Que maravilha ver o Cine Joia cheiaço neste domingo para assistir ao show de lançamento do segundo disco dos Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo, Música de Esquecimento. Com abertura do Jonnata Doll e os Garotos Solventes e participações do próprio Jonnata, Negro Leo, Vítor Araújo e Felipe Vaqueiro (vocalista da banda Tangolo Mangos, tocando gaita em “O Pato Vai Ao Brics”, do Leo), o show mostrou como o grupo está cada vez mais coeso musicalmente e como as músicas novas se contrapõem às antigas de forma radical, embora encarada pelo público como uma enorme saudação coletiva. Foi muito bom vê-los tocar a mesma “Idas e Vindas do Amor” que a Sophia me mostrou quando a banda ainda engatinhava cantada por um público completamente inebriado pela sensação indescritível de estar com sua banda favorita, transformando o grupo e os fãs numa pequena comunidade. Isso infelizmente foi posto à prova num incidente tenso, quando um fã subiu no palco e se atirou de cabeça no chão, sem tempo para alguém pudesse segurá-lo, fazendo-o perder os sentidos em um dos grandes momentos do show, quando tocavam “Delícia Luxúria”, do primeiro disco. E a banda, mesmo abalada (era possível ver nos rostos deles), foi precisa ao lidar com a situação: Sophia parou o show na hora, pediu para o público abrir espaço para que os médicos da casa pudessem retirá-lo e logo todos deixaram o palco avisando que dariam um tempo até saber como estava o fã. A banda voltou minutos depois com a notícia de que o enfermo estava melhor (tanto que até voltou para o público no final do show) e encerrou a apresentação tocando duas músicas além do previsto. Foi um momento crítico que podia comprometer ainda mais o show (e até a carreira do grupo), mas eles souberam lidar com a situação como muitos artistas com mais tempo de carreira talvez não soubessem, embora tenha encerrado uma apresentação que estava com a energia muito pra cima num tom acridoce. Felizmente foi só um susto.
Às vésperas de lançar disco novo, Ava Rocha ainda encontrou tempo para revisitar mais um clássico da música brasileira que completa meio século neste 2023 neste fim de semana, no Sesc Ipiranga: o sexto disco de Gal Costa, Índia, que viu ela reunir uma constelação de nomes da música brasileira de seu tempo (Duprat, Verocai, Dominguinhos, Toninho Horta, Luizão, Wagner Tiso, Chico Batera, Wagner Tiso) para cantar um repertório repleto de canções modernas e tradicionais, de Lupicínio Rodrigues a Caetano Veloso, passando por uma música do folclore português arranjada por Gil, Tom Jobim, Luiz Melodia, Jards e Waly, Tuzé de Abreu e a guarânia que batiza o disco. Ava reuniu uma banda à altura do desafio e surfou na intensidade daquela onda e o show conduzido pelo violão de Negro Leo e o teclado de Chicão Montorfano, ainda contou com a bateria de Alana Ananias, o baixo de Pedro Dantas e a guitarra de Fernando Catatau. O resultado daquela egrégora de entidades fez o disco soar tão moderno e ousado quanto em seu lançamento e Ava, no centro daquele altar, invocou a presença de Gal com toda sua graça e força. Foi lindo – e tomara que ela possa voltar a esse repertório de vez em quando.
A estreia do projeto Rotunda – formado pelos cariocas Bella, Thiago Nassif e Cláudio Britto – aconteceu em São Paulo pois os dois primeiros vieram morar na cidade depois do período pandêmico. Criado durante a turnê que Nassif fez pela Europa no ano passado, quando foi acompanhado de Bella e Cláudio como integrantes de sua banda, o trio mistura as origens musicais de cada um de seus integrantes a partir da conexão entre células de som – boa parte delas vindo do samba, devido à presença de Brito, percussionista analógico e digital. A guitarra de Thiago, que por vezes pega o violão, também cai no samba, mas em muitos momentos trabalha no território oitentista em que afiou seu instrumento, entre o noise, a música latina, o pós-punk e o funk. Ligando os dois vêm as texturas sonoras de Bella, que também deixa cair no suíngue quando puxa seu synth bass completando o trio – e ela inclusive chega a cantar. Este primeiro show que aconteceu na terça no Centro da Terra marca a reta final da gravação do primeiro disco do grupo e contou com a participação de Negro Leo, que começou tocando um piano dissonante no escuro e logo assumiu o violão para engatar essa improvável – e contagiante – roda, ou melhor, rotunda, de samba.
Nesta terça-feira é dia de ver, pela primeira vez no Brasil, um projeto que começou nos palcos pela Europa mas nunca foi materializado. O encontro dos cariocas Bella, Thiago Nassif e Claudio Britto acontece no Centro da Terra e consagra a chamada Rotunda como nova fase da carreira dos três: a artista sonora Bella cria seus próprios instrumentos eletrônicos, o produtor Thiago Nassif traz sua guitarra inspirada pela no-wave e pelo pós-tropicalismo enquanto o percussionista e cavaquinhista Cláudio Brito, filho de Ovídio Brito, experimenta expandir os limites de seus instrumentos nessa roda, em que, segundo os três, “sua curva infinita faz com que tudo se cruze no epicentro da circunferência: interseção entre ritmo batucado, luz/som, e guitarrêra. Falar de forma rotunda é falar de jeito firme, sem k.o., papo reto”. A apresentação de hoje ainda conta com a iluminação de Mau Schramm e a participação especialíssima de Negro Leo. O espetáculo começa pontualmente às 20h e os ingressos podem ser comprados neste link.
E vou discotecar nessa sexta, se liga.
O Estado de Suspensão aconteceu num domingo maravilhoso, que abriu com o transe noise puxado pelo grande Marcelo Cabral. Ao lado de Guilherme Held e de Maria Beraldo, ele visitou seu Motor em formato elétrico, começando os trabalhos na Casa Natura Musical com uma parede de ruído em que equilibrava suas delicadas canções.