As cinco primeiras páginas de Sandman Overture: Neil Gaiman volta a seu clássico

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Você já sabe que Neil Gaiman voltou a escrever Sandman – e Sandman Overture, que será lançado amanhã nos EUA, marca os 25 anos de lançamento da primeira edição do grande clássico do autor. O Buzzfeed antecipou cinco páginas da nova história, que reproduzo abaixo. Será que vai seguir o mesmo nível do original?

 

Bom saber #007: Mario Vargas Llosa x Neil Gaiman

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Na minha coluna desta semana no site da Galileu, falei sobre a palestra de Mario Vargas Llosa que assisti na semana passada e da de Neil Gaiman que vi no site do Ramon – e como uma acabou respondendo à outra.

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Mario Vargas Llosa x Neil Gaiman
Lamentar a espetacularização da cultura ou celebrar o fato de ela estar disponível para cada vez mais gente?

Na quarta-feira da da semana passada, dia 17 de abril, aconteceu no teatro Geo, em São Paulo, o evento de abertura da edição 2013 do Fronteiras do Pensamento. O evento traz para São Paulo há três anos – e para Porto Alegre, onde nasceu, há seis – acadêmicos e intelectuais de diferentes áreas do conhecimento para discutir questões que, de acordo com seu curador Fernando Schüller, são assuntos que precisam ser trazidos para a pauta deste século. Neste ano, o tema geral da série de palestras é o “cosmopolitismo” – ou como o próprio Schüller explicou em entrevista à GALILEU, como os temas que antes eram restritos às cidades hoje se refletem em todo o mundo. E para começar este ciclo de conferências, o primeiro convidado foi o escritor peruano Mario Vargas Llosa.

Vargas Llosa, apresentado pelo curador do evento, é um dos principais intelectuais latino-americanos e resumi-lo a escritor é mais uma comodidade que um rótulo. Com ampla atuação pelas artes e ciências humanas como um todo, ele é autor de livros consagrado de livros como A Cidade e os Cachorros (1963), Conversa na Catedral (1969) e A Guerra do Fim do Mundo (1981), mas não restringe seus livros ao romance, tendo escrito peças e ensaios, além de ter passado por palcos – como ator – e palanques – como político (chegou ao segundo turno da eleição presidencial de seu país em 1990, quando perdeu para Alberto Fujimori). Tal bagagem o chancela também como provocador da cultura. E sua participação no Fronteiras deste ano teve como ponto de partida o recém-lançado A Civilização do Espetáculo, que terá edição brasileira lançada no segundo semestre pela editora Alfaguara.

Vargas Llosa começou sua conferência tentando definir o que é cultura e como tal termo foi banalizado, sendo associado à qualquer coisa: “a cultura do reggae, a cultura heterossexual”, frisando que, “quando tudo pode ser cultura, nada é cultura”. E lembrou o momento em que a ideia central de seu novo livro lhe atingiu, em uma visita à Bienal de Arte em Veneza. Ao perceber que não gostava da maioria das obras que via, caiu-lhe a ficha: “Não queria ter nenhuma daquelas obras em casa”, lamentou, “aquilo que via parecia mais a Disneylândia ou um circo, e não arte”.

Localizou o início desta decadência quando Marcel Duchamp expôs seu célebre mictório num museu, dizendo que “ali foram abertas as portas à loucura”, concentrando seus ataques na figura do artista britânico Damien Hirst, que chamou de palhaço: “O pintor mais caro de nosso tempo não sabe pintar”, esbravejou para delírio da plateia, que ria a cada alfinetada dada nos pós-modernos.

