Do salto ao voo

Uma noite mágica. Assim foi a apresentação que Francisca Barreto fez no Sesc Belenzinho neste domingo, quando conseguiu afiar ainda mais o espetáculo que organizou no final do ano passado e vem lapidando desde então. Com uma banda enorme entregue à sua sensibilidade, ela conseguiu sintetizar os sentimentos que queria passar para o público ao mesmo tempo em que mostrou que está pronta para assumir uma nova fase, em que deixa de ser apenas instrumentista e intérprete para assumir-se como compositora, vocalista e autora. O ponto-chave da noite passado aconteceu em sua composição “Bico da Proa” (que batizou seu primeiro espetáculo, no ano passado), quando o crescendo da canção a fez ergue-se da cadeira sem estar tocando nenhum instrumento, deixando corpo e voz tomarem conta do teatro, linha que seguiu em sua já clássica versão para “Teardrop”, do grupo Massive Attack. Contando com uma banda tão firme quanto próxima dela mesma (a baterista Bianca Godoi, o baixista Valentim Frateschi, o guitarrista Vitor Kroner – que produziu seu único single lançado até agora, “Habana” -, o violista Thales Hashi e o trumpetista Menifona, único novato no show), ela sublimou as inseguranças e hesitações das primeiras apresentações e cresceu artística e emocionalmente em frente aos olhos do público. A apresentação ainda contou com a presença de sua irmã de palco Nina Maia – que tornou-se apenas instrumentista ao tocar algumas canções no teclado antes de dividir vocais em seus dois duetos, as complementares “Amargo” e “Gosto Meio Doce” – e do produtor-executivo Yann Dardene, que assumiu o violão em três canções, além da moldura desenhada pelo véu central no palco e pelas luzes da dupla Retrato (Ana Zumpano e Beeau Gomez, cada vez mais autorais em suas luzes e cenografia). Para alguém que há pouco mais de dois anos não se assumia artista (apenas musicista), a apresentação de domingo foi mais do que um salto no escuro – foi o começo de um voo. Voa, Chica!

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Ordem e caos

Especial esta terceira apresentação da temporada Mil Fitas que Sue e Desirée Marantes estão fazendo no Centro da Terra, pois foi quando elas puderam materializar uma das mais intensas versões da Mudas de Marte Improvise Orquestra, projeto de Sue que, como o nome entrega, abraça a regência de músicos tocando livremente. A técnica de condução do improviso livre é uma bandeira artística levantada pelo maestro e músico Guilherme Peluci, que criou a Ad Hoc Orquestra, que esteve na formação montada pelas duas e regeu uma das três partes da noite, além de explicar o conceito para o público. Além de Peluci, que foi para o clarone quando deixou a batuta de lado, o time reunido por Sue e Desi contava com a voz e a percussão de Paola Ribeiro, o saxofone de Sarine, os beats de Ricardo Pereira, o violino Gylez, a percussão de Melifona, a guitarra de Luiz Galvão, o trompete de Rômulo Alexis, a bateria de Rafael Cab e o contrabaixo acústico de Vanessa Ferreira (além do violino de Desirée e da guitarra de Sue, anfitriãs da noite). Além de Peluci, Alexis e Sue também puderam reger outros dois atos, cada um deles conduzindo a massa sonora para um lugar que, apesar de nascido no improviso livre, está muito mais próximo ao que nosso inconsciente classifica por música, mesmo que num processo individual nascido coletivamente e conduzido por uma única pessoa. Esse equilíbrio entre ordem e caos transforma o que poderia tornar-se apenas em uma maçaroca sonora, numa onda fluida de melodias, ritmos e harmonias espontâneas, num espetáculo mágico e envolvente. Na lateral do palco, Kiko Dinucci também esteve presente mas não fez música, desenhando os músicos enquanto a apresentação se desenvolvia e tendo suas ilustrações projetadas no fundo da apresentação. “Na próxima eu toco!”, ele desabafou no final. Uma noite única.

Assista aqui.