Nós e a tecnologia

, por Alexandre Matias

O Rraurl faz 10 anos e me pediram pra levar uns doces pra festa. Ei-los.

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RRAURL 10 ANOS: Nós e a tecnologia

Em 1997, eu era editor de arte do Diário do Povo, em Campinas, e quando falaram em criar uma versão online para o jornal, me meti no meio do processo. “Natural que quem tinha feito o projeto gráfico novo do jornal também fizesse o projeto gráfico do site”, argumentava, mas eu queria mesmo era entender melhor o que era a tal da rede. Me deparei com ela pela primeira vez no ano em que entrei na Unicamp, em 1993, quando fui ler os tais manifestos eletrônicos do Subcomandante Marcos e acompanhar uma lista de discussão dos Beastie Boys. O estranhamento inicial foi dando lugar ao deslumbre que segue até hoje – são pessoas que estão do outro lado do computador, por mais que elas finjam-se sérias ou não.

Daí ao mesmo tempo em que o Camilo começava a colocar o rraurl.com em pé com uns amigos – a própria Gaía eu só fui conhecer de verdade em 2003, quando a chamei para escrever para a Play -, eu estava erguendo a versão web do jornal em que eu trabalhava. A cumplicidade virtual se firmou quando criamos sites de brincadeira, fanzines eletrônicos, com dois bróders: o Camilo juntou-se ao Tomate (Emerson Gasperin, facilitando pros pesquisadores) e fez o site The Bambas e eu me juntei com o Abonico Rycardo Smith (que depois seguiu com a brincadeira com sua revista online Bacana) pra fazer o 1999. A internet facilitava a colaboração e, principalmente, a descoberta de gente interessante e inteligente, e agilizava a velocidade da comunicação que já existia nas ruas, por telefone ou cartas anos antes.

O próprio Camilo eu já conhecia à distância. Lia a Bizz na virada dos 80 pros 90 e lá ele tinha uma coluna sobre dance music. O papo com o sujeito começou ali, embora até então só ele falava – não escrevia carta pra revista nem morava em São Paulo (sou de Brasília, tá me estranhando?). Fui conhece-lo propriamente em 95, quando ele havia acabado de voltar da Inglaterra e discotecava numa festa em Jundiaí em que também tocaria os meus compadres do Burt Reynolds – uma banda que, anos depois, daria origem ao núcleo de festas Colors (pra você ver o tamanho do mundo). O cara ainda usava uma cabeleira hippie e tocava trance, um som que, comentei com o Ricardo Alexandre (outro broder presente naquela noite, que mais tarde pilotaria a última encarnação da Bizz), me soou parente das trilhas sonoras do Globo Repórter, naqueles closes do feto ainda no útero.

UNIVERSOS PARTICULARES
Mas em pouco tempo estávamos construindo cada um seu universo particular na internet, editando um trecho da vida que mais lhe interessava para atrair pessoas que tivessem algo em comum – e aos poucos um colaborando no veículo que o outro editava. Tou citando o Camilo pelo simples motivo de ele ser o editor do Rraurl e ter me chamado pra escrever esse texto. Podia citar dezenas (centenas?) de amigos, colegas e conhecidos que começaram seu pequeno nicho na internet assim que ela se mostrou possível, todos colaborando uns com os outros, todos inspirando uns aos outros.

Você provavelmente fez seu livro, site, banda, festival, programa de rádio, blog, exposição, espetáculo, software, evento nos últimos dez anos ou desfrutou de algumas destas pirações indiividuais que encontraram na rede uma espécie de estímulo para a auto-estima. Se antes o mercado dizia “não” para 10 entre 10 moleques que mandavam cartas pedindo para escrever na Bizz, depois da internet esses caras começaram a se publicar por conta própria. E os mesmos “não” que o mainstream dizia para qualquer delírio pessoal com cara de possibilidade transformava-se em “sim” para quem realmente queria fazer algo.

Eu mesmo comecei experimentando. Em 1997, o Trabalho Sujo já existia há dois anos, mas apenas sua versão em papel. Como estava fazendo o site do jornal, dei um jeito de colocar uma versão online para o Trabalho Sujo. O endereço direto, sem entrar nos frames era algo como www.diariodopovo.com.br/suplemen/trabsujo/index.html. E a reação foi simultânea. Bastou colocar o site na internet pro jornal começar a ser vendido nas bancas da Paulista, no domingo. Haviam pessoas que sabiam que o jornal existia e que a coluna era impressa – e não apenas virtual – num jornal em Campinas e que esse jornal podia ser comprado em algumas bancas da Paulista!

Gente de todos os estados do Brasil, de diferentes faixas etárias e relações com a música. Essas pessoas aos poucos me escreviam – o correio eletrônico desinibia a sisudez que a palavra escrita na caneta parecia carregar – e me indicavam bandas, shows, fanzines, sites. O contato com o leitor tornou-se instantâneo (finja ouvir aqui o “ô-ou” do ICQ) e muitos deles se tornaram meus colaboradores – fora os grandes amigos que criei basicamente devido à internet.

RASTROS VIRTUAIS
E essa é a tal revolução eletrônica que estamos vivendo neste exato momento. É o que nos faz filosofar sobre “a utilidade do Orkut”, por exemplo. É como se estivéssemos olhando só para o telefone sem perceber que ele é capaz de fazer uma ligação. Sites, layouts, slogans, marcas e logotipos são apenas fachadas para pessoas que precisam se encontrar. Motivos para isso é o que não faltam. Nossa sociedade se isolou demais fisicamente uns dos outros – cercas elétricas, condomínios, vidro fumê – e é na internet que passamos a viver nossa rede de relacionamentos sociais. Muitos podem fazer cara feia e dizerem-se alheios à rede, mas usam aparelhos de telefone celular ou o sistema financeiro internacional. Cartão de débito, email, SMS – estamos deixando rastros virtuais sobre nossa existência numa enorme rede de contatos instantâneos (“ô-ou”, de novo).

Mas acabamos encontrando gente nova no caminho. Não é que a rede tenha substituído a rua. Ela apenas acelerou um processo que até então empacava na distância entre as cidades e países, entre a teoria e a prática, o querer e o fazer. De mínimos contatos como uma troca de cartões, uma compra online, uma ligação pra dizer “estou chegando” ou o adicionar de uma banda em seu MySpace – estamos produzindo conteúdo e indicando o que realmente queremos o tempo todo, sem muitas vezes percebermos isso.

Sim, os computadores estão mais potentes, a rede está mais rápida, as conexões mais instantâneas, os HDs maiores. Sim, o celular tende a diminuir ainda mais e a ficar mais barato. O mesmo vai acontecer com as telas de cristal líquido, as câmeras, os laptops, os portáteis como um todo. Daqui a dez anos consumiremos em suportes que ainda não existem, nas mangas da camisa ou na parte de dentro das lentes de contato, vai saber. Mas tudo isso só facilita as coisas. As tornam mais rápidas, eficazes, precisas. O ponto central ainda é a aproximação das pessoas. Por mais que possamos baixar hoje um filme que só vai estrear nos EUA daqui a um mês ou que o videofone seja uma realidade (ou não é?), isso tudo é acessório perto da grande revolução eletrônica – que não termina na tela, e sim, do outro lado dela.
Vamo lá.