Marcelo Frota é o contraponto perfeito para os Supercordas. Juntos, ambos fecham todo o espectro de emoções necessário para chamarmos de nova psicodelia carioca. À frente de seu projeto solitário Momo, ele tem as mesmas características do quinteto liderado por Bonifrate e Valentino: carioca, vintage, lisérgico, denso, retrô, chapado, ensolarado e muito sério. Mas enquanto os Supercordas se divertem com os Mutantes e Syd Barrett num chá da tarde no Sítio do Picapau Amarelo, o Momo nos carrega para as profundezas da alma, abismos sentimentais existencialistas em que a solidão é a única opção. E por mais que beba no folk deprê de bardos filhotes de Nick Drake, como Elliott Smith, Bill Calaham e Will Oldham (papas da mesma cena folk que deita-se sobre São Paulo), é no Brasil dos anos 70 que se encontra sua matriz musical. Apesar da primeira referência musical ser o soberbo disco de estréia do Clube da Esquina e os primeiros trabalhos de Lô Borges e Flávio Venturini, o som do Momo bebe tanto do Pessoal do Ceará (Ednardo, Fagner, Belchior) quanto dos momentos mais hippies dos Novos Baianos e de Raul Seixas e dos discos ingleses de Gil e Caetano. E em oposto à festa sorridente dos Supercordas, Marcelo é sempre triste, taciturno, melancólico, mas seu segundo disco consegue erguer a cabeça e, mesmo com um onipresente clima de fim de festa, parece que estamos vendo o fim dos Beatles. É um big bang em câmera lenta, um espelho se espatifando em pedaços musicais tão diferentes quanto Pink Floyd ou Geraldo Azevedo, Love ou Marcos Valle, James Taylor ou Chico Buarque. Buscador em vez de cair na espiral depressiva da Estética do Rabisco (seu primeiro disco) propõe-se deixar a melancolia para trás, nem que, para isso, tenha de fazer canções tristes mas otimistas – o que pode melhor resumir o disco do que uma música chamada “Tristeza” cujo refrão abre a canção sobre o canto de passarinhos, afirmando, firme “e o Sol nascerá”? O Momo já é um dos novos trabalhos mais promissores da música brasileira atual – com disposição para tornar-se um dos nomes mais importantes da próxima década.
19) Momo – Buscador
O começo e o final do segundo disco grupo inglês Metronomy (a dobradinha “Nights Intro/Nights Outro”) pode induzir o ouvinte à entrada num universo de melancolia indie que aproxima a psicodelia rústica do Neutral Milk Hotel ao leste europeu espiritual do Beirut de Zach Condon. Mas logo que “The End of You Too” engata – pouco antes de enganchar nos últimos vinte segundos de seu primeiro minuto – percebemos que estamos em uma pista de dança. Mas acompanhe o balanço quadrado, os timbres bregas de teclado, as guitarras-base meio frouxas e o caminhar torto do ritmo em si – o receituário de indie rock está nos detalhes que tornam o Metronomy uma banda pelo menos inusitada. O susto inicial é só a isca, pois o trio inventado por Joseph Mount (que oficializou a dupla Oscar Cash e Gabriel Stebbing como parte da banda – antes, os dois assinavam como The Food Group e funcionavam como banda de apoio quando Mount tocava ao vivo) pisa firme seus próprios preceitos rítmicos e estéticos, com um aparente orgulho nerd que se torna puro e inocente a cada audição. Compostas sempre sobre um ritmo matriz em que detalhes de produção e samples aleatórios vão sendo sincronizadas, as faixas de Nights Out podem ser entendidas como um enorme videogame sonoro de lógica, uma mistura de Sudoku com Guitar Hero que só pode ser jogado com os ouvidos – quanto mais você se envolver com a música, mais pontos você ganha. Para isso, o grupo propõe uma série de fases, que vão desde o pop fácil (“Heartbreaker”, que sampleia uma porta abrindo) à dance torta (“A Thing for Me”), de uma mistura de krautrock com new wave (“On the Motorway”) a um ritmo caribenho robotizado (“Radio Ladio”) de uma balada composta ao redor de gemido eletrônico (“On Dancefloors”) a uma versão japonesa para o pós-punk (“Back on the Motorway”). E distorcendo vocais em falsete e timbres mecânicos e sintéticos, vão superpondo riffs, refrões, linhas de baixo, viradas de bateria e frases de efeito como se cada faixa fosse um minijogo, o Metronomy faz indie dance para tempos minimalistas, engrossando uma cena que surge debaixo dos confetes da new rave e logo vem assumindo um papel importante na música atual, que são as bandas de rock que tocam música para dançar. Essa nova cena inclui a safra de 2006 – de nomes como Rapture, Klaxons, Digitalism, Crystal Castles, Hot Chip, New Young Pony Club, Friendly Fires, Cansei de Ser Sexy – e a proximidade das cenas australiana e parisiense, além de poder agregar nomes da cena de novo rock do início da década, que começou com os Strokes e terminou com o Franz Ferdinand. Com Nights Out, o Metronomy coloca-se entre este panteão de bandas de médio porte que podem, em pouco tempo, mudar a cara da música ouvida no mundo inteiro. E daí que “My Heart Rate Rapid” lembra Gang 90?
