O fim de Lost por Adriana Almeida

, por Alexandre Matias

Já deu? Chega de Lost? Bom, há controvérsias. Ao responder em alguns blogs que falaram do fim de Lost, eu ainda estou recebendo ainda hoje, os novos comentários que esses posts receberam, e notei uma coisa: num primeiro momento era um embate equilibrado sobre quem gostou e quem não gostou, agora, parece que é um assunto em pauta apenas pra quem não gostou.

A idéia é que quem gostou já absorveu isso em suas vidas e tocou em frente, de forma análoga aos personagens da série. Quem não gostou ainda está remoendo a história do fim. E o protesto é sempre o mesmo: Não respondeu às perguntas e foi um final novela das 8. Aí eu peço desculpa pela prepotência: Vocês não entenderam nada! Não é o fato de ter gostado ou deixado de gostar que me diz que vocês não entenderam. Gostar é uma questão de escolha pessoal e pronto. Tem gente que gosta de jiló, tem gente que não.

A questão é que os motivos de vocês não terem gostado remetem ao fato de vocês terem comprado gato por lebre. Lost não é um livro de Ágata Christie, está muito mais pra um de Gabriel Garcia Marques…

GGM é meu escritor favorito e 100 anos de solidão meu livro de cabeceira. Em momento nenhum isso prova a genialidade dele de forma absoluta. Prova apenas pra mim. E por estarmos tratando da mesma vertente literária, era de se esperar que eu gostasse de LOST e quem não gosta de GGM, detestasse…
Mas aí a polêmica fica em outro patamar. O patamar de gostar ou não de um determinado gênero literário. E talvez de ter havido alguma confusão na hora de comprar o produto (ser convencido a assistir LOST). Então vamos falar do processo de venda.

Depois da Sky + eu quase não vejo mais propaganga: gravo meus programas e pulo os comerciais. Mas vez por outra me pego assistindo em especial comerciais de séries que eu assisto e choro de rir. Na própria AXN: os comerciais de Raising the Bar são extremamente focados nos romances entre os personagens dando um ar falso de uma série que tenta ser sexy: a série é sobre os dilemas da defensoria pública e até rola romance, mas num plano secundário: não é barrados no fórum como a propaganda faz parecer. E esse é um exemplo de milhares. Durante muito tempo me perguntei se quem faz as propagandas não podia assistir a série antes de falar tanta besteira. Ingenuidade minha: sexo vende muito mais do que dilemas morais, então no exemplo que dei, a propaganda se concentra nas insinuações de sexo muito mais do que nos dilemas de defender judicialmente quem não pode pagar por caros advogados.

Então entendo que você justifique suas críticas dizendo: Lost foi vendida como uma série de mistérios, e série de mistérios precisam que esses mistérios sejam “resolvidos” no final. Bom, você caiu no conto do vigário, acha mesmo que Activia é mágico e faz ir ao banheiro regularmente e que beber Jonhy Walker faz você ir longe na vida. Propaganda é propaganda e não dá pra confiar cegamente. Alias, vamos combinar, não dá pra confiar e ponto.

Então vamos concordar em um ponto: as propagandas do AXN a cerca de LOST eram “propagandas enganosas” que o levaram a pensar que LOST era uma série scifi com respostas lógicas aos mistérios propostos. Acione o procon, mas não reclame da série.

Lost era uma parábola narrada através do Realismo Fantástico. O fato do capítulo final já ter estado escrito desde o episódio piloto de LOST é a prova que os seus roteiristas não se perderam no meio da série e colocaram um final meia boca porque não conseguiram explicar os mistérios. Eles nunca quiseram explicar nada nesse nível de romance detetivesco… Isso não os faz perfeitos e que não tenham tropeçado aqui ou alí, ou que a série tenha um ou outro erro de continuismo, mas apenas que responder às perguntas levantadas pelos mistérios da série nunca foi a intenção primordial da obra, aliais, nem primordial nem secundária. Eram elementos simbólicos usados pra contar a história e apenas isso.

Realismo Fantástico, também chamado de Realismo Mágico ou Maravilhoso é uma corrente literária do século XX, em especial latino americana, que tem como nomes de destaque Gabriel Garcia Marques (Colômbia, e ganhador do Nobel de literatura), Julio Cortázar (Argentina), Arturo Uslar Pietri (Venezuela), José J. Veiga (Brasil), José Luis Borges (Argentina) e Alejo Carpentier (Cuba).
Toda a idéia do Realismo Fantástico é a de fundir duas visões tidas como antagônicas:a cultura da tecnologia e a cultura da superstição e através delas, contar uma história cujo interesse é mostrar o irreal ou estranho como algo cotidiano e comum (Os Losties viajam no tempo, eles acham isso estranho, mas ninguém para e surta e diz: Viajar no tempo é impossível, vamos buscar uma explicação científica pra isso ou melhor, vamos assumir que estamos todos loucos. Ao contrário, eles encaram o improvável como algo factível dada a realidade da ilha) e usar essas passagens como metáforas e críticas sociais.

Diferente do surrealismo, o inesperado irreal é incorporado na realidade e possui coerência interna. Não necessita de uma explicação lógica, mas possui uma explicação mítica (e eventualmente mística) que é compartilhada num nível subconsciente e está em concordância com os demais elementos da história.
Wikipédia básica para a galera… são características do realismo fantástico:

Conteúdo de elementos mágicos ou fantásticos percebidos como parte da “normalidade” pelos personagens;

– Elementos mágicos algumas vezes intuitivos, mas nunca explicados;
– Presença do sensorial como parte da percepção da realidade;
– O tempo é percebido como cíclico, como não linear, seguindo tradições dissociadas da racionalidade moderna;
– O tempo é distorcido, para que o presente se repita ou se pareça com o passado;
– Transformação do comum e do cotidiano em uma vivência que inclui experiências sobrenaturais ou fantásticas;
– Preocupação estilística, partícipe de uma visão estética da vida que não exclui a experiência do real.

Opss, acabo de descrever LOST.

Você tem TODO O DIREITO de não ter gostado de Lost, mas então, desgoste dele pelo que ele é: uma obra de Realismo Fantástico. E para uma obra dessa vertente literária, Lost não possui grandes falhas e cumpre o que se propôs. E (para quem gosta do estilo) foi uma obra prima se pensarmos que foi algo que passou na normalmente rasa e pouco significativa televisão…

Gosto não se discute, mas entendimento sim…

* Adriana escreveu este texto em seu blog.

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