O acervo Millôr

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A boa notícia para os fãs de Millôr é que seu filho Ivan Fernandes, responsável pelo espólio do gênio brasileiro morto no ano passado, já começou o que chama de “profissionalização da gestão” de seu acervo, ao dividir a obra do pai na mão de gente que considera responsável o suficiente para lidar com tal legado. Conta Cristina Tardáguila, dO Globo:

Ivan dividiu em três partes o material que desde 1962 enche (de forma extremamente organizada) gavetas, estantes e armários no estúdio em que Millôr trabalhava — uma pequena cobertura em Ipanema. A partir de agora, tudo o que diz respeito aos mais de 120 livros assinados pelo autor de “Fábulas fabulosas” (1964), por exemplo, ficará sob a responsabilidade da agente literária Lucia Riff. Tudo o que tange à produção teatral — e aí entram mais de 80 peças escritas por Millôr, mas não necessariamente encenadas — correrá a cargo da Associação Brasileira de Música e Artes (Abramus). E a parte mais colorida do acervo — os desenhos, aquarelas e crayons, entre outros trabalhos que saltam aos olhos dos fãs — serão levados ao Instituto Moreira Salles (IMS), na Gávea. Além de armazenar e conservar cerca de sete mil itens, a instituição poderá organizar exposições e planejar novas publicações em torno do nome de Millôr.

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As fotos nesse post são de Mônica Imbuzeiro, dO Globo

— Tomei essa decisão porque jamais poderia cuidar de um acervo desse tamanho sozinho — explica Ivan, sentado próximo à mesa de trabalho e aos lápis de colorir de seu pai. — Admiro muito o esforço que herdeiros como o João Candido Portinari fazem, mas não quero ser como eles. Quero que a obra de meu pai seja preservada, mas não pretendo fazer disso minha vida.

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A melhor parte desta notícia é que o maior acervo do artista – sua produção visual – ficará a cargo do Instituto Moreira Salles, responsável pela preservação de acervos de outros monstros sagrados brasileiros, como por exemplo Paulo Mendes Campos, Pixinguinha, Chiquinha Gonzaga, Carlos Drummond de Andrade, José Ramos Tinhorão, Ernesto Nazareth, Elizeth Cardoso, Otto Lara Resende, Garoto e Mario Reis. O superintendente do Instituto Moreira Salles do IMS, Flávio Pinheiro, falou da presença de Millôr no Instituto, em entrevista ao Jotabê no Estadão:

“Ele é tão absolutamente excepcional que não inaugurará nenhuma ala no instituto, será apenas ele. É porque é o Millôr, um cara de exceção: um excepcional artista gráfico, que escrevia muito, que também produzia aforismos e haicais, que também era dramaturgo e um tremendo tradutor”

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A biblioteca de Millôr, no entanto, será doada aos amigos do artista. Diz o filho Ivan aO Globo:

Depois que o IMS levar as obras e todo o arquivo pessoal de meu pai, ficarão para trás as centenas de livros dele. Vou convidar os amigos, Ziraldo e companhia, para vir aqui e escolher o que quiserem levar. Papai ficaria feliz com isso.

Imagine essa biblioteca…

Millôr Fernandes: “Ninguém que ambiciona o poder deixa de ser um filho da puta”

Babee linkou outro dia a entrevista que o Aran fez com o Millôr para a Playboy:

O humor, de uma maneira geral, não é muito condescendente com o presidente Lula?
Eu não posso te dizer, porque eu falei mal de todos eles, escrevi sobre o Sarney e também sobre o Fernando Henrique. Agora, se o Lula é um analfabeto, o Fernando Henrique é um analfabeto barroco. Não estou brincando, não. Se você pegar o bestialógico dele, puro e simples, daquele livro que ele escreveu, você não consegue entender nada! Eu selecionei um trecho do livro dele e publiquei. Aí uma amiga minha, que estudou com ele, me disse: “Millôr, você disse que escolheu o trecho por acaso e eu não acreditei. Mas aí fui reler o livro e é tudo assim, você tem toda razão. Agora, Millôr, eu estudei com esse homem, como é que eu acreditava nele?”. É que quando você tem 18, 20 anos e está na frente de um professor de 30, 35 anos, ele é uma estátua. Você acredita nele. Quando ele diz uma coisa complicada e você não consegue compreender, você pensa que o defeito é seu. Você faz um esforço, vai pra casa e aprende. É a mesma história com o Machado de Assis. Você é emprenhado desde cedo de que ele é o maior escritor do mundo. Mas você não conhece outro… [Risos.]

Você tem uma certa implicância com o Machado de Assis…
Não!

Como não? Tem sim!
Não é implicância porque parece que eu estou com raiva, né? Não é isso. Você pode dizer implicância, mas o que eu tenho é um certo desdém. Essa discussão se a Capitu deu ou não deu é como discutir o sexo dos anjos. Eu fiz um artigo sobre Dom Casmurro. Algumas pessoas me apóiam, outras não. Mas é como se eu estivesse falando mal do Machado de Assis e não é isso. É que eu publiquei dez ou 12 frases do romance provando que ele, dom Casmurro, é homossexual. Eu não digo “bicha”, que é pejorativo. É um homossexual, entende? E naquela época, ele tinha que ser enrustido porque, infelizmente pra ele, ainda não havia o movimento gay [risos]. Agora, veja bem, daí em diante eu fiz uma extrapolação que me foi natural. Quem é Machado de Assis? É um mulato, filho de uma lavadeira, com todo um temperamento de querer ficar bem na sociedade. E que eu saiba – pode até ser ignorância minha, admito – mas que eu saiba, não tem mulher alguma na vida dele. Ele não comeu ninguém! E eu tenho um certo desconforto com homem que não come ninguém. Eu acho que o homem tem que comer alguém [gargalhadas].

A íntegra tá aqui.