Contudo a palestra não foi apenas a apresentação de ideias mal humoradas em relação à cultura atual. Lembrou de quando conheceu Paris no início dos anos 60 e se percebeu não apenas artista, mas também como um artista latino-americano, quando aos poucos conheceu e reconheceu, no Velho Continente, o valor de seus pares. Lembrou do próprio fascínio infantil ao descobrir a leitura aos cinco anos de idade, dizendo que foi “a coisa mais importante de minha vida”. E frisou o papel edificante da cultura na história da humanidade quando, por exemplo, o sexo deixou de ser visto como mero ato físico para a reprodução dando início ao amor romântico e ao erotismo. Mas estava dedicado a demolir a chamada “cultura do espetáculo atual”, em que a arte “vira um mero passatempo”, alertando que, numa cultura sem referenciais, o homem poderia voltar para a idade da pedra.

Interessante notar a ausência da palavra internet em mais uma hora de discussão sobre a cultura atual. Vargas Llosa no máximo citou o fato das notícias correrem mais rápido que antigamente e o imediatismo dos acontecimentos, mas tratando a teia digital que aos poucos torna-se o sistema nervoso da civilização deste século como um simples meio de comunicação, uma espécie de telefone-jornal-total. Apenas ironizou o fato de que todo mundo pode produzir arte atualmente como se todos os que se descobriram artistas graças à internet (sem precisar ir à Paris para isso) fossem apenas aspirantes amadores a uma elite que aos poucos deixa de existir. Zombou da espetacularização da cultura numa palestra que era, ela mesma, um espetáculo – e que encerraria com distribuição de autógrafos do próprio autor.

Discordo radicalmente de Vargas Llosa em relação a vários aspectos, mas quem sou eu para confrontá-lo? Prefiro usar como contraponto a recente palestra que o também escritor britânico Neil Gaiman, que começou como quadrinhista e hoje frequenta listas de best-sellers inclusive no Brasil, deu três dias antes, no dia 14 deste mês, durante a Digital Minds Conference, dentro da London Book Fair que acontece anualmente em seu país, que vi no blog do jornalista Ramon Vitral, especializado em cinema e quadrinhos.

Gaiman pegou como gancho os ataques que as gravadoras faziam, ainda nos anos 70, à novíssima possibilidade de gravações caseiras, ao exigir que os músicos que se submetiam à licença para trabalhar profissionalmente na Inglaterra levassem adesivos em que se lia “hometaping is killing music” (“gravações caseiras estão matando a música”). O aviso fazia referência ao fato de que, graças à fita cassete, qualquer um poderia gravar um disco comprado sem que necessariamente houvesse pago por ele. Ele faz a conexão entre a paranoia daquele tempo com outra mais recente, em que um discurso semelhante é associado a quem baixa música – ou outro tipo de conteúdo digitalizável – via internet sem pagar a seus autores.

E puxa o assunto para sua área, os livros. Citando uma conversa que teve com o falecido Douglas Adams, autor da célebre série O Guia do Mochileiro das Galáxias, sobre livros digitais antes mesmo do conceito de e-book como o conhecemos existir. Gaiman lembra que o personagem central na saga de Adams não era o inglês Arthur Dent, o alienígena Ford Prefect, a terráquea Trillian ou o robô Marvin, o andróide paranoico, e sim o próprio livro que batiza a saga, uma enciclopédia que pode ser atualizada a qualquer minuto – e que é carregada em um livro do tamanho de um tablet atual. Adams antecipou a Wikipedia e dizia que provavelmente este formato substituiria o livro impresso, mesmo sem saber qual a tecnologia que o alimentaria. E disse a Neil que “da mesma forma que os tubarões sobreviveram ao tempo dos dinossauros”, poderia ser que o livro sobrevivesse à nova era eletrônica desde que, como aconteceu com os tubarões, não aparecesse nada melhor que os próprios tubarões.

