O fim de Lost por Márvio dos Anjos

, por Alexandre Matias

Eu não vi Lost. Mas admito que tentei.

Cedi à experiência de assistir pois havia tamanho frenesi por parte de amigos meus a respeito da série, que já causava furor nos EUA. Não sou afeito a novelas e séries, mas me interessei pela sensação de um fato inovador na teledramaturgia, seguido mundialmente.

Acho que parei no quarto capítulo, quando surgiu um urso polar naquela ilha tropical. Revoltou. Tive a impressão de que os roteiristas queriam me transformar no ratinho da roda do laboratório. Comigo, não.

E, por seis temporadas, foi um sucesso de audiência, tanto na TV quanto no fluxo de downloads pela internet. Notei muitos madrugando atrás dos arquivos e das legendas para verem em seus laptops – essa, sim, a inequívoca revolução na maneira de absorver um conteúdo televisivo. E meus amigos teorizavam, debatiam, alguns até ganharam dinheiro blogando sobre isso. E colecionaram perguntas que esperavam ver respondidas.

Pelo que leio na maioria dos comentários sobre o fim de Lost, há um grande cisma entre os telespectadores: muitas questões abertas foram tratadas como aspecto menor pelos roteiristas. Os fãs se dividem hoje entre o triunfo final de uma série apaixonante e a frustração por ter faltado algo, digamos, mais apropriado à expectativa gerada.

Traçar julgamentos sobre o valor dramatúrgico da série é tarefa que não posso desempenhar. Mas tampouco negaria o fenômeno pop que Lost representa, sua capacidade de mobilização de audiência – segmentada – de milhões de pessoas. Que debatem cientificamente cada detalhe, cada cena e cada fala. Tornaram-se especialistas.

E vão continuar divagando e gerando bibliografia – principalmente virtual – sobre o que eles acham que a tal da ilha era. Talvez não cheguem a nenhum consenso (aliás, é bem provável, pelo que tenho acompanhado). E talvez aí resida o maior valor de Lost.

A que mais pode almejar uma obra de arte senão essa existência para além do momento em que foi absorvida? Senão essa permanência viva em corações e mentes, alimentada pela paixão nostálgica de reviver, explorar e até destruir os êxtases inesperados que tal obra revelava? E ainda, uma audiência qualificada, disposta a debatê-la ao infinito, com espírito enciclopédico, procurando referências e comparações em tudo? Pela memória e pela disposição de seus fãs, Lost entrará no cânone das grandes obras do homem. Mas não para mim. Urso polar em ilha tropical? Não.

* Márvio publicou este texto em sua coluna.

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