinematográfica, com um descompasso nos tempos que acaba expressando uma espécie de revolta contra o relógio, contra o nexo, a certeza, essas coisas. É um pouco sobre isso que a letra fala, algo de uma incerteza afirmativa, uma inadequação por opção.” O primeiro disco está na agulha e deve sair em pouco tempo…
A semana começou quente, mas depois baixou esse frio nada a ver e a gente só sabe combatê-lo de uma forma: se acabando! Então toma mais uma Inferninho Trabalho Sujo que vem em dose dupla de rock deste século. Quem começa a noite é a explosão de ruído e melodia dos paulistanos Os Fadas, que são seguidos logo depois pelo quarteto de Juiz de Fora André Medeiros Lanches, enfileirando mais doses de canções e barulho na cabeça dos presentes. E depois eu e a comadre Francesca Ribeiro derretemos a pista com aquela mistura quente de dance music, R&B, hip hop, rock e música brasileira (e uma pitada de Kpop, por que não?) que deixa a pista cheia até o fim da madrugada. O Picles fica no no número 1838 da Cardeal Arcoverde e se você chegar antes das 21h não paga para entrar. Vem!
(Foto: Filipe Vianna/Divulgação)
Qual foi a minha surpresa quando descobri que a fotógrafa Anna Bogaciovas, que encontrava por aí registrando shows em São Paulo, também tinha uma banda! Ela toca guitarra e canta n’Os Fadas, cuja inspiração óbvia – desde o nome – são os Pixies e que ainda conta com Augusto Coaracy na bateria, Gabriel Magazza, que também toca no Culto ao Rim, na guitarra, e Rafael Xuoz, no baixo. O grupo está prestes a lançar seu disco de estreia – o EP Sono Ruim – e antecipa o primeiro trabalho com o single “Sei Lá Vie”, que alterna os vocais pontiaguados de Anna com o peso dos instrumentos e chega às plataformas digitais nessa sexta. Mas a banda antecipou pra cá e o single já pode ser ouvido em primeira mão aqui no Trabalho Sujo.