E passou a citar uma série de exemplos de experimentos literários que vem conduzindo que não poderiam ser imaginados – ou sequer realizados – anos antes. Como a possibilidade de escrever dois livros – um com capa de madeira e todo rebuscado, o outro digital com pistas espalhadas em HDs por uma cidade – que se complementam, projeto que está envolvido agora. Ou como a brincadeira que realizou com um calendário, ao pedir que seus fãs, via Twitter, lhe fizessem perguntas sobre os meses do ano. Escolheu os doze melhores tweets e transformou cada um deles num conto, permitindo depois que outros tantos leitores fizessem o que quisessem com o material que ele produziu – inclusive em áudio, pois gravou os próprios contos com sua voz e disponibilizou as gravações online. E, orgulhoso, lembrou ver milhares e milhares de pessoas produzindo arte a partir de uma ideia sua que, anos antes, seria impossível de ser realizada.

Citou casos de projetos de crowdfunding que deram certo porque foram citados por ele, ganhando um público que nunca iriam atingir por conta própria, mas sem esquecer outros tantos projetos que, mesmo com seu aval, não saíram do zero. Lembrou de quando ressuscitou uma graphic novel parada no tempo – a série Signal to Noise, escrita com o artista Dave McKean e originalmente publicada nas páginas da revista The Face nos anos 90 – para um pacote de conteúdo digital em que seus compradores pagavam o que quisessem, o que lhe garantiu 78 mil dólares. “Foi incrivelmente educativo”, disse, “e as pessoas perguntam: ‘Isso quer dizer que para que eu consiga dezenas de milhares de dólares basta que eu peça para que eles paguem o que quiserem?’. E eu respondo: ‘Não’. Isso não quer dizer que nem mesmo eu posso conseguir esse valor numa outra oportunidade. É como um dente-de-leão: as sementes voam e só algumas delas encontram algum lugar onde podem crescer”.

E terminou sua fala com um conselho que vale para todos: “A verdade é que, não o importa o que fizermos, é provável que estará certo. Vamos abraçar o velho da mesma forma que abraçamos o novo. Pois estamos na fronteira. E não há regras aqui. Podemos violar leis que ainda nem foram imaginadas, podemos entrar em portas que dizem ‘saída’, escalar janelas. O modelo para amanhã – que é um modelo que venho usando com enorme entusiasmo desde que comecei a blogar em 2001 e talvez o mesmo que uso desde que acessei a internet via Compuserve em 1988 – é tentar de tudo. Cometa erros. Surpreenda a você mesmo. Tente outra coisa. Fracasse. Fracasse melhor. Seja bem sucedido em formas que não foram imaginadas há um ano ou há uma semana. É hora de sermos dentes-de-leão, soltarmos mil sementes para que percamos 999 delas. E se uma centena – ou mesmo uma dúzia – delas sobreviverem, crescerem e formarem um novo mundo, acho que isso é mais sábio que esperar que 1983 volte mais uma vez.”

Lamentar a espetacularização da cultura ou celebrar o fato de ela estar disponível para cada vez mais gente? Desculpe Vargas Lllosa, mas eu fico com a opinião de Neil Gaiman. Abaixo, a íntegra da palestra do inglês. Trechos da palestra com o escritor peruano deverão aparecer no site do Fronteiras do Pensamento.

Fotos: Vargas Llosa (Fronteiras do Pensamento / Greg Salibian) / Neil Gaiman (reprodução).

4:20

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Neil Gaiman escrevendo Sandman

“É estranho twittar sobre isso, porque soa tão épico: eis Neil Gaiman escrevendo Sandman”, postou Amanda Palmer em seu tumblr. Amanda, como vocês sabem, é a esposa de um dos maiores autores vivos, que volta à sua obra-prima. O próprio Gaiman repostou em seu Tumblr e comentou:

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“É verdade.

