Sempre reconheci que a breve passagem de Damo Suzuki por São Paulo em 2005, quando participou da quarta edição do festival Hype, que aconteceu no Sesc Pompeia, como um dos grandes acontecimentos da minha vida. Além do eterno vocalista do Can, o festival reuniu, entre os dias 12 e 14 de maio daquele ano, artistas tão distintos quanto a volta da banda Akira S & As Garotas que Erraram, o produtor austríaco Fennesz, o duo Wolf Eyes, a produtora norte-americana DJ Rekha, o pernambucano DJ Dolores, o DJ escocês Kode9, o rapper Black Alien e a dupla Drumagick. Damo apresentou-se no último dia do evento, no sábado, quando eu faria a mediação de duas conversas na parte da tarde, a primeira com o próprio Damo e a segunda com Steve Goodman, mais conhecido como Kode9. Mas conversamos os três um pouco antes do papo e em vez de fazermos uma hora de conversa com cada um deles, misturei as experiências dos dois numa longa e riquíssima conversa de duas horas com discussões que ecoam na minha cabeça até hoje, contrapondo arte e experiências pessoais às noções de sucesso comercial que, como reforçava o próprio Damo, eram artificiais e vazias. Não bastasse essa conversa maravilhosa, no fim do dia ainda pudemos assistir a mais de uma hora de improviso intenso reunindo nomes de diferentes fases do pop experimental paulistano – Miguel Barella, Paulo Beto, Ian Dolabella, Renato Ferreira, Carlos Issa, Gustavo Jobim, Maurício Takara e Sergio Ugeda – regidos pelo decano vocalista japonês, num descarrego energético que mudou a vida de quem esteve no teatro do Sesc Pompeia naquele sábado. Encontrei uns poucos registros em vídeo dessa noite no canal do compadre Paulo Beto, mas torço para que o Sesc tenha gravado a íntegra desta apresentação e sonho com a possibilidade de encaixá-la nessa excelente série Relicário, em que o Selo Sesc finalmente abre seu acervo de shows para o público.
Vamos para mais um mês de atrações no Centro da Terra? Além da temporada de segunda-feira e dos shows de terça, neste mês teremos música ao vivo também às quartas, por isso são mais quatro shows durante o mês que começa na semana que vem. E é com maior satisfação que apresento o dono das segundas-feiras do mês: boogarinho Dinho Almeida, que começa a investigar seu trabalho solo na temporada Águas Turvas, primeiro tocando sozinho no palco (no dia 4 de setembro), depois acompanhado de Bebé e Felipe Salvego (dia 11), da dupla Carabobina, Desirée Marantes e Bruno Abdala (dia 18) e finalmente ao lado de sua irmã, Flavia Carolina (no dia 25). A primeira terça do mês, dia 5, traz mais um novo projeto de Thiago França, que volta-se ao free jazz acompanhado de Marcelo Cabral e Welington Pimpa, apresentando seu Thiago França Trio. No dia seguinte, a primeira quarta do mês (dia 6), é a hora de conhecer o trabalho autoral da instrumentista brasiliense Paola Lappicy, que antecipa seu primeiro disco solo no espetáculo Que Mágoa é Essa?, ao lado de Dustan Gallas, Caio Chiarini, Leandrinho, Léo Carvalho e Luciana Rosa. Na terça seguinte, dia 12, é a estreia do conjunto Comitê Secreto Subaquatico, formado por João Barisbe, Helena Cruz, Clara Kok Martins, Lauiz Orgânico e Fernando Sagawa, que apresentam-se no espetáculo Perigosas Criaturas Amigas. Na segunda quarta do mês, dia 13, Maurício Takara encontra-se com Guizado em uma noite de improviso livre chamada Hábitos Generativos. Na outra terça, dia 19, o palco do Centro da Terra recebe o encontro das bandas Bike e Tagore no espetáculo MPB ou LSD?, em que contam a história da psicodelia no Brasil desde os anos 60 até hoje, desenhando uma genealogia da qual as duas bandas fazem parte. Na quarta, dia 20, é a vez de Marília Calderón fazer terapia no palco no espetáculo Que Cida Decida, acompanhada de Felipe Salvego. Na última terça-feira do mês, dia 26, o baiano Enio e o pernambucano Zé Manoel misturam seus trabalhos autorais no espetáculo Encontros Híbridos seguido, no dia 27, do espetáculo Canta pra Subir, em que a cantora paulistana Sophia Ardessore, acompanhada de Nichollas Maia, Abner Phelipe, Fi Maróstica, Matheus Marinho e Lucas Alakofá dão passos além de seu primeiro disco, Porto de Paz. Um bom mês, diz aí. Lembrando que os espetáculos começam pontualmente às 20h e os ingressos já estão à venda neste link.
