Nova York ocupada

, por Alexandre Matias

Na edição de hoje também contei como foi passar uma tarde no meio dos indignados do Occupy Wall Street.

A queda do muro
OccupyWallStreet questiona o ‘1% que controla o destino de 99% da população’

“Mic check!”, alguém gritou. “Mic check!”, vários responderam. A frase, em inglês, é usada para testar o funcionamento de microfones, mas não há nenhum microfone à vista. Depois do primeiro chamado – ou seja, depois de “testado” o “microfone” –, o mesmo manifestante que puxou o anúncio começa a avisar aos restantes. Pausa a cada frase para que ela mesma seja repetida por todos. Assim, um aviso que poderia ser gritado ou anunciado por um sistema de som ou megafone, ganha uma amplificação natural, repetida em uníssono por todos os presentes.

“Fazemos isso pois não temos sistema de som e é um jeito eficaz de passar a mensagem que queremos”, me explica a manifestante Leia (leia a entrevista abaixo), que senta-se atrás de uma mesa sinalizada como “balcão de informações”, entre guarda-chuvas, colchões, edredons e cartazes feitos de papelão.

O “mic check” não é uma invenção dos manifestantes nova-iorquinos que ocupam a praça Zuccotti Park. Já foi utilizado nas manifestações populares da chamada Primavera Árabe no início do ano e na Revolução Espanhola no último mês de maio – e até mesmo nas marchas que aconteceram em São Paulo no primeiro semestre. Mas soa irônico ao ser puxado numa praça em pleno coração financeiro da ilha de Manhattan, em Nova York, onde, desde o dia 17 do mês passado, milhares de manifestantes estão acampados contra, como eles dizem, o “1% que controla o destino dos 99% restantes da população”.

Estive na praça na terça-feira, e o clima de acampamento hippie misturado a de centro acadêmico de humanas destoa completamente dos prédios austeros ao redor. É como se os manifestantes do movimento OccupyWallStreet transformassem aquele naco de terra de 3 mil metros quadrados, normalmente habitados por executivos engravatados, em uma filial da Praça Tahrir, no Cairo, ou na Plaza de Cataluña, em Barcelona, palco das manifestações no Egito e na Espanha.

São hippies, punks, estudantes, veteranos de guerra, hipsters, grafiteiros, sindicalistas e simpatizantes que não arredam o pé da praça, sempre sob olhares atentos da polícia e dos turistas, que já elegeram o lugar como o mais novo ponto turístico de Nova York. Vista à distância, a fauna humana parece uma concentração antes de um show de rock, mas basta passear entre eles para perceber que há muito além dos cabelos compridos e coloridos, tatuagens, piercings e palavras de ordem.

Existe uma organização – naturalmente descentralizada – que avisa aos interessados quais são os direitos de cada um deles. “A polícia tem o direito de mentir para você”, anuncia um panfleto, que ajudava a entender como os mais de 700 manifestantes foram presos no sábado anterior, quando o grupo foi protestar na ponte do Brooklyn.

Os manifestantes também têm um cronograma de atividades e passeatas que se repetem por várias vezes durante o dia, sempre ao redor da praça. Há um centro de mídia criado no meio da área, com computadores online para postar vídeos e fotos e até fazer transmissões ao vivo de acontecimentos específicos. O grupo conta até mesmo com uma biblioteca pública, composta por livros doados, e um jornal impresso, batizado com o singelo nome de Occupy Wall Street Journal.

Organizados pela internet e usando a rede para disseminar sua mensagem, eles são mais uma etapa do efeito dominó de manifestações populares que derrubaram ditadores nos países árabes e chacoalharam grandes cidades da Europa.

O movimento é criticado por não ter exigências definidas nem propor alternativas, mas essa indignação generalizada foi o que fez a revista inglesa Economist, chamar os manifestantes espanhóis de “o grupo de protestos mais sério do mundo”, no primeiro semestre. Essa seriedade é clara em cada um dos presentes, mesmo que haja brincadeiras e trocadilhos engraçadinhos nos cartazes. E na convicção de que, aconteça o que acontecer, eles só sairão dali quando tiverem suas exigências atendidas.

‘Somos um movimento de natureza aberta’


Leia, manifestante no protesto OccupyWallStreet

Qual o papel da mídia digital no OccupyWallStreet?
Uma coisa importante de perceber é que, apesar de termos recursos limitados, nós temos um centro de mídia gigante aqui no parque. É um grupo de pessoas que está subindo fotos no Facebook, no Twitter, espalhando tudo pela web. Assim que temos algum vídeo, fazemos o possível para disseminá-lo o mais rapidamente. O que é bem diferente do que se esse mesmo tipo de protesto acontecesse há cinco anos, quando era muito mais difícil disseminar informação. Também organizamos a ascensão de hashtags no Twitter justamente para chegar à principal lista do site e fazer que as pessoas descubram do que estamos falando. Isso também não existia há cinco anos. Ainda, encorajamos que as pessoas filmem quando estão sendo filmadas em entrevistas para a TV.

É um movimento sem líder.
Sim, há grupos trabalhistas que têm se solidarizado, mas é assim que as pessoas estão se referindo, como adesões solidárias. Ninguém está querendo assumir a liderança do movimento, pois há a consciência de que somos mesmo os 99% e não fazemos parte do 1% contra os quais protestamos. E também encorajamos todo mundo que queira ajudar a simplesmente ir lá e ajudar, não precisa se registrar, nem pedir autorização. É um movimento de natureza aberta.

Hoje (terça-feira, 4) é o décimo sétimo dia de ocupação. Vocês pretendem ficar aqui o tempo que for preciso?
Acho que sim, vamos ficar aqui o tempo que for preciso. Eu tenho a sorte de morar aqui perto, de trabalhar só pela manhã e conseguir dedicar o resto do dia a estar aqui. Mas as pessoas estão dispostas, principalmente após a prisão em massa que aconteceu na ponte do Brooklyn no sábado. Acho que estamos ganhando momentum, importância e legitimidade, principalmente porque assistimos à prisão de jornalistas e de mães com seus filhos no colo. Hoje temos mais gente do que tínhamos ontem e esse movimento não para. As pessoas estão deixando de encarar o movimento como algo marginal.

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