Amanda entrou, olhou na tela do computador, sentou-se e tirou uma foto minha trabalhando. É engraçado: o medo do palco está passando à medida em que começo a vibrar com esses personagens outra vez…”

Ra-paz…

Não importa: “Make Good Art”

O discurso de Neil Gaiman segue gerando filhotes, como esse aqui do Gavin Aung Than:

Neil Gaiman: “Make good art”

A Juliana, do blog Trapeixe, linkou a tradução que fez do discurso que Neil Gaiman deu na University of the Arts da Filadélfia que eu postei outro dia. Então emendando tudo num só lugar: eis o vídeo, a tradução e, em seguida, a transcrição em inglês:

Eu nunca realmente esperei me encontrar dando conselhos para pessoas se graduando em um estabelecimento de ensino superior. Eu nunca me graduei em um desses estabelecimentos. E nunca nem comecei um. Eu escapei da escola assim que pude, quando a perspectiva de mais quatro anos de aprendizados forçados antes que eu pudesse me tornar o escritor que desejava ser era sufocante.

Eu saí para o mundo, eu escrevi, eu me tornei um escritor melhor na medida em que escrevia mais, e eu escrevi um pouco mais, e ninguém nunca parecia se importar que eu estava inventando na medida em que eu prosseguia, eles simplesmente liam o que eu escrevia e pagavam por isso, ou não, e frequentemente eles me encomendavam alguma outra coisa pra eles.

O que me deixou com um saudável respeito e admiração pela educação superior do quais meus amigos e familiares, que frequentaram universidades, se curaram há muito tempo atrás.

Olhando para trás, eu trilhei uma caminhada memorável. Não tenho certeza de que posso chamá-la de uma carreira, porque uma carreira implica que eu tivesse algum tipo de plano de carreira, e eu nunca tive. A coisa mais próxima que tive foi uma lista que fiz quando tinha 15 anos com tudo que eu queria fazer: escrever um romance para adultos, um livro infantil, uma revista em quadrinhos, um filme, gravar um audiobook, escrever um episódio de Dr. Who… e assim por diante. Eu não tive uma carreira. Eu simplesmente fui fazendo a próxima coisa da lista.

Então pensei em contar para vocês tudo que eu gostaria de saber de saída, e algumas coisas que, olhando para trás pra isso, suponho que eu sabia. E também em dar o melhor conselho que já recebi, o qual falhei completamente em seguir.

O primeiro de todos: quando você começa em uma carreira nas artes você não tem ideia do que está fazendo.

Isso é ótimo. As pessoas que sabem o que estão fazendo conhecem as regras, e sabem o que é possível e o que é impossível. Vocês não. E vocês não devem. As regras sobre o que é possível e impossível nas artes foram feitas por pessoas que não tinham testado os limites do possível indo além deles. E vocês podem.

Se vocês não sabem que é impossível é mais fácil fazer. E porque ninguém fez antes, não inventaram regras para evitar que alguém faça de novo, ainda.

Em segundo, se você tem uma ideia do que você quer fazer, sobre o que você foi colocado aqui para fazer, então simplesmente vá e faça aquilo.

E isso é muito mais difícil do que parece e, algumas vezes, no fim, muito mais fácil do que você poderia imaginar.

Porque normalmente, há coisas que você precisa fazer antes de que você possa chegar aonde quer estar. Eu queria escrever quadrinhos e romances e histórias e filmes, então me tornei um jornalista, porque jornalistas têm permissão para fazer perguntas, e para simplesmente ir adiante e descobrir como o mundo funciona, e, além disso, para fazer essas coisas eu precisaria escrever e escrever bem, e eu estava sendo pago para aprender como escrever economicamente, claramente, às vezes em condições adversas, e em tempo.

Algumas vezes o caminho para fazer o que você espera fazer estará claramente delineado; e às vezes será quase impossível decidir se você estará ou não fazendo a coisa certa, porque você terá de balancear suas metas e esperanças, e alimentar-se, pagar as contas, encontrar trabalho, e se adequar ao que pode encontrar.

Uma coisa que funcionou para mim foi imaginar que onde eu gostaria de estar – um autor, principalmente de ficção, fazendo bons livros, fazendo bons quadrinhos e me mantendo através de minhas palavras – era uma montanha. Uma montanha distante. Minha meta.

