O Napoleão de Stanley Kubrick

, por Alexandre Matias

O melhor filme que nunca foi feito

“Eis uma questão que levaria uma entrevista inteira para ser respondida. Para começar, ele me fascina. Sua vida é descrita como um poema épico de ação. Sua vida sexual era digna de ser analisada por Arthur Schnitzler. É um destes raros homens que movem a história e moldam o destino de seu próprio tempo e das gerações a seguir – em um sentido muito concreto, nosso próprio mundo é fruto de Napoleão, como o mapa político e geográfico da Europa pós-guerra e o resultado da Segunda Guerra Mundial. E, claro, nunca houve um filme bom ou adequado sobre o tema. Também considero que todas as questões envolvidas são estranhamento contemporâneas – as responsabilidades e os abusos do poder, as dinâmicas da revolução social, a relação entre o indivíduo e o estado, guerra, militarismo, erc., portanto não é apenas um tributo histórico empoeirado, mas um filme sobre as questões básicas de nossa época e a de Napoleão. Mas mesmo longe destes aspectos da história, o drama completo e a força de vida de Napoleão é um assunto fantástico para uma biografia em filme. Esqueça todo o resto e tenha apenas seu envolvimento romântico com Josefina, por exemplo, e eis uma das maiores paixões obsessivas de todos os tempos”

Napoleão foi o cálice sagrado de Stanley Kubrick, um dos muitos filmes que não conseguiu terminar antes de morrer e certamente seu maior projeto. E não é exagero quando ele explica na entrevista que deu para o livro de Joseph Gelmis, The Film Director as Superstar, citada acima, que o filme renderia uma entrevista só sobre o assunto – uma não, várias. A coleção de documentos que Kubrick tinha sobre Napoleão equivalia simplesmente à segunda maior biblioteca sobre o tema do mundo, só perdendo para a coleção do próprio governo da França. Sua obsessão com o tema era tamanha, que ele construiu um arquivo de fichas com os principais acontecimentos na vida de 50 pessoas que acompanharia em seu épico, para usa-los no caso de mexer na história do filme e saber onde cada uma daquelas pessoas estaria em determinado momento na vida de Napoleão – detalhe: o arquivo tinha 25 mil fichas! Além disso, desenvolveu todo um sistema de imagens e objetos usados filme para evitar ter de responder às mesmas perguntas mil vezes e passou a imitar o próprio estilo do Napoleão, cuspindo perguntas incessantes assim que era apresentado para qualquer pessoa e comendo todos os pratos de uma refeição (incluindo a sobremesa) ao mesmo tempo.

Quem já folheou o mítico “Kubrick de mil reais“, o livraço de Alison Castle em que a filmografia do velho Stanley é dissecada à minúcia, já se deparou com páginas e páginas dedicadas ao projeto Napoleão, que só instigam a grandiosidade do que poderia ser o filme.

Mas e se eu te disser que a mesma Alison Castle está preparando o lançamento de um livro das mesmas proporções do Archives só que só sobre o filme perdido? É sério. Meu medo é que venha alguém se dispondo a filmar essa história “do mesmo jeito de Kubrick”, já que até o roteiro está disponível (em PDF) há tempos. Mas foda-se isso, imagina o que não tem nesse livro… De chorar.

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