O que você está ouvindo

, por Alexandre Matias

Materinha pra Simples que tá na banca, sobre os sites Pandora e Last.fm

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Qual é a música?

Last.fm e Pandora são sites, rádios online, agregadores de conteúdo, comunidades online ou sistemas de recomendação de música? Conheça a nova geração de players da indústria musical

A crise na indústria da música, já deu pra perceber, não é tão generalizada quanto parece. Na verdade, um segmento sofre mais do que outros. São as gravadoras de disco que, depois da digitalização da música nos anos 80, lentamente vem perdendo poder, uma vez que seu principal bem – a capacidade de levar música em discos (seja de vinil ou de plástico) por todo o planeta – tornou-se irrelevante quando a equação “música digital + banda larga” começou a atingir níveis mais populares – e incluir mais gente neste processo.

A derrocada das grandes gravadoras multinacionais tem a ver com a má administração destas empresas nas últimas décadas (quando, em vez de investir em catálogos para o futuro, diretores regionais apostaram em sucessos instantâneos que ninguém quer ouvir dez anos depois), mas está mais ligada à mudança de paradigma básica que veio em decorrência à popularização da web, no começo dos anos 90: de que ninguém mais vai determinar, de forma tão vertical e autoritária quanto antes, o gosto do mercado. Cada vez mais as pessoas se tornam conscientes de seu papel não apenas como consumidor final (o sujeito que fica no fim do funil da indústria, esperando receber coisas) mas também como agente desta mesma indústria da música. E, assim, o papel das gravadoras, de “atravessador musical” – aquele sujeito que diz que música ou artista você deve consumir agora – vem se tornando literalmente irrelevante.

Mas crise na indústria do disco não quer dizer crise na indústria da música – são duas coisas distintas, é bom separar. De um lado, você tem cada vez menos gente disposta a entrar em uma loja e comprar produtos que só podem ser experimentados naquele ambiente (seja no fone de ouvido pendurado na gôndola da megastore ou os 30 segundos na playlist em streaming da loja virtual); do outro, você tem diversos artistas e produtores musicais indo conversar diretamente com seu público, sem esperar que alguém lhes diga como se portar ou o que vestir. Separada da indústria fonográfica, a carreira de um artista ganha uma profundidade inédita e cada fã pode se tornar tão importante quanto um radialista, um crítico musical em um jornal ou um diretor artístico um dia foram.

Logo, estamos dentro de uma outra situação nova – uma vez que o artista não precisa de uma grande gravadora para atingir seu público, as multinacionais deixam de ser os alvos de ataque destes artistas, que preferem atirar para todos os lados – dando MP3s, fazendo shows, colocando clipes no YouTube, criando produtos de merchandising (de camisetas a wallpapers para celular), abrindo faixas para remixarem, vertendo músicas em ringtones ou truetones… Existem um milhão e uma maneiras de se conversar com seu público hoje – e as novas bandas, artistas e DJs estão experimentando todas.

Dentro desta maré alta de nova música, como descobrir algo novo? Entre rankeadores automáticos, novas bíblias do bom gosto e personal ipodders, duas iniciativas – uma inglesa e outra norte-americana – mostram como é possível se entender neste novo cenário musical ao mesmo tempo em que ajudam a explicar que este mais tem a ver com o ouvinte do que com o artista. Ambos são, ao mesmo tempo, rádios online, sites de comunidade e agregadores de conteúdo – e não são nada disso, ao mesmo tempo. Pandora e Last.fm começaram de formas bem diferentes e disputam um lugar neste mercado rankeando gente a partir de artistas e gostos musicais.

Ambos partem do mesmo pressuposto: que, ao mostrar suas preferências musicais online, você abre a possibilidade para encontrar músicas e artistas que nunca havia pensado em conhecer. Num mundo em que cada vez mais gente produz música e mais música do passado sendo disponibilizada o tempo todo, este tipo de guia parece ser a melhor solução pra qualquer um que compre um MP3-player e pergunte-se por onde começar.

“Passei dez anos anteriores tocando em bandas de rock e escrevendo música pra filmes”, explica Tim Westergren, que fundou o Pandora ao lado de Jon Kraft e Will Glaser em janeiro do ano 2000. “Durante essa época passei a me dedicar a descobrir uma forma de ajudar músicos independentes a encontrar sua audiência mais facilmente. Eu tinha a idéia para o genoma baseado em minha própria experiência em tentar entender o gosto das pessoas e recomendar-lhes músicas”.