E eu sabia que enquanto eu me mantivesse andando em direção à montanha eu estaria bem. E quando eu verdadeiramente não estava certo acerca do que fazer, eu podia parar, e pensar se aquilo estava me levando em direção à montanha ou me afastando dela. Eu disse não para trabalhos editoriais em revistas, trabalhos adequados que teriam pago um dinheiro respeitável porque eu sabia que, por mais atrativos que fossem, para mim eles estariam me deixando mais distante da montanha. E se essas ofertas tivessem aparecido mais cedo talvez as tivesse aceito, porque elas ainda me deixariam mais perto da montanha do que eu estava à época.

Eu aprendi a escrever escrevendo. Eu tendia a fazer qualquer coisa conquanto que parecesse uma aventura, e a parar de fazê-la quando parecia trabalho, o que significou que a vida não se parecia com trabalho.

Em terceiro lugar, quando você começa, você precisa lidar com os problemas do fracasso. Vocês precisam ser osso duro de roer, precisam aprender que nem todo projeto sobreviverá. Uma vida como freelancer, uma vida nas artes, é muitas vezes como colocar mensagens em garrafas, em uma ilha deserta, e esperar que alguém encontre uma de suas garrafas, e a abra, leia, e coloque algo em outra garrafa que fará seu caminho de volta até você: apreço, ou uma encomenda, dinheiro, ou amor. E vocês têm de aceitar que vocês poderão lançar uma centena de coisas para cada garrafa que aparecerá retornando.

Os problemas do fracasso são problemas de desencorajamento, de desespero, de ansiedade. Você deseja que tudo aconteça e você quer que as coisas aconteçam agora, e as coisas dão errado. Meu primeiro livro – uma peça de jornalismo que tinha feito pelo dinheiro, e que já tinha me comprado uma máquina de escrever eletrônica do adiantamento – deveria ter sido um bestseller. Deveria ter me pagado muito dinheiro. Se a editora não tivesse involuntariamente ido à bancarrota entre a primeira impressão se esgotar e a segunda sair, e antes que quaisquer direitos pudessem ser pagos, ele teria me dado muito dinheiro.

E eu dei de ombros, e eu ainda minha máquina de escrever eletrônica e dinheiro o bastante para pagar o aluguel por um par de meses, e decidi que eu faria o meu melhor para no futuro não escrever livros apenas pelo dinheiro. Se você não ganha o dinheiro, então você não tem nada. Se eu fizesse um trabalho do qual me orgulhasse, e não ganhasse a grana, ao menos eu teria o trabalho.

De vez em quando, eu esqueço essa regra, e sempre que o faço, o universo me bate com força e me relembra dela.

Eu não sei se isso é um problema para mais alguém além de mim, mas é verdade que nada que eu fiz na qual a única razão para fazê-lo fosse o dinheiro jamais valeu a pena, exceto como amarga experiência. Normalmente nunca dei o trabalho por encerrado ao receber o dinheiro, por outro lado. As coisas que fiz porque estava empolgado, e queria vê-las existirem na realidade, nunca me decepcionaram, e eu nunca me arrependi do tempo gasto com nenhuma delas.

Os problemas do fracasso são difíceis.

Os problemas do sucesso podem ser ainda mais difíceis, porque ninguém lhes avisa sobre eles.

O primeiro problema de qualquer tipo de sucesso limitado é a convicção inabalável de que você está fugindo com algo, e de que a qualquer momento irão descobri-lo. É a Síndrome do Impostor, algo que minha esposa Amanda batizou de Polícia da Fraude.

