Neu!?


Trecho do documentário Krautrock: The Rebirth of Germany, da BBC

Se você nunca ouviu falar no Neu!, talvez esta seja a melhor época para conhecer o grupo (além da época em que a banda estava na ativa, mas aí você tinha que estar na Alemanha no início dos anos 70). Afinal, ele reencarna com esta formação chamada Hallogallo para uma turnê nos EUA (será que algum produtor brasileiro se anima? Psicodelia minimal barulhenta!) como uma forma de divulgar a caixa definitiva com todos os trabalhos do grupo, incluindo um monte de coisas inéditas.

Michael Rother e Klaus Dinger entraram no Kraftwerk quando o grupo havia acabado de sair da sua fase rock progressivo e começava a se dedicar ao ritmo eletrônico e robótico. Resumido à dupla Ralf Hutter e Florian Schneider, o antigo Organisation adotava um nome essencialmente alemão (“usina de força”) e chamaram primeiro um baterista, Klaus, que depois chamou seu amigo Florian para consolidar o novo grupo. Juntos, gravaram dois discos – mais tardes conhecidos apenas como Kraftwerk 1 e 2, que contam com cones de trânsito, um vermelho e outro verde, em cada capa dos discos – antes das duas duplas se separarem. Ralf e Florian lançaram mais um disco (batizado apenas com o prenome dos dois, tipo dupla sertaneja) antes de chamarem outros dois músicos para oficializar sua carreira robótica, iniciada em Autobahn.

Thomas e Klaus seguiram para um caminho mais perigoso e radical. O Kraftwerk havia encontrado rumo no ritmo repetitivo e mecânico que seria o percurso de todos seus discos até hoje e passeia por paragens conhecidas (auto-estradas, ferrovias, o meio digital, a bicicleta, a tecnologia biônica, a energia nuclear) observando-as à distância, quase alien, melancólico, frio, paranóico e distante, mas apreciando a poesia dos ciclos de repetição criados pelos seres humanos. Já o Neu! preferia conduzir este mesmo ritmo – preciso e interminável – para os limites explorados pelo krautrock, O rock alemão dos anos 70 ganhou fama por experimentar fronteiras sônicas que expandiam o conceito da psicodelia para dentro dos conservatórios e para a selva, duas influências explícitas deste gênero. O Neu! ia para os limites de ambas e o barulho – elétrico, eletrônico, humano – era só a textura em que se sentia mais à vontade. A banda durou três discos e fechou as portas nos próprios anos 70, cada uma de suas metades seguindo rumos paralelos: Thomas seguiu carreira solo e Klaus juntou-se ao La Düsseldorf. Quando esta banda terminou em 83, os dois voltaram a se falar e voltaram a gravar juntos, produzindo um disco (Neu! 86) que só foi ver a luz do dia na forma de piratas nos anos 90.

Durante esta década, a influência da banda passou a ser assimilada principalmente entre bandas de rock alternativo nos Estados Unidos e indies ingleses e os discos da banda, que não eram relançados desde 1983, tornaram-se raridade, objetos de culto e, inevitavelmente, reedições piratas. As tentativas de relançar oficialmente o catálogo do Neu! sempre foi motivo de briga entre Klaus e Thomas, que só conseguiram chegar a um acordo sobre os relançamentos em 2001. A partir daí, os dois voltaram a tentar colaborar juntos, sem sucesso. Até que Klaus morreu em 2008, aos 61, de ataque do coração.

A nova caixa, que será lançada este mês, conta com os três discos originais (Neu!, Neu! 2 e Neu! 75), e dois discos que não foram oficialmente lançados (um maxi-single de 72 e Neu! 86), todos em vinil, um livro de 36 páginas e um estêncil para quem sempore quis grafitar o logotipo da banda por aí sair pintando Neu! pelas paredes da vizinhança. Maiores detalhes sobre a caixa no site do grupo.

Vida Fodona #177: Tirar a poeira de umas músicas fodonas

Fui atrás de discos velhos pro programa de hoje – com uma pitadinha, de nada, de 2009.

Neu! – “Neuschnee”
Jackie Mittoo – “Reggae Rock”
Erasmo Carlos – “Mané João”
Yo La Tengo – “When Doves Cry”
Maximo Park – “Postcard of a Painting”
Klaxons – “Magick”
Washed Out – “Hold Out”
Memory Cassette – “Listen to the Vacuum”
Nancy – “Cinema Nacional”
Superbug – “Ice Cream Headache”
Of Montreal – “The Past is a Grotesque Animal”
Steely Dan – “Rikki Don’t Lose That Number”
Midnight Juggernauts – “Aurora”
Devo – “Girl U Want”
Javiera Mena – “Como Siempre Soñé”
A Tribe Called Quest – “Show Business”
Beck – “Heroin”
Pastels & Tenniscoats – “Modesty Piece”
The Pains of Being Pure at Heart – “Higher than the Stars”

Por aqui.

Krautrock

Texto velho, do ano 2000. Mas ainda vale.

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Na Alemanha pós-guerra, a cultura nacional foi massacrada pelas soviética e americana como uma forma de aniquilar qualquer indício de retorno do nazismo. Logo as rádios e televisões bombardeavam música americana como começariam a fazer pelo resto do planeta. Mas ao contrário dos outros países, que viram sua música pátria aos poucos fundir-se com o novo padrão musical, a cultura alemã não conseguiu sobreviver em termos de cultura pop. Os poucos artistas locais que faziam sucesso eram pálidas imitações de sucessos estrangeiros.

