A noite do Glue Trip

, por Alexandre Matias

gluetrip2018

“Morar numa cidade como João Pessoa traz muitas reflexões em frente ao mar e a cidade de uma certa maneira é minha maior inspiração”, me explica o paraibano Lucas Moura, voz e guitarra do Glue Trip, quando o pergunto sobre inspirações sobre o novo disco, Sea at Night. “Quando eu estava à procura de um nome para o disco saí com meus amigos para uma festa e terminamos a noite tomando um banho de mar, assistindo a lua. Foi uma noite incrível e eu comecei a perceber um padrão: as melhores noites terminavam no mar. Depois disso decidi chamar o disco de Sea at Night, acredito que essas experiências me levaram para perto do disco e do que eu queria levar para a minha música”, conclui, antes de falar que estava ouvindo muito Daft Punk, Solange, Gilberto Gil, Bill Withers, Unknown Mortal Orchestra e o disco Lá Vem a Morte do Boogarins.

Todos encontram eco nesta nova sonoridade noturna do antigo duo que agora é um quinteto, que deixou o violão solar em segundo plano para dar espaço para teclados de sonoridade oitentista, como pode ser percebido nas duas músicas que o grupo já liberou: “Time Lapses” e “Between Jupiter and Mars” – esta última lançada em primeira mão no Trabalho Sujo.

“O disco possui músicas que foram criadas no violão e tem músicas que eu trabalhei na frente do computador, brincando com beats e linhas de sintetizador”, continua Lucas. “Pra mim a composição com o violão é mais natural e eu queria me desafiar como produtor, tentar criar músicas eletrônicas que não carregassem os clichês que vemos hoje em dia no eletrônico. Nesse sentido o disco é dividido ao meio, metade das composições são voltadas para essa estética anos 80 e não foram criadas no violão, e a outra metade carrega o DNA do primeiro disco, com algumas mudanças, mas ainda assim com a essência da Glue Trip. Muitas músicas que ficaram de fora do disco foram criadas no violão, mas eu não possuo uma metodologia para criar. Gosto de estar a vontade e deixar as coisas fluírem.”

“Eu encarei esse disco como uma continuação. Enquanto o primeiro disco vai ao encontro com violão, beira-mar e dias de sol, o novo disco chega junto da noite, sintetizadores e experimentalismo. A ideia inicial era fazer a trilha sonora para uma noite, criar algo que se aproximasse de um público que está afim de sair e se divertir, a continuação desse belo dia de sol na praia. Essa estética anos 80 foi o que mais se aproximou para mim. As músicas também foram surgindo num período muito conturbado, onde me questionei bastante sobre a sonoridade que eu queria que a Glue Trip seguisse e nesse sentido comecei a usar mais sintetizadores e menos o violão”, ele prossegue. Esta sonoridade também é percebida na capa do disco, que a banda também antecipa primeiro no Trabalho Sujo.

seaatnight

“A capa é fantástica. Foi criada por Bruno Borges, que é um artista natural de Campo de Goycatazes, que mora em Nova York e também é o autor da capa do nosso primeiro álbum. Eu queria dar essa ideia de continuidade ao segundo disco, por isso decidi convidar Bruno novamente para fazer a capa. Eu passei as músicas para ele escutar, algumas referências e conversamos bastante sobre a ideia da noite presente no disco. Um belo dia eu abro meu e-mail e BAM tomo a capa na cara. Ele acertou em cheio. Eu gostei muito. Ela representa essa ideia e tem tudo a ver com as noitadas que terminaram com banhos de mar noturnos pelas praias do Bessa.”

Lucas continua falando sobre as transformações da banda desde o início, que a levaram ao novo álbum. “Muita coisa mudou desde o lançamento do primeiro disco da Glue Trip em 2015. A banda foi se moldando, deixou de ser um duo, para ter cinco músicos no palco, além de eu estar na produção e composição das músicas. O show também foi se transformando, antes nós tínhamos um pensamento de não focar tanto no ao vivo e pensar mais na produção das músicas, o que nos distanciava um pouco do público, mas de 2016 pra cá fomos mudando essa mentalidade, tocando mais e tentando fazer um show mais enérgico. Isso estabeleceu uma conexão massa com o público e uma resposta direta a nossa música em todos os lugares que fomos. Com as novas composições sentimos na necessidade de trazer um tecladista para a banda. Hoje somos cinco músicos no palco: Gabriel Araújo, no baixo e voz, CH Malves na bateria, Felipe Lins, na guitarra, Rodolfo Salgueiro no sintetizador e voz, e eu, na guitarra e voz. Para a turnê do novo disco começamos a montar um novo show que vai representar essa caminhada presente nos 2 discos: do dia para a noite.”

Pergunto sobre a demora para lançar um novo disco, já que o primeiro é de 2015. “A ideia de fazer um disco novo esteve na minha mente desde 2016, quando comecei a produção do Sea at Night. As músicas do disco novo foram surgindo em lapsos de tempo, comecei a compor num período de transição bem louco na minha vida. Larguei meu trabalho para me dedicar 100% a banda e ao disco e durante esse tempo voltamos aos palcos e lançamos um EP ao vivo. Isso interferiu um pouco no processo de produção do disco, mas esse tempo de amadurecimento foi necessário para mim e para as músicas. Eu precisava viver essa transição toda de emprego, relacionamento, luas etc, para chegar no resultado que eu queria para o disco novo. O fato de fazer tudo de maneira independente: produção, mixagem, composição; também atrasou um pouco a ideia de lançar material novo se tornando um desafio.”

Ele aproveita para comentar as transformações na cena independente: “O público ficou mais próximo do artista e isso mudou a forma como as bandas se comunicam e se organizam. Antes não tínhamos noção de quem era o nosso público e por onde ele estava. Com a ascensão de algumas plataformas, como o Spotify, conseguimos conversar com produtores e organizar uma turnê só com os dados de ouvintes que a plataforma nos entrega. O fã também virou protagonista nessa história, ele quer fazer parte do projeto, seja comprando uma camiseta ou até mesmo subindo no palco para cantar uma música junto da banda. Acredito que deveria existir uma união maior por parte de financiadores com a cena independente.”

A banda também prepara-se para mostrar o disco no exterior, onde sempre tiveram boa repercussão. “Surgiram alguns contatos para lança-lo através de selos internacionais, mas ainda não podemos falar em nada concreto fora do Brasil”, continua Lucas. “Como passamos muito tempo sem lançar nada, minha maior necessidade é tirar esse disco de mim e lança-lo ao mundo de maneira independente. Nós temos um grande público fora do Brasil, sempre que postamos algo nas nossas redes surgem comentários pedindo para tocar em diversos locais do mundo, do México ao Japão. Temos muita vontade de levar o nosso som para fora do Brasil e ver como as pessoas reagem ao show. Mas o comentário mais comum é: ‘como assim Glue Trip é brasileira? Ainda mais de João Pessoa’.”

Aproveito para perguntar sobre a eterna questão sobre cantar em inglês. “O inglês veio naturalmente nas primeiras composições do projeto, mas hoje em dia eu me vejo muito nesse dilema”, explica o guitarrista e vocalista. “Sempre que me perguntam isso eu fico com uma pulga atrás de orelha, porque eu amo música brasileira e gosto de compor em português também. Não tenho esse apego ao inglês, mas å estética do projeto eu tenho. Quando eu estava produzindo esse disco novo surgiram algumas músicas em português que decidi guardar para o futuro. Não existe essa regra de que precisamos cantar em inglês, acredito que um dia ainda vão sair músicas da Glue Trip em português, mas isso é papo para o futuro.”

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