Em meu caso, eu estava convencido de que haveria uma batida na porta, e um homem com uma prancheta (não sei por que ele carregava uma prancheta, em minha cabeça, mas ele carregava) estaria lá, para me dizer que estava tudo acabado, e eles me pegariam e agora eu teria de ir e conseguir um trabalho de verdade, algum que não consistisse de inventar coisas e escrevê-las, e ler livros que eu quisesse ler. E então eu partiria silenciosamente e pegaria o tipo de trabalho no qual você não tem de inventar mais coisas.

Os problemas do sucesso. Eles são reais, e com sorte vocês irão experienciá-los. O ponto em que você para de dizer sim pra tudo, porque agora as garrafas que você lança ao oceano estão todas voltando, e você precisa aprender a dizer não.

Eu observei meus pares, e meus amigos, e aqueles que eram mais velhos que eu e observei quão infelizes alguns deles se sentiam: eu os ouvi contar pra mim que eles não podiam encarar um mundo no qual eles não podiam mais fazer o que sempre quiseram fazer, porque agora eles tinham de ganhar uma certa quantidade de grana todo mês apenas para se manter onde estavam. Eles não podiam ir e fazer as coisas que importavam, e que realmente queriam fazer; e isso me pareceu uma tragédia tão grande quanto qualquer problema de fracasso.

E depois disso, o maior problema do sucesso é que o mundo conspira para que você pare de fazer o que você faz, porque você é famoso. Houve um dia em que olhei e me dei conta de que eu tinha me tornado alguém que profissionalmente respondia a e-mails, e escrevia como um hobby. Eu comecei a responder menos e-mails, e fiquei aliviado por perceber que estava escrevendo muito mais.

Em quarto, eu espero que vocês cometam erros. Se vocês estão cometendo erros, significa que vocês estão por aí fazendo algo. E os erros em si podem ser úteis. Uma vez escrevi Caroline errado, em uma carta, trocando o A e o O, e eu pensei, “Coraline parece um nome real…”

E lembrem-se que não importa a área em que estejam, se você é um músico ou um fotógrafo, um artista fino ou um cartunista, um escritor, um dançarino, um designer, o que quer que você faça, vocês têm algo que é único. Vocês têm a habilidade de fazer arte.

E para mim, e para muitas das pessoas que conheci, isso tem sido um salva-vidas. O salva-vidas definitivo. Ele lhe leva através dos bons momentos e pelos outros.

A vida as vezes é dura. As coisas dão errado, na vida e no amor e nos negócios e nas amizades e na saúde e em todos os outros modos que a vida pode dar errado. E quando as coisas ficam difíceis, isso é o que vocês devem fazer.

Façam boa arte.

Eu estou falando sério. O marido fugiu com uma política(o)? Faça boa arte. Perna esmagada e depois devorada por uma jibóia mutante? Faça boa arte. IR te rastreando? Faça boa arte. Gato explodiu? Faça boa arte. Alguém na internet pensa que o que você faz é estúpido ou mau ou já foi feito antes? Faça boa arte. Provavelmente as coisas se resolverão de algum modo, e eventualmente o tempo levará a dor mais aguda, mas isso não importa. Faça apenas o que você faz de melhor. Faça boa arte.

Faça-a nos dias bons também.

E, em quinto: enquanto estiverem nisso, façam a sua arte. Façam as coisas que só vocês podem fazer.

O impulso, começando, é copiar. E isso não é uma coisa ruim. A maioria de nós só descobre nossas próprias vozes depois de termos soado como um monte de outras pessoas. Mas uma coisa que você tem que ninguém mais tem é você. Sua voz, sua mente, sua estória, sua visão. Então escreva e desenhe e construa e toque e dance e viva como só você pode viver.

No momento em que você sentir que, possibilidade, você está andando na rua nu, expondo muito de seu coração e de sua mente e do que existe em seu interior, mostrando demais de si mesmo. Esse é o momento em que você pode estar começando a acertar.