Até que um grupo de estudantes sentiram o clamor da idade ao mesmo tempo em que os tempos estavam mudando. O ano era o histórico 1968 e os tremores sentidos nas paragens alemãs vieram justamente da arte. Seguindo uma tendência de teatro extremo que quebrava todas as convenções cênicas, incluindo até automutilação e morte no palco, este grupo de jovens se viram presos pelo mesmo tipo de música que seus pares americanos e ingleses. Com bagagem intelectual da faculdade e permissão para criar, os primeiros representantes do chamado krautrock deglutiram os Beatles, os Stooges, Ornette Coleman, o Pink Floyd de Syd Barrett, o Velvet Underground e James Brown ao mesmo tempo, fundindo-os em forma de jam sessions intermináveis baseadas no ritmo, que tornava-se cada vez mais marcial e intenso. Pioneiros na música eletrônica, eles a usaram como principal ferramenta de manipulação sonora. E criaram uma música cujo legado se extende à medida que o tempo passa.

Por muito tempo, o krautrock era visto como apenas um apelido para as bandas de rock progressivo da Alemanha. Não está errado, embora induza ao erro. Como os ingleses que inventaram o prog rock, os alemães eram jovens músicos que encontraram uma forma de explorar as fronteiras da música auxiliados pela técnica. Mas enquanto na Inglaterra sonhavam com a Idade Média e com solos gigantescos, na Alemanha os principais nomes do krautrock deixavam o ritmo tomar conta. Vindo da música negra (Can), da experimental (Faust), da eletrônica (Neu!), do rock de Detroit (Ash Ra Tempel), do free jazz (Cluster), da psicodelia (Amon Düul II) ou simplesmente de máquinas (Kraftwerk) o ritmo é fator fundamental na caracterização do krautrock. Usando-o como fio condutor por experimentações sonoras diversas, o rock alemão do começo dos anos 70 transformavam o ritmo numa porta para uma quarta dimensão musical, onde não importa quanto tempo dura uma canção e sim o transe que o ouvinte é submetido.

A influência do krautrock na cena pop mundial é muito maior que notória. Tanto subgêneros inteiros da música eletrônica (trance, ambient, techno, house, drum’n’bass, technopop) quanto as “novas formas” de criação e gravação propostas pelo pós-rock são quase que inteiramente criados do nada por estes alemães esquisitos. A lógica do sampler nasceu dele, quando a máquina sequer existia, com o baixista Holger Czukay, do Can, fazendo malabarismos e maravilhas com dois microfones e dois gravadores. New wave (Talking Heads, Pere Ubu, Devo) e pós-punk (Fall, PiL, Gang of Four, Suicide, toda a cena no wave nova-iorquina) procuraram discos de kraut para inspiração. A fuga das formas de gravação tradicionais antecipou o que diferentes bandas como Sebadoh, New Order, Pavement e Butthole Surfers acabaram fazendo.

Foram explorados os limites do barulho, da música étnica, da performance cênica, do som eletrônico, da sonoplastia e do improviso. O próprio rap só sobreviveu porque Afrika Bambaataa foi um dos primeiros a mostrar o ritmo dos alemães às massas, abrindo os limites do que pode ser música para o infinito na música popular mundial. Sem contar o Stereolab, que deve os sistemas circulatório e motor ao rock hipnótico dos germânicos. E David Bowie, que dedicou os anos punk à descoberta do mantra eletrônico do gênero morando em Berlim, onde compôs a trilogia Low/ “Heroes”/ Lodger. Sonic Youth, as bandas da gravadora Flying Nun, Stone Roses, Mouse on Mars, Spacemen 3, My Bloody Valentine, Aphex Twin, Brian Eno, Cabaret Voltaire, Mercury Rev, Throbbing Gristle, toda cena shoegazer, Bardo Pond – nomes de alto calibre devem e mostram respeito ao rock alemão do começo dos anos 70. É um espectro grande suficiente para ser conhecido.

Mas mesmo ganhando popularidade por diferentes campos da música, o krautrock ainda é um segredo para o ouvido popular. Talvez seja ainda por um bom tempo. O universo de ritmo e experimentação desencadeado por esta geração de músicos é grande o suficiente para que o termo seja um equivalente à música erudita alemã, o krautrock como uma legião de cérebros que fazem às vezes de um Beethoven moderno, descendente do Bach da música eletrônica, Karlheinz Stockhausen. O tempo não dirá – ele já diz

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Eu tenho outro texto sobre o Can em algum lugar, mas não tou achando… Mas achei um sobre Kraftwerk, quando eles tocaram pela primeira vez no Brasil, em 98. Vai na seqüência.

Vida Fodona #107: Jetlag espiritual

É o Vida Fodona Soundsystem Volume II. O I tá aqui, ó. E como eu disse, tou atualizando os arquivos velhos do VF, fiquem de olho…

Nuuro – “Diamante”
Hercules and Love Affair – “Blind”
LCD Soundsystem – “Jump in the Fire”
Beatles – “Too Much Monkey Business”
Ladyhawke – “Paris Is Burning (Alex Gopher remix)”
Som Três – “Take it Easy my Brother Charles”
Sam Sparro – “Black & Gold”
Pulp – “Watching Nicky (Demo)”
T-Rex – “Rock On”
Al Green – “What More Do You Want From Me”
Gottye – “Learnalilgivinanlovin”
Kenna – “Say Goodbye To Love (Dj Kevin S. Remix)”
Midnight Juggernauts – “Shadows (Knightlife remix)”
Dragonette – “Jesus Doesn’t Love Me (Lismore Remix)”
Neu! – “Crazy”
Chromeo – “Fancy Footwork (Russ Chimes Remix)”
The Ting Tings – “Great DJ (Calvin Harris Remix)”