Na luz do luar

, por Alexandre Matias

“Good times are comin’,/ I hear it everywhere I go”

Falando em mashup de Radiohead com outro ícone da década, deixo aqui meu comentário sobre a onda Crepúsculo no cinema, que, mesmo sem ter um filho para usar como desculpa, fui assistir para tentar entender. O primeiro filme, Crepúsculo, é bem feitinho: tem um bom filtro que azula a luz como o que esverdeia Matrix e Amelie Poulain, a química – ainda que imóvel – do casal protagonista funciona e os momentos sentimentalóides não são tão ridículos quanto poderia se supor (a cena do namoro de Anakin Skywalker e a princesa Amigdala no Episódio 2 do Guerra nas Estrelas é muito mais vergonha alheia). O segundo, Lua Nova, sofre da crise de sucesso financeiro e o que era discreto e esperto em Crepúsculo fica meio exagerado e desnecessário. O próprio casal Bella/Edward padece disso (eles parecem ter acabado de sair do salão de beleza, ao contrário da naturalidade do primeiro filme), mas isso ecoa de formas diferentes na produção.

É claro que são filmes para adolescentes, mas estão mais próximos da nova geração Sessão da Tarde (pense em Superbad, Juno e Pequena Miss Sunshine como um novo gênero) do que da safra de cinema fantástico de Harry Potter e Senhor dos Anéis. Não vão mudar a sua vida e talvez não valham o ingresso do cinema. Mas diz muito sobre a época em que vivemos.

A própria metáfora do vampiro já foi esvaziada antes de Crepúsculo. Se antes o mito misturava o conflito romântico do século 19 com a consciência do tempo pós-revolução industrial, a importância arquetípica do personagem aos poucos vai se “humanizando” enquanto o vampiro passa ser visto menos como monstro e mais como um ser fantástico, parente dos super-heróis, só que carregando o fardo da vida eterna. Essa “humanização” sentimental está em quase todas as adaptações da lenda para a cultura atual – nos vampiros andróginos de Anne Rice, no Drácula do Coppola com o Gary Oldman, nos vilões de Buffy, na série de cinema Underworld e nos vampiros pervertidos de True Blood. Ela também é aliada da mudança de atitude entre o vampiro e a presa, em que o vampiro aos poucos se torna mais sensível e delicado enquanto sua presa passa a ser mais decidida em relação ao seu papel. Não é exclusividade dos vampiros – é só um reflexo das transformações de gênero a que os papéis do homem e da mulher foram submetidos na segunda metade do século passado. O casal protagonista de Crepúsculo é um ótimo exemplo destas mudanças.

O vampiro Edward vivido por Robert Pattinson faz a ponte entre o “novo homem” detectado por Jack Kerouac nos anos 50 (o caubói que não tem vergonha de chorar, o homem que dança, o início do macho sensível) e que jogava Elvis, James Dean e Marlon Brando como novo parâmetro de masculinidade, com a geração emo, sem apelar para a androginia. Kristen Stewart, por sua vez, com sua beleza crua e discreta, faz uma musa arredia, que não quer ser social e prefere ler livros a fazer as compras. É como se fosse uma versão indie da Mina Harker, protagonista do livro Drácula original, reinventada por Alan Moore na Liga Extraordinária, que passa a ser uma espécie de ícone protofeminista. A personagem Bella é quase pós-feminista, tão decidida a tomar a dianteira que passa toda a saga querendo ser mordida, abocanhada, possuída – sem sucesso. Assim, Crepúsculo é menos onda adolescente do que termômetro social – e detecta esse baile de emos e indies que se tornou a velha guerra dos sexos.

Mas a cena com “Hearing Damage”, do Thom Yorke, é boa.

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