O fim de Lost por Felipe Venetiglio

, por Alexandre Matias

Quando Lost começou em setembro de 2004, a internet era bem diferente. O Facebook ainda tinha um “the” na url e ainda era restrito a estudantes de ensino superior e médio dos EUA, Twitter estava longe de existir, YouTube ainda demoraria mais seis meses para entrar no ar e o Google tinha acabado de fazer seu IPO. Mudou muito a internet e, com ela, os hábitos dos seus usuários.

E é com uma ferramenta do próprio Google que a gente pode ter uma ideia das mudanças de comportamento que aconteceram em paralelo com o desenrolar da série. O gráfico acima mostra uma tendência interessante. Em 2004, quem queria se aprofundar mais sobre as perguntas da série procurava por spoilers, e não por teorias. Isso acontecia particularmente logo antes e logo depois dos finais de temporada (exibidos sempre na última quinzena de Maio). Com o tempo – apesar de spoilers se manter como o termo mais procurado – os fãs começaram a procurar cada vez mais pelo que seus pares estavam pensando (e publicando) sobre os rumos dos sobreviventes do vôvooo 815: e vemos isso no gráfico, no crescimento proporcional das buscas por lost + theories. Isso reflete a estrutura dramática da série, em que perguntas eram respondidas com mais perguntas, mas também uma mudança mais profunda de comportamento online.

Nesses seis anos, mudou muito a forma como consumimos conteúdo na internet. Blogs já existiam desde, pelo menos, o fim dos anos 90, mas foi no início dos anos 2000 que ganharam cada vez mais destaque em relação aos “antigos” portais de internet. Na mesma época, a Wikipedia passava dos 500.000 artigos e 100 idiomas. Se o modelo dos anos 90 era o consumo de conteúdo de grandes portais, os anos 2000 começaram deixando claro que agora qualquer um poderia produzir (e distribuir) o seu próprio. Não por acaso, o termo Web 2.0 nasce em 2004. E começam a surgir YouTube, Digg, Flickr, Twitter, Yelp, Foursquare, etc. Todas essas ferramentas e outras tantas só existem porque cada vez mais passamos a dar atenção igual e até maior ao que era dito pelos nossos amigos, colegas de trabalho e desconhecidos com interesses em comum.

Se Lost sempre esteve em sintonia com essas mudanças – introduzindo um público de massa (foi veiculada durante todo esse tempo na TV aberta norte-americana) a coisas como ARGs e easter eggs, sendo transmedia antes do termo virar buzzword – era natural que seus fãs também o fizessem. Daí essa mudança: em vez de apenas consumir informação “oficial” vazada antes da hora, passaram a cada vez mais comentar, expor, debater. A criação em conjunto coisas a Lostpedia, uma implementação de wiki, outra coisa que é totalmente nesse caminho. Aliás, os outros fãs sempre foram importantíssimos para uma grande base de fãs que queria assistir aos episódios o mais rápido possível: os que baixavam a série em torrents, muitos usando ainda legendas feitas por equipes amadoras.

No fim, sabendo da comoção que o final da série ia causar na internet, muitos fãs decidiram se isolar até assistirem ao finale e a própria ABC resolveu transmiti-lo no mesmo horário em diversos países. A diferença entre um amigo comentando um episódio e passando um spoiler é se você o viu ou não.

E com um final aberto a interpretações e über-discutido online, Lost ajuda a mostrar que, na internet, ninguém é uma ilha.

Mal pelo último trocadilho, não resisti.

* Felipe escreveu este texto em seu blog.

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