“Não fazia idéia de que você era tão nerd!”

, por Alexandre Matias

Entrevistinha que fiz com o Johnson pro Link.

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Intelectual nerd ou nerd intelectual?

O principal convidado do Campus Party fala sobre iTunes, Radiohead de graça, ‘Lost’, ‘Wired’ e a geração digital

“Nos meus livros tento fazer a ponte entre o mundo nerd e o não nerd”, brinca Steven Johnson, reclinando-se na poltrona. “De vez em quando falo para as pessoas que não são nerds o que realmente interessante está acontecendo neste mundo.”

Pergunto se ele se considera um embaixador das idéias nerds e Steven ri, concordando: “Esse pode ser o tema da minha conversa com os brasileiros hoje.” Professor da New York University, o escritor foi um dos convidados da Campus Party, o megaevento que reuniu milhares de fanáticos por tecnologia na Bienal na semana passada.

Seus livros parecem comportar idéias polêmicas sobre a era de transição que estamos vivendo, entre a lógica industrial e a digital, a era escrita e a eletrônica. Em A Cultura da Interface (de 1997), ele defende que o ambiente digital inaugurado com a invenção do mouse (a interface de computador) é o equivalente de nossa era para as enormes catedrais na Idade Média, a perspectiva tridimensional na pintura renascentista ou a ascensão do romance após a Revolução Industrial. Em Surpreendente! (de 2005), ele sugere que a crescente complexidade de videogames, séries e filmes, em vez de distrair crianças e jovens, estimula sua inteligência.

Mas Steven Johnson se considera um nerd?

“No início de Surpreendente! eu falo sobre os jogos de simulação de beisebol que existiam quando eu era criança. Eram jogos de dados que tinham uma série de regras e possibilidades, muito parecidos com os jogos de RPG. Não existiam bonequinhos, tabuleiros, nada – só a lista de regras e formulários para serem preenchidos –, e o jogo era isso. Você jogava os dados e, de acordo com os números que saíssem, via que jogador poderia usar, que jogada ele executaria e se tinha sido bem-sucedida. Um dia, encontrei-os no eBay e comprei todos. O jogo que eu mais gostava parecia um formulário do Imposto de Renda. Quando os recebi em casa, mostrei para a minha esposa: ‘Esse era o meu jogo favorito quando eu tinha 11 anos’. E ela olhou e disse: ‘Não fazia idéia de que você era tão nerd!’”

Ele continua falando sobre essa tribo que, até os anos 80, era considerada a escória dos grupos sociais, mas que, pouco a pouco, teve sua imagem mudada em razão da ascensão da era digital. “Sim, o padrão com certeza mudou. Ser nerd é ser cool”, explica. “Bill Gates, Steve Jobs e os caras do Google são um novo parâmetro. Jobs é ainda mais interessante porque ele é um nerd e, ao mesmo tempo, tem toda a filosofia hippie, que permite que você tome ácido num dia e vá a uma reunião de negócios no dia seguinte”, ri.

“Mas antes não existia uma avenida que ligasse a cultura à tecnologia, como você faz no caderno do jornal em que trabalha” – eu havia lhe mostrado o Link pouco antes. “Naquela época eu tinha amigos do mundo da arte, que gostavam de bandas de rock independente e filmes alternativos, para os quais queria mostrar como meu computador novo era legal.”

“Acho que a grande mudança aconteceu com a chegada da revista Wired em 1993, que mostrou para uma série de pessoas que havia outras parecidas com elas”, ele continua. “Gente que cresceu nos anos 80 com videogame, o computador pessoal, a música eletrônica e filmes como Blade Runner de repente viu que não estava só. Na verdade houve uma revista que antecedeu a Wired, a Mondo 2000, que era muito mais radical nos temas e que, de certa forma, nos preparou para a nova revista. Quando a Wired chegou, antes da internet se popularizar, sabíamos que alguma coisa havia mudado.”