“A era dos milagres/ A era do som/ Há uma era de ouro/ Vindo aí”. Quem diria que, ao descobrir a pista de dança, o TV on the Radio se tornaria uma banda relevante? Ao contrário de outros que abraçam a dance music e batidas eletrônicas como último recurso para fazer sucesso, os nova-iorquinos usaram o ritmo como opção estética, que era exatamente o que faltava para que seu belo trabalho de guitarras pudesse ir além do mimimi indie, que deixava a banda sempre com uma sensação de incompletitude. Pisando na mesma disco music que se espatifou para dar origem tanto ao hip hop quanto à carreira de titãs dos anos 80 como Prince, Madonna e Michael Jackson, o grupo, felizmente, não abandonou a melancolia e a solidão – apenas as adicionou à inconseqüência hedonista dos dias de hoje, limpando-a dos excessos felizes e jogando uma luz sóbria e sombria sobre um universo que parece formado apenas de deleite e transição. E mesmo com metais animados e baixos funky, ainda encontram momento para cordas lânguidas criar uma atmosfera de introspecção. E, mesmo assim, soa otimista e feliz com o futuro próximo – mesmo que isso signifique remar contra a maré.
21) TV on the Radio – Dear Science,
TV on the Radio – “Golden Age“
Você gosta de Rush? E de heavy metal? Gosta de Helmet? Jazz fusion? E de Journey? E Pat Metheny? Dire Straits? Existem algumas escolas na música pop que tornaram-se malditas por alguns excessos, quase todos vinculado ao uso de desenfreado de timbres e maneirismos na guitarra elétrica. O trio matogrossense Macaco Bong faz desta sonoridade seu parque de diversões e é possível ouvir cada um destes virtuoses malditos em pequenos detalhes do épico instrumental Artista Igual a Pedreiro – mas não só. Cuidadosamente lapidado, o disco de estréia da banda de Cuiabá contém milhares de facetas diferentes e é tanto possível situá-la entre a safra sem vocal que inclui o Hurtmold, o Pata de Elefante, o Mamma Cadela e os Seychelles como entre filhotes setentistas brasileiros de Jimi Hendrix (Robertinho do Recife e os baianos Armandinho e Pepeu Gomes, por que não?) ou entre grupos de hardcore que descobriram o free jazz, inventando o pós-rock, como Slint e Tortoise. Mas se é pra definir o som dos três, este fica entre a técnica de músicos da banda de Frank Zappa com o senso pop do Thin Lizzy, a dinâmica de hits do Built to Spill, o senso melancólico do Arthur Lee (do Love) e a velocidade de Alvin Lee (do Ten Years After). Uma banda que aparenta ser deliciosamente retrô para enganar o ouvinte e catapultar seu senso estético para alguns anos no futuro, num disco virtuose e progressivo (as faixas têm em média sete minutos) que vai de encontro a todos os achismos cogitados sobre como fazer sucesso para deixar isso em segundo plano e aspirar a História.
20) Macaco Bong – Artista Igual a Pedreiro
Macaco Bong – “Black’s Fuck“
A inspiração original é Serge Gainsbourg, com seu pop de aparente baixa periculosidade feito para ser sussurrado por vozes sensuais de mulheres com personalidade. Mas em vez de simplesmente homenagear o bardo francês, o 3 na Massa alinha-se a projetos que, por linhas diferentes, também vieram buscar inspiração no bon vivant original – como o Stereolab, o Portishead, os projetos paralelos de Dan the Automator (o Lovage com Mike Patton ou o Handsome Boy Modelling School com Prince Paul), os Beastie Boys instrumentais e o projeto Vampyros Lesbos, pairando entre instrumentais viajandões (a tal “Massa” do nome do grupo), letras por vezes decorativas (mas sempre pingando duplo sentido), suíngue lo-fi e clima cinematográfico. Este último vem graças à presença de cantoras que também são atrizes e atrizes que poderiam ser cantoras – Cyz, Alice Braga, Pitty, Thalma de Freitas, Céu, Simone Spoladore, Nina Becker, Karina Falcão, Leadra Leal e Nina Becker. O trio, formado por Rica Amabis (do Instituto) e pela cozinha da Nação Zumbi (o baixista Dengue e o baterista Pupilo), ainda chamou outros cúmplices para cuidar do que essas meninas cantariam – e assim veio esse pelotão de canalhas românticos da ponte aérea Vila Madalena-Recife, com escala no Rio de Janeiro (como Amarante, Lirinha, China, Du Peixe, Alex Antunes, Catatau e dois Mombojós), escrevendo na primeira pessoa feminina, deixando o ar teatral e voraz das vocalistas ainda mais terreno e mundano, ar que o trio deixa torna caseiro, familiar, aconchegante. Tudo em casa.
