O balanço da cabeça
Não ajuda muito, mas o Gui Mendonça poderia ser um integrante do Los Hermanos ou do Hurtmold. Aquele rosto comprido com barba irregular crescida de qualquer jeito, o cabelo cacheado, olhar de desconfiança, camisa listrada, entre o hippiesmo etno e o hypismo hetero – essa fusão de Al-Qaeda com indie rock que hoje é tão pop, um visual que permeia as principais bandas do Recife e de Olinda, o coletivo paulistano Instituto, os roqueiros que caíram de boca no funk carioca e os skatistas que, depois do Fugazi, do Mike Patton e do John Zorn, começaram a ouvir jazz.
O fato de ele tocar em várias bandas (Curumin, Donazica, Lucas Santtana) também não ajuda a identificá-lo na multidão. Prefere ficar na sombra, aquele coadjuvante eficaz que sabe que, quanto menos ele aparecer, mais o protagonista irá brilhar. O lance é que Gui também é protagonista, embora pareça não querer ser.
Seu projeto solo chama-se Guizado e seu terceiro ou quarto show – ninguém sabia responder com certeza – aconteceu nessa quarta passada, no Sarajevo, aquele inferninho no lado centro da Augusta, em São Paulo, em plena balada Frankáfrika (do pessoal do Radiola Urbana e do DJ Tahira – aliás, grande pedida pras quartas-feiras…). A formação da banda chama atenção: na batera, Curumin (como assim, cê não sabe quem é o Curumin?); no baixo, Rian, que toca com o Instituto, o Cidadão Instigado e com o Maquinado (como assim, cê não sabe o que é Maquinado?); e estreando na guitarra, Regis Damasceno, que também toca no Cidadão Instigado e na banda de Lucas Santtana.
À frente, munido de uma mesa de som, um teclado e uma base de samples, Gui dá início ao jam session que poderia cair pro lado do groove laptop de bambas como Maurício Takara, Notwist e Four Tet – mas a banda faz a diferença. O que poderia se tornar um show cabeçudo e denso, ganha peso e groove ao mesmo tempo, com uma levada funky que viaja pelo jazz, música brasileira e rock. O som ganha uma camada de pós-produção, quando o band-leader – chega até ser irônico chamá-lo assim, o Guizado é mais uma banda do que o projeto solo de Gui, como é de fato – gira botões, oscila freqüências, filtra os vocais (grunhidos sem letras, tratados pela distorção) – é quase um DJ que discoteca a eletricidade em vez de discos, e assim determina o verniz final sobre a crosta 70 criada pela dormência vintage do suingue do power trio. A versão instrumental para “Astronomine Domine” do Pink Floyd resumia bem o clima – psicodelia espacial disfarçada de jazz à brasileira, como se o disco que tivesse dado origem ao mangue beat tivesse sido o Heliocentric Worlds of Sun Ra Vol. 1 em vez do Kutche, do Khaled com o Safy Boutela.
Realidades paralelas que se surperpõem sem querer, a música tem o poder de podermos estar num episódio de “Além da Imaginação”, sem que isso precise ser, necessariamente, uma coisa bizarra e inusitada. Quer dizer: tinham meninas dançando na frente do palco, pra você entender o que eu quero dizer…
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Acabou de passar por São Paulo o quinteto curitibano Bad Folks, country rock fingindo-se de caipira irlandês pra tirar onda de folk. Showzinho classe no Milo, com direito a versões para Clash e Johnny Cash no mesmo fôlego e versão – a pedido – pra um clássico da Steve Miller Band. Pra completar, os irmãos Caio e Cassiano, que puxam o coro na banda, estão com trabalhos solos prontos. Depois eu me aprofundo no assunto, mas já vai baixando as músicas pra ter uma noção.
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Hoje e amanhã tem DJ Dolores no Sesc Pompéia, hoje tem Gram no Studio SP e amanhã, no mesmo lugar, tem o Curumin (é, ele). E hoje começa o festival Calango, no Mato Grosso. Esse eu não vou, mas depois vou trocar uma idéia com o pessoal de lá pra saber que diabos tem acontecido naquelas bandas…