As coisas que fiz que mais funcionaram foram as coisas das quais menos estava certo, as estórias as quais eu tinha certeza de que ou funcionariam, ou, mais provavelmente, seriam o tipo de fracasso embaraçoso que as pessoas se juntam para falar a respeito até o fim dos tempos. Elas sempre tiveram isso em comum: olhando para em retrospectiva para elas, as pessoas explicam porque foram sucessos inevitáveis. Enquanto as estava fazendo, eu não tinha ideia.

E ainda não tenho. E onde estaria a graça de fazer alguma coisa que você soubesse que iria funcionar?

E às vezes as coisas que fiz realmente não funcionaram. Há estórias minhas que nunca foram reimpressas. Algumas delas nunca sequer saíram da casa. Mas eu aprendi com elas tanto quando aprendi com as coisas que funcionaram.

Sexto. Eu passarei algum conhecimento secreto de freelancer. Conhecimento secreto é sempre bom. E é útil para qualquer um que alguma vez já planejou criar arte para outras pessoas, em entrar em um mundo de freelance de qualquer tipo. Eu aprendi isso com os quadrinhos, mas se aplica a outros campos também. E é isto:

As pessoas são contratadas porque, de algum modo, elas são contratadas. Em meu caso eu fiz algo que atualmente seria fácil de checar, e me colocaria em problemas, e quando eu comecei, naqueles dias pré-internet, parecia uma estratégia de carreira sensata: quando editores me perguntavam para quem eu já tinha trabalhado, eu mentia. Eu listei uma série de revistas que soavam razoáveis, e soei confiante, e consegui os empregos. Então transformei em uma questão de honra conseguir escrever algo para cada uma das revistas que eu listei para conseguir aquele primeiro emprego, de modo que eu não menti de fato, só fui cronologicamente desafiado… Você começa a trabalhar por qualquer maneira que comece a trabalhar.

As pessoas se matêm trabalhando, em um mundo de freelances, e mais e mais do mundo de hoje é freelance, porque seu trabalho é bom, e porque são fáceis de conviver, e porque elas entregam o trabalho em tempo. E você nem precisa de todos os três. Dois em três está bem. As pessoas irão tolerar quão desagradável você é se seu trabalho for bom e você o entregar no prazo. Elas perdoarão o atraso do trabalho se ele for bom, e elas gostarem de você. E você não precisa ser tão bom quanto os outros se você é pontual e é sempre um prazer ouvi-lo(a).

Quando concordei em fazer este discurso, eu comecei tentando pensar em qual tinha sido o melhor conselho que já tinha recebido ao longo dos anos.

E ele veio do Stephen King, há vinte anos atrás, no auge do sucesso de Sandman. Eu estava escrevendo um quadrinho que as pessoas amavam e estavam levando a sério. King gostara de Sandman e de meu romance com Terry Pratchett, Belas Maldições (Good Omens), e ele viu a loucura, as longas filas de autógrafos, tudo aquilo, e seu conselho foi esse:

“Isso é realmente ótimo. Você deveria apreciar isso.”

E eu não aproveitei. O melhor conselho que já recebi que ignorei. Ao invés disso, eu me preocupei com aquilo. Eu me preocupei com o próximo prazo, a próxima ideia, a próxima estória. Não houve um momento nos próximos quatorze ou quinze anos em que não estivesse escrevendo algo em minha cabeça, ou imaginando a respeito. E eu não parei e olhei em redor e pensei, isso é realmente divertido. Eu queria ter aproveitado mais. Tem sido uma caminhada incrível. Mas houve partes da trilha que eu perdi, porque estava muito preocupado em as coisas darem errado, sobre o que viria depois, para apreciar a parte em que estava.

Essa foi a lição mais difícil pra mim, eu acho: relaxar e curtir a caminhada, porque a jornada o leva a alguns lugares memoráveis e inesperados.

E aqui, nesta plataforma, hoje, é um destes lugares. (E eu estou curtindo isso imensamente.)