O genoma a que Westergren se refere é o projeto inicial do Pandora, que, como o próprio Projeto Genoma Humano, tentava rastrear semelhanças e diferenças entre artistas e estilos musicais para facilitar a vida de quem quer se aprofundar em certos nichos – a diferença é que, ao contrário dos engenheiros genéticos, a idéia não era corrigir ou solucionar problemas, mas agilizar o trabalho para fãs de música em geral. “Achei que tava dando certo ha alguns anos, quando finalizamos a primeira versão do genoma e criamos um sistema de recomendações”, continua Tim. “Isso foi muito antes do Pandora ser lançado. Contudo, após alguns meses após o serviço começar a funcionar que eu percebi que poderia se tornar algo realmente importante, que poderia potencialmente mudar o curso da indústria da música”.

O Pandora funciona da seguinte forma: escolha uma música ou artista de sua preferência que, em seguida e como numa rádio, o próprio site toca outras músicas que tenham a ver com a sua primeira escolha. A partir destas músicas, o site vai traçando seu perfil musical, já que você vai dando “sim” ou “não” para cada uma das músicas escolhidas.

Já o Last.fm funciona de outra forma: você instala um plug-in em seu player de MP3s (portátil ou não) e o programa cria um ranking das músicas mais ouvidas por você. Um não, vários: músicas mais tocadas, artistas mais tocados, artistas mais tocados na semana, no mês, no ano, e por aí vai. E, diferente do Pandora, você tem a opção de adicionar “amigos” e pessoas com afinidade musical próxima da sua. Os primeiros você acresce como em programas de rede social, como Orkut ou MySpace; os segundos são indicados pela própria Last.fm a partir dos seus rankings – comparando com o de pessoas que têm gostos parecidos com o seu. A partir deste, o próprio site indica que outras músicas você pode gostar – em alguns casos, até mesmo dando o MP3 para download.

“Fundei a Last.fm em 2002, com Felix Miller e Richard Jones”, conta Martin Stiksel, um dos CEOs do serviço. “Tínhamos uma gravadora onde bandas e artistas sem contrato podiam hospedar sua música e fomos soterrados por música boa, mas tínhamos um problema: ninguém conhecia nenhum daqueles artistas. Por isso, tivemos que desenvolver um sistema que conecta música desconhecida com os ouvidos certos, para promover a música certa para as pessoas certas”.

“Nosso objetivo é te ajudar em sua vida musical”, continua Martin, dando uma piscadela num emoticon, “nós podemos te ajudar a encontrar música nova e interessante, a redescobrir velhos favoritos, entrar em contato com outras pessoas que gostam das mesmas músicas que você, recomendar shows que você deve gostar de ir. Há tanta música e tanta oferta, por isso é importante achar boas recomendações sobre o que é interessante para você”.

O site começou a mostrar-se eficaz no meio de 2003. “Finalmente vimos que nossa forma de recomendar música para as pessoas estava funcionando de fato, era nossa ‘prova de conceito’. Até então, só achávamos que ele ‘poderia’ funcionar”, continua Martin. “O site acertou na veia desde esse início, muitas pessoas perceberam que poderiam mostrar como seu gosto musical era cool e ver o que os seus amigos estão ouvindo”.

Ambos concordam que um dos principais pontos desta decadência da indústria do disco é a falta de contato com o público. “O marketing de música definitivamente deve olhar mais o que as pessoas estão ouvindo de verdade em vez de fazer pesquisas de mercado com pessoas e pranchetas”, explica Martin.

“A melhor música dos últimos anos realmente saiu do underground da música independente e não foi inventado pelas gravadoras num laboratório”, ele continua. “Por isso, sim, o marketing de música deveria ouvir mais os ouvintes e fãs de música”. “Eu concordo com isso”, emenda Tim. “E acho que o interesse também é cada vez maior nas canções, à medida em que ela vêm se tornando cada vez mais a unidade de música através da qual a maior parte das pessoas interage”.

“Acho que na década passada assistimos a um declínio – não do fato de as pessoas gostarem menos de música, mas em como elas se sentem conectadas à atual cena musical”, continua Tim. “Acho que isso já começou a mudar e que a música digital está guiando está revigoração”.

“Um dos principais fatores era que a produção musical estava se tornando muito barato e acessível para qualquer um”, Martin segue. “Hoje você pode fazer em seu laptop o que, no passado, só era possível ser feito se você se chamasse ‘Pink Floyd’ ou algo do tipo. Isso propulsionou uma explosão de produção musical caseira e interesse por esta nova música”.

“Além disso, temos o fato que as gravadoras não estão gastando tanto dinheiro em criar novos superastros quanto o que elas gastam em relançar seus catálogos”, continua o CEO da Last.fm. “As gravadoras não estão nem aí para seu público e essa tendência sempre se manteve. Só agora ela está lentamente mudando. As pessoas estão escutando mais música do que nunca e mais música diferente do que nunca. A música nunca foi tão facilmente portátil do que hoje e você pode conseguir música a qualquer hora do dia. Por isso, estamos vivendo na melhor época para fãs de música”.