Mesa redonda

, por Alexandre Matias

Como um disco, rodando 360º

Os ossos do ofício desta vez me levaram para outro ambiente, em que eu me sentia menos estranho e mais próximo: uma reunião com alguns dos maiores nomes das picapes de hip hop do Brasil. O encontro estava sendo marcado há dias, mas todo mundo toca na noite, produz disco, toca com banda, viaja pacas… Enfim, DJs de hip hop (mais do que DJs de eletrônica, embora não pareça) têm uma agenda movimentadíssima, apesar dos ganhos nem chegarem aos pés dos bambambans da technêra. Como um deles disse, é só ver quem paga esses caras: marcas de bebida, grifes de roupa, empresas de telefonia celular. Ninguém desses caras quer se associar ao hip hop.

Só sei que, depois de datas e mais datas desmarcadas, dei um ultimato pros caras: ou segunda ou nada. Eles sabiam que tava difícil e todos me confirmaram. Bar Brahma, às 19h, certo? “Certo”, todos confirmaram.

Beleza.

Chego incrivelmente antes da hora, me surpreendendo com a própria pontualidade. “Isto não é coisa de brasileiro”, pensei, enquanto explicava para o pessoal do bar o que eu iria fazer ali. Sete da noite e nada. “Isto sim, é brasileiro”, pensava, enquanto via os minutos passarem num relógio-termômetro de rua na esquina mais famosa de São Paulo, “atrasar é normal”. Bebericando por meia hora, começou a bater o apavoro. “Esses caras vão furar de novo!”, lamentava, enquanto pensava em como refazer esse encontro. Vamos atrás desse povo, via fone.

KLJ: “Estou há um minuto daí”. King: “Eu tou te vendo falando no telefone agora mesmo”. Nutz: cai na caixa postal no exato momento em que ele entra no bar. Ney: “Tou esperando o carro chegar da oficina, já já estou aí”. Hum: Caixa postal.

“Merda”, pensava enquanto ouvia a mensagem do Humberto (“Ei, ei, ei!”). Sem o Hum a história fica incompleta. Mas, enfim, juntar esses caras de novo ia ser difícil. Deixei o recado na secretária, na esperança que ele ouvisse. “Quando você chegar, procure a Ingrid, funcionária do bar, que vai te levar para o local onde estamos conversando”.

Fomos ao segundo andar do bar, numa área isolada acima da parte de trás do lugar (onde tava rolando uma sessão de fotos bem… hm… deixa pra lá). Luz indireta, móveis escuros, um piano ao cair da tarde… A fotógrafa me fuzilou com seus belos olhos quando viu a (não)iluminação do local. Ela já havia me enchido o saco por causa da locação que eu escolhi (porque o bar é escuro), mas o lugar que nos levaram triplicava a ausência de luz. Sorri amarelo, que remédio.

Chega o Grandmaster Ney, o veterano da turma e o papo rolava solto. Demos início aos trabalhos e os caras logo estavam bem à vontade. Primeiro falamos sobre o início de suas carreiras e logo estavam estapeando a mesa, às risadas, quando lembravam dos bailinhos caseiros em que quase todos eles começaram tocando. De vez em quando um deles soltava: “Quem podia falar melhor disso era o Humberto” ou “o Humberto viu isso tudo, ele saca melhor que a gente”. Tou ligado. Mas cadê o cara?

De repente, ele surge no horizonte e a festa estava pronta. Abraços, apupos, risadas. Dali em diante, a entrevista rolou no piloto automático e logo não estava mais dando temas ou fazendo perguntas, e sim concordando e dando deixas para um ou outro causo ou comentário que eles falavam.

E eu ficava pensando: “Engraçado isso, enquanto rappers, grafiteiros, equipes de som e b-boys se afundam em intrigas, rixas bobas e egoísmo chinfrim. Não só no hip hop: briguinhas de bandas indie, tretas entre produtores de disco, músicos que não se olham, jornalistas que falam mal uns dos outros, cineastas e atores de egos inflados, escritores dando xilique, trocentas tretas incluindo gente que atua exatamente na mesma área. Ambiente de trabalho propício. Enquanto isso, alguns dos maiores DJs de hip hop do Brasil – e não é exagero falar que parte dessa história estava ali, reunida em torno de uma mesma mesa – papeava entre si como se fossem velhos amigos, compadres de longa data, sem as possíveis intrigas que a história poderia lhes alimentar”.

Sim, são velhos amigos e compadres de longa data. Mas isso não quer dizer muita coisa neste mar de egos e nomes que povoa o universo cultural brasileiro: quantas parcerias acabaram por causa de mulher, quantas bandas brigaram por causa de grana, quantos artistas não olham na cara um do outro por pura birra?

Toneladas. E ali estavam os DJs, longe desse peso todo.

O segredo? Kleber sintetizou numa frase perfeita, que sairá quando a entrevista vier a público (eu aviso, eu aviso), e eu fiquei matutando sobre aquilo, depois que o papo acabou. Será que era SÓ aquilo? Era muito simples (pelo menos pra mim) e parecia ser verdade.

Descendo rumo à rua, passamos de novo pelo bar. No palco, Paulo Caruso cantava mais um daqueles roquinhos fuleiros que ele e seu irmão cantam há muito tempo (a música da Roseana Sarney, por exemplo, é do tempo em que ela era só a filha do Sarney e nada mais…). No balcão, o Laert Sarrumor, do Língua de Trapo. Numa das mesas, Luís Fernando Veríssimo.

Ou seja: dois panteões se encontravam, sem saber. Lá embaixo, parte dos grandes nomes do humor brasileiro. Me seguindo, o Olimpo dos DJs de hip hop. Saímos da porta que levava à escada e alguns se viraram olhando para nós. Era evidente que ninguém havia reconhecido os DJs. E era evidente que os DJs não reconheceram ninguém ali.

Tanta ponte pra se construir e neguinho perdendo tempo com intriga…

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