22) 3 na Massa – Na Confraria das Sedutoras
3 na Massa e Cyz – “Quente Como Asfalto“
Com a possibilidade de estourar da noite pro dia se tornando cada vez mais regra do que exceção no jogo da música pop atual, vão-se aos poucos indo embora os tempos em que artistas podiam calibrar técnica, carisma e suas próprias músicas longe das multidões e das pressões do sucesso. Só por isso já seria suficiente para comemorar a existência do Little Joy, formado quando Rodrigo Amarante e Fabrízio Moretti deixam suas bandas principais de lado para tocarem em botecos de beira de estrada nos EUA e em eventos indies de médio porte no Brasil. Longe dos holofotes, podem tocar e compor sem stress nem cobranças, curtindo seu sonho de fazer parte de uma espécie de Velvet Underground californiano, uma parceria entre Lulu Santos clássico e Jack Johnson, tão metido à cabeça quanto bicho-grilo e assim compõem um conjunto de canções que ganha justamente pelo desprendimento e descontração, como uma banda new wave de férias na Jamaica. Porém, por mais que eles tentem fugir de seus ambientes originais, Little Joy soa essencialmente como se a latidindade de PUC do Rio do Los Hermanos (um elemento mais Amarante do que Camelo) contagiasse os hits mais Funhouse/Casa da Matriz dos Strokes. Um disco sem vergonha de assumir que rock e pop podem ser a mesma coisa sem que isso não necessariamente aponte para a adolescência ou para a caixa registradora. Nos shows no Brasil, não tocaram “Eat at Home”, do segundo disco solo de Paul McCartney, Ram, parente das mesmas condições de temperatura, umidade e pressão do Little Joy. Mas o recado parece dado – e aos poucos vamos separamos quem é o Paul e quem é o John nessa brincadeira…
23) Little Joy
Little Joy – “Keep Me in My Mind“
Gravado no começo da década e lançado originalmente em 2006 pela gravadora espanhola Elefant, o quarto disco de Júpiter Maçã finalmente foi lançado em seu próprio país – e como os três anteriores, é uma viagem. Depois de derreter-se na psicodelia sessentista (A Sétima Efervescência), no lounge de brechó pra turista (Plastic Soda) e no futurismo cabeça (Hiss-Civilization), dessa vez a trip do velho Júpiter é rumo ao início dos anos 70, de Beatles solo, folk sentimental, cinema marginal paulistano e pós-tropicalismo. E por mais que a paisagem ecoe seus dois primeiros discos, Uma Tarde na Fruteira é uma coleção de canções maduras e sentimentais, em que o cinismo pop art e o ruído do rock’n’roll surgem em momentos específicos (o primeiro na “Marcinha Psicótica do Doutor Stu”, o segundo na garageira “Síndrome de Pânico”). O resto é domado pela consciência de Basso em construir um cenário sonoro adulto e moderno – o interlúdio instrumental de “Little Raver” ecoa Pet Sounds e Sgt. Pepper’s ao mesmo tempo, “O Retirante” alinha Sérgio Mendes e a bossa nova política do Teatro de Arena e do Opinião de Nara Leão, “Um Sorvete Pra Você” poderia estar no Panis et Circensis, “Violão de Aço” clona, em partes diferentes, Walter Franco e Bob Dylan e “A Menina Super Brasil” requenta Marcos Valle e Mutantes via Stereolab. Isso quer dizer que Júpiter Maçã cresceu? Só ele pode dizer.