Anna Vis lançou sua carreira fonográfica no dia em que fez o primeiro show desta nova fase, lançando seu disco de estreia, Como Um Bicho Vê, no palco do Sesc Vila Mariana exatamente no mesmo dia em que este viu a luz do dia. E, como o próprio disco, o show foi direto e convicto, com sua autora assumindo a força deste primeiro trabalho acompanhada da mesma dupla que a ajudou a transformar suas canções em fonograma – Marcelo Cabral e Maurício Takara -, que abriram seus respectivos baixo e bateria para que ela mostrasse suas composições desimpedidamente. Além da dupla, que também produziu o disco, ela ainda contou com a presença do diretor artístico deste trabalho, Romulo Fróes, que em vez de cantar a música que participa no final do álbum (a tensa “Moribundo”), preferiu cantar “Calada”, que leva a carrega o verso que batiza o disco – Anna retribuiu a participação puxando “Numa Cara Só”, de um dos discos que Romulo lançou ano passado, Aquele Nenhum. Mas o show era dela e mesmo com essas presenças ilustres, não baixou a cabeça e apresentou-se com a mesma firmeza do disco. Quase sem trocar palavras com o público, ainda intercalou as faixas com o longo poema “Sem Vacilação”, que, como no disco, espalhou pelo repertório – a diferença é que se, no disco,os pedaços do texto foram amparados pela colagem eletrônica do produtor carioca Mbé, no show Takara e Cabral improvisaram bases acústicas para que ela recitasse o texto, criando uma conversa dinâmica e ao mesmo tempo austera com suas canções incisivas e sensíveis.
Confesso que não entendi nada quando vi Anna Vis tocando suas canções ao violão. Ainda estávamos no primeiro semestre da pandemia, quando caiu a ficha que não eram alguns dias ou semanas e que a peste ia durar meses, talvez anos. E esta tragédia, como sabemos, obrigou a todos que viviam de apresentações ao vivo passar por transformações que mexiam em suas atividades originais. E de repente lá estava Anna, que conhecia como técnica de som de shows, empunhando seu violão e dedilhando composições próprias como se sempre tivesse feito aquilo – longe de todos. Passei acompanhar mais de perto essa mudança de papel e aos poucos a vi se envolvendo com Rômulo Froes, chamando Marcelo Cabral e Maurício Takara para acompanhá-la na gravação de seu primeiro disco, que ainda contou com participações de Juçara Marçal, Ná Ozzetti, Mbé, Clima e Juliana Perdigão. E neste processo, não só pude conversar com a nova cantora e compositora sobre sua nova carreira, como a instiguei sobre como traduzir este novo trabalho para o palco. Seu disco de estreia, Como um Bicho Vê, será lançado nas plataformas na próxima quinta-feira, o mesmo dia em que faz o primeiro show deste álbum no Sesc Vila Mariana (os ingressos estavam quase acabando, corre que ainda dá pra comprar). E ela topou mostrar seu disco antes de seu lançamento em primeira mão aqui no Trabalho Sujo, este que é o primeiro grande lançamento brasileiro de 2023.
Ma non troppo.
Sara Não Tem Nome – “Agora”
Damien Rice – “Chandelier”
Bob Dylan – “Murder Most Foul”
Tatá Aeroplano – “Alucinações”
Thiago França – “Dentro da Pedra”
Mauricio Takara e Carla Boregas – “Traçado Entre Duas Linhas”
Atønito – “Veloce”
Dlina Volny – “Do It”
Dua Lipa – “Love Again”
Baco Exu do Blues + Lelle – “Preso Em Casa Cheio de Tesão”
Bivolt – “110v”
Childish Gambino + Ariana Grande – “Time”
Flume + Toro y Moi – “The Difference”
Breakbot + Delafleur – “Be Mine Tonight”
Maurício Takara e Carla Boregas hoje fazem parte da mesma banda, o Rakta, mas sua relação musical começou há muito mais tempo. “Conheço o Maurício há uns quinze anos”, me explica Carla pelo telefone, falando sobre a parceria que agora se materializa em disco. Linha D’Água aproxima os trabalhos solos dos dois para o mesmo centro, explorando tanto a percussão misturada com eletrônica que o baterista do Hurtmold apresenta como M. Takara, como as paisagens ruidosas provocadas pelo projeto solo de Carla, que leva seu nome. O disco está saindo pelo selo Desmonta e foi lançado em primeira mão no Trabalho Sujo.
“A nossa ideia de tocar juntos é anterior ao Rakta”, continua a baixista, que toca apenas sintetizadores no novo projeto. “Uma vez, eu fui tocar no aniversário no Estúdio Fita Crepe, o Maurício tocou na mesma noite e depois do meu set ele veio me falar que queria fazer alguma coisa juntos, que ele queria tocar bateria com alguém que estava fazendo o que eu fiz naquela noite, que foi um set de drones.”