Para todos os graduandos de hoje: eu desejo a vocês sorte. Sorte é útil. Frequentemente vocês descobrirão que quanto mais duro vocês trabalharem, e mais sabiamente, mais sortudos vocês serão. Mas existe sorte, e ela ajuda.

Nós estamos em um mundo em transição neste momento, se vocês estão em qualquer campo artístico, porque a natureza da distribuição está mudando, os modelos pelos quais os criadores entregavam seu trabalho ao mundo, e conseguiam manter um teto sobre suas cabeças e comprar alguns sanduíches enquanto faziam isso, estão todos mudando. Eu falei com pessoas do topo da cadeia alimentar em publicações, vendas de livros, em todas essas áreas, e ninguém sabe com o que a paisagem se parecerá daqui a dois anos, que dirá daqui a uma decada. Os canais de distribuição que as pessoas construíram ao longo do último século ou mais estão contínua mudança, para os impressos, para artistas visuais, para músicos, para pessoas criativas de todos os tipos.

O que é, por um lado, intimidante e, por outro, imensamente libertador. As regras, as suposições, os agora nós devemos fazer de como você consegue expor seu trabalho, e o que você faz a seguir, estão ruindo. Os porteiros estão deixando seus portões. Vocês podem ser tão criativos quanto precisarem para conseguir visibilidade para seus trabalhos. YouTube e a web (e o que quer que venha depois do YouTube e da web) podem dar a vocês mais pessoas de audiência do que a televisão jamais deu. As velhas regras estão desmoronando e ninguém sabe quais são as novas regras.

Então inventem suas próprias regras.

Alguém recentemente me perguntou como fazer alguma coisa que ela achava que seria difícil, em seu caso, gravar um audiobook, e eu sugeri que ela fingisse que ela era alguém que poderia fazê-lo. Não fingir fazê-lo, mas fingir que era alguém que podia fazer. Ela colocou uma nota para este efeito na parede do estúdio, e disse que isso ajudou.

Então sejam sábios, porque o mundo necessita de mais sabedoria, e se vocês não puderem ser sábios, finjam ser alguém que é sábio, e então apenas se comportem como eles se comportariam.

E agora vão, e cometam erros interessantes, cometam erros maravilhosos, façam erros gloriosos e fantásticos. Quebrem regras. Façam do mundo um lugar mais interessante por vocês estarem aqui. Façam boa arte.

E a transcrição, retirada daqui, vem abaixo:

 

Doutor Neil Gaiman

O sentido da vida, trabalho e prazer, a vantagem do jornalismo, o poder superestimado do dinheiro, emprego x universidade, fake til you make it, uma nova audiência, a apologia ao erro, o elogio à cara de pau, as maravilhas da era digital, quando mentir sem culpa são alguns dos temas (caros a este espaço) reunidos soberbamente no discurso que Neil Gaiman aos formandos de uma turma na University of the Arts da Filadélfia, nos EUA. Encerrando-o com um conselho simples:

Se alguém achar a transcrição mesmo em inglês (ou quiser traduzir para o português pra facilitar a vida de quem tem dificuldade com o outro idioma), dá um alou que grudo aqui.

Updeite: O Izildo descolou a transcrição do discurso, que publico abaixo. Se alguém se dispuser a traduzir, publico logo depois:

 

Vintedoze: Os caras vão improvisando o texto

Alexandre Matias, Ronaldo Evangelista, Artur Louback, Breaking Bad, Netflix, Friday Night Lights, Drive, Sgt. Pepper’s, Dr. Who e Neil Gaiman.

O MP3 baixa-se aqui.

Vintedoze: Os caras vão improvisando o texto by Anosvinte on Mixcloud

American Gods, de Neil Gaiman, vai virar série da HBO

Precisa falar mais algo?

Então tá: o próprio já está finalizando o roteiro do piloto da série:

Se você não leu o American Gods ainda, faça-se esse favor.

Neil Gaiman e a pirataria