24) Júpiter Maçã – Uma Tarde na Fruteira
Júpiter Maçã– “A Marchinha Psicótica do Doutor Stu“
Aos poucos, Britney Spears vem construindo uma discografia considerável – e se afirmando como uma das artistas mais importantes da atualidade. Ponha as aspas no “artista” caso se o seu escárnio queira, mas mesmo que ela não mova um centímetro na concepção estética de sua carreira (o que é mentira), ela tem uma qualidade que funciona sob quaisquer condições, uma espécie de fotogenia tridimensional, que faz com que ela se encaixe em toda paisagem em que é posta, no topo do pop adolescente ou no fundo do poço sensacionalista. Enumere todas as cantoras da recente safra de “novas musas” desta década e só com muita boa vontade todas elas, juntas, podem chegar perto do impacto de Britney – talvez apenas Amy a peite de igual para igual, o que aumenta ainda mais a importância de Ms. Winehouse (dado que, primeiro, ela é uma artista no sentido tradicional do termo e, depois, poir possuir apenas dois discos na carreira e três anos de exposição), mas essa é outra história. Mesmo completamente produzida pelos powers-that-be de uma indústria que insiste em negar a própria derrocada, Britney reúne méritos que vão além de sua futilidade pessoal ou de sua voz de pato – e funciona seja produzida pelo N*E*R*D ou James Murphy, seja num filme adolescente qualquer, mostrando a calcinha, participando de um seriado ou regravando Bobby Brown. Circus, aclamado como “grande volta” por quem só foi ouvir “Gimme More” do começo de 2008, na verdade é a continuação de uma reinvenção iniciada em Blackout, em que Britney sacode a poeira de dois fantasmas do passado – o ícone teen e a biatch pé-na-jaca – e se reveste com a cobertura que provavelmente a acompanhará por toda a carreira, a de diva pop, equiparando-se a Madonna e Kylie Minogue, enquanto deixa para trás Rihannas, Aguilleras, Katy Perrys, Feists, Duffys e Adeles. O único porém é sua insistência em baladas horrorosas – e em Circus elas são “Out from Under” e “My Baby”. O resto, no entanto, desce redondíssimo e funciona em qualquer situação e não apenas na pista de dança.
25) Britney Spears – Circus
Britney Spears – “Circus“
Se analisarmos as carreiras de Dangermouse e Beck ao mesmo tempo, é possível traçar diversos paralelos, de diferentes naturezas, sejam estéticas ou temáticas, que levariam ambos a, inevitavelmente, trabalharem juntos em algum momento de suas vidas. Mas ao mesmo tempo em que seus marcos e clássicos (“Loser”, o Gray Album, Odelay, “Feel Good Inc.” e “Dare”, The Information, “Crazy”, Midnite Vultures) tendem a rotulá-los como artesãos do pop descartável irônico, como se fossem artistas plásticos que descobriram o toque de Midas do hit e o usassem sempre tendendo à brincadeira e ao humor, existe um lado negro intrínseco aos dois. E longe do soul ensolarado e da psicodelia pseudo-californiana (olhando direito, o Beck é pai do MGMT) existe uma tristeza de blues que ambos não escondem em sua música, embora deixem propositalmente em segundo plano, como um segredo que só os amigos mais próximos podem saber. Sob este ponto de vista, toda carreira do produtor que é metade do Gnarls Barkley torna-se subitamente melancólica – da cor escolhida para sua estréia no showbusiness (o cinza do mashup de Beatles com Jay-Z) à dor recolhida tanto em “Crazy” quanto em qualquer outra música de sua dupla com Cee-lo – sem contar o tom noturno que sua produção deu a discos tão diferentes quanto à estréia do The Good, The Bad & The Queen quanto o último do Black Keys. Beck, por sua vez, destila sua tristeza quase sempre sozinho, caminhando por pântanos e praias à noite, ao violão (Mutations) ou ao piano (Sea Change), sempre sublinhando sua necessidade por mudança. Em Modern Guilt, o azul da paisagem é composto por samples e colagens sonoras, mas nunca com as cores quentes do humor infantil, dos trocadilhos espertinhos ou da nostalgia retrô. Não que isso queira dizer que o disco é horizontal e sem solavancos – pelo contrário, o groove e o ritmo tomam conta de quase todas as músicas, embora na maioria das vezes tenha uma função meramente contemplativa, de balançar a cabeça concordando enquanto se dirige. É isso: em vez de outro passeio apreciando a natureza, Beck se propõe à introspecção na estrada, pegando carona com motoristas que são diferentes personalidades de Dangermouse.
26) Beck – Modern Guilt
Beck – “Youthless“
O quarteto paraibano Burro Morto pode ser encarado como mais uma das bandas a engrossar o coro da cena instrumental que cada dia se torna mais forte à medida em que a primeira década do século termina. Mas há pouco pós-rock e noise na equação do grupo, aproximando-o muito mais de um cânone que, apesar de não ser propriamente nordestino, tem raízes fortes naquela região. É uma geração cuja criatividade foi desperta e liberada pela Nação Zumbi ainda com Chico Science e que encontra ecos no Instituto, no Cidadão Instigado, no dub de Lucas Santtana ou na psicodelia do Guizado. O som é um híbrido de gêneros setentões afeitos á jam session, como o funk, o jazz-funk e o jazz-rock, mas temperado com psicodelia africana, timbres elétricos, dub e efeitos hipnóticos. Em quatro músicas, eles mostram que não estão pra brincadeira.