O resultado é um disco com estruturas que foram desenvolvidas a partir de apresentações ao vivo, quase sempre improvisadas. “A gente vem desenvolvendo coisas que tem trabalhado até hoje”, ela prossegue. “Neste processo, a gente foi lapidando a ideia, que era o Maurício tocando bateria e um sintetizador e eu tocando dois sintetizadores, sendo que ele controla um dos meus sintetizadores através da bateria. E o disco foi sendo concebido enquanto fazíamos esses shows, a sessão sempre era um improviso e nessa miniturnê que a gente fez pela Península Ibérica no ano passado, quando tocamos na Espanha, em Portugal e nas Ilhas Canárias, a gente fez oito shows na sequência e fomos lapidando melhor essas ideias. Depois em seis horas de estúdio a gente gravou o disco, no Rocha. Parte do disco já estava composto, em termos de estrutura, mas mesmo assim tudo foi muito orgânico, desde a concepção, a composição até a gravação, pelo fato de que um complementa o outro também.”
Ela explica que o nome poético do disco nasceu na biologia e na marinha. “Eu gosto de guardar nomes pras coisas, escuto um termo e, quando ele me marca, acho que posso usar aquele termo ou palavra depois. Esses são os melhores nomes”, teoriza Carla. “Quem me contou sobre essa expressão foi minha amiga Patrícia, linha d’água é uma parte do olho, essa linhazinha embaixo e em cima na pálpebra e depois descobri que também é uma expressão usada no meio náutico, na construção naval. Nos dois lugares, essa expressão fala do que separa a água de outro lugar. Achei isso curioso e quis usar pro disco, sugeri pro Maurício e ele topou. E a água também pode ser a barreira da emoção, porque essa linha no olho é por onde as lágrimas vão se desenhar, é o limite do nosso mundo interior pro mundo exterior, e a água tem essa coisa da fluidez, que tem a ver com a nossa música, que tem uma fluidez entre nós dois. É uma limitação visível mas que também é fluida.”
Duas atrações do coletivo A Onda Errada apresentam-se neste domingo, às 18h, o trio formado por Juliana R., Carla Boregas e Maurício Takara e o grupo carioca Tintapreta (mais informações aqui).
Quando Marcelo Cabral avisou que estava voltando da Alemanha para passar um tempo de volta no Brasil, cogitamos rapidammente uma temporada ao redor do universo musical do baixista e de sua recente experiência artística na Alemanha. Próximo à cena de improviso livre de Berlim, Cabral foi descobrindo um método de criação artística que permite fluir por outras linguagens, incluindo literatura, teatro e spoken word e entender como isso influencia diretamente o resultado musical. E assim ele pensou em Influxo Cabralha, uma reunião de amigos e magos da música instrumental que atravessa quatro segundas-feiras de abril no Centro da Terra. Na primeira, dia 8, ele toca ao lado de Mauricio Takara, Thomas Rohrer e Mariá Portugal. No dia 15 ele chama Guilherme Held, Thiago França, Juliana Perdigão e Angélica Freitas. Dia 22 é dia de Kiko Dinucci, Rodrigo Brandão e Juçara Marçal. E a temporada termina no dia 29, com as participações de Thomas Harres, Bella, Patrícia Bergantin, Maria Beraldo e Ná Ozzetti (mais informações aqui). Bati um papo com o Cabral sobre esta safra de shows e a influência de sua estada na Alemanha neste novo projeto.
Semana que vem encerramos os trabalhos de música em 2018 no Centro da Terra e a primeira atração desta semana de conclusão de ano é a estreia do projeto Redemunho, da baterista do Quartabê Mariá Portugal. Concebido originalmente para ser realizado na rua, o projeto abre conversas musicais de improviso livre com artistas convidados e para esta primeira edição, Redemunho Zero, ela convidou os músicos Maurício Takara, Marcelo Cabral, Joana Queiroz, Bella e Thomas Rohrer para um salto no abismo dos sons (mais informações aqui). Bati um papo com ela sobre o projeto, sua relação com os outros músicos e sobre o conceito de improviso livre no contexto de sua sessão.
O que é o Redemunho Zero?
https://soundcloud.com/trabalhosujo/maria-portugal-o-que-e-o-redemunho-zero
Fale sobre os músicos que participarão desta primeira edição.
https://soundcloud.com/trabalhosujo/maria-portugal-fale-sobre-os-musicos-que-participarao-desta-primeira-edicao
Improviso livre é vale tudo?
https://soundcloud.com/trabalhosujo/maria-portugal-improviso-livre-e-vale-tudo
Há algo pré-definido antes de vocês entrarem no palco?
https://soundcloud.com/trabalhosujo/maria-portugal-ha-algo-pre-definido-antes-de-voces-entrarem-no-palco
Neste sábado, Maurício Takara lança seu novo EP Música Resiliente Para Pessoas e Lugares na mesma apresentação que o Valério, de Guarulhos, também lança o seu, Meio do Céu. Os shows começam às 19h (mais informações aqui).