Mas esse novo parâmetro não estimularia o consumismo, uma vez que a era digital pressupõe a compra de aparelhos e dispositivos eletrônicos sempre novos? “Claro que há muito fetiche em relação à tecnologia e aos aparelhos, mas o interessante é o que essa geração está fazendo com essas ferramentas. Não importa se é no Facebook, no YouTube, no Twitter, fazendo blogs, podcasts ou compartilhando fotos digitais… Assim, de um lado, há o aspecto ‘Oh meu Deus, como eu amo esse objeto e preciso comprá-lo’, que é uma nova versão do tênis caríssimo que as pessoas compram para mostrar que podem comprá-lo. Mas, do outro, é um objeto que pode facilitar a socialização. É algo como ‘não vejo a hora de comprar esse novo celular porque ele é mais fácil de enviar fotos para meus amigos’. Isso é mais real do que simplesmente um valor monetário.”

Com essa mudança há um novo paradigma também em transição que diz respeito ao valor de produtos que, graças à internet, podem ser baixados de graça, como músicas, filmes e programas de TV. Steve concorda: “As gravadoras dizem que você não pode competir com o que é de graça. O que Steve Jobs provou com o iTunes é que, sim, você pode competir com o que é de graça num certo nível. Você pode empacotar de uma forma interessante, tornar o produto mais fácil de ser encontrado, além de outros aspectos que agreguem valor a ele. Muitos não vão pagar, mas outros estarão felizes em fazê-lo. E como atrair as pessoas que não estão pagando? O Radiohead fez algo interessante no ano passado, dando seu disco de graça pela internet, e muitos estão copiando esse modelo”, explica.

Johnson continua falando sobre as mudanças no mercado da música. “Muitos falam em fazer shows, mas nem sempre um artista pode fazer shows o tempo todo e eu chamo a atenção para o fato de a internet permitir que ocorram versões online de apresentações ao vivo – que é diferente de transmitir um show pela rede. Falo em criar canais de assinatura em que o fã pode acompanhar o andamento do trabalho do artista – e não é só um blog ou transmissões de ensaios, mas objetos de verdade, até mesmo discos. E esse dinheiro vai para o artista! E, de vez em quando, você junta músicas que têm a ver com esse processo e transforma num álbum – que pode ser disponibilizado de graça, para atrair mais assinantes. É o oposto do que faço com o meu blog (www.stevenberlinjohnson.com) em relação aos meus livros. Escrevo de graça e depois reúno uma série de divagações e idéias que tive em uma linha de pensamento. Isso dá origem a um livro que, no fim das contas, será vendido.”

Esse novo formato não é restrito à música. “Lost também é um exemplo disso”, conta o escritor, fã do seriado. “Você tem uma parte que é tradicional, que a pessoa assiste na TV e pronto. Mas também tem uma parte que são histórias paralelas, que criam outras possibilidades de leitura da história original e que, eventualmente, vão fazer as pessoas comprarem os DVDs ou, pelo menos, assistir aos episódios de novo porque ninguém tem idéia do que diabos está acontecendo – Lost parece ser um seriado sobre isso”, brinca.

E continua: “Aí você tem um livro que explica parte desses subtextos e pode ter conexão com um game que pode ser jogado tanto via internet quanto ser apenas um videogame para jogar no iPod. Tudo está interligado. E assim temos um universo expandido que, além das possibilidades sugeridas pelos criadores, também têm outras que podem ser especuladas pelo público. Nunca ninguém fez algo assim com A Ilha dos Birutas (Gilligan’s Island, seriado americano da década de 60) que, por acaso, também era sobre pessoas perdidas numa ilha deserta . Porque era um programa estúpido, não abria nenhuma possibilidade. Mas, na medida em que os programas ficam mais complexos, eles rendem mais para seus criadores e espectadores – mesmo que as pessoas no Brasil o baixem de graça. Baixam agora e compram depois o DVD, o livro, a marca.”