Bom Saber #033: Mauricio Tagliari

Maurício Tagliari teve um 2019 movimento: sua gravadora/estúdio YB completou 20 anos de idade ao mesmo tempo em que se viu em busca de um novo imóvel para se instalar. Felizmente conseguiu trocar de endereço antes da pandemia, mas, como todos, foi atropelado por ela e teve de repensar seu trabalho à frente desta que é uma das principais marcas que representam a música brasileira hoje. Mas a conversa desta edição do meu programa semanal de entrevistas Bom Saber vai para muito além de trabalho e conversamos sobre criação e inspiração – e como estas qualidades estão sendo atingidas pelo peso destes dias de 2020. E ele já está com dois discos na manga, prontos pra serem lançados em 2021!

Em busca de “Amarildo”

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“Esse refrão surgiu pra mim depois de um ensaio com a Juçara Marçal para um episodio da série Cantoras do Brasil em homenagem à Isaurinha Garcia. Uma das músicas, ‘Sem Cuica Não Tem Samba’, falava do encontro do corpo de Laurindo numa ribanceira no morro de mangueira e outro, ‘Procura o Miguel’, fala de um desaparecido ‘há quatro semanas’. coincidentemente o assunto do desaparecimento do Amarildo estava no noticiário por conta de uma decisão sobre indenização. Laurindo, Miguel, Amarildo são todos personagens cariocas vítimas de alguma violência”, lembra o produtor e compositor Maurício Tagliari, puxando pela memória a origem do single que lança em primeira mão no Trabalho Sujo, no dia de seu aniversário. O clipe é dirigido por seu filho, Daniel Tagliari.

Ele explica porque o samba “Amarildo”, gravado ao lado de Rodrigo Campos, Mauricio Badé, Janine Matias e Val Andrade, ficou de fora de Maô: Contraponto de Fuga da Realidade, que lançou no ano passado. “Fiquei um tempo mexendo na música mas quando fui gravar meu primeiro disco solo, ela ficou de fora porque eu e meu produtor Jesus Sanches decidimos não fazer um disco só de samba. Metade do disco já era samba. E naquele momento eu também achei de alguma forma um pouco ‘oportunista’ tratar desse assunto num primeiro disco. Depois de ter lançado um segundo disco bem mais experimental eu me senti mais à vontade para gravar algo mais ‘engajado’. Na verdade me senti impelido diante de tanta barbárie e violência que se manifestou após a eleição de 2018. Meu Amarildo é uma personagem arquetípica, uma vítima da violência não se sabe se do estado ou de milícias. Mas em comum com o Amarildo real é que seu corpo não aparece. Eu gosto de pensar que ele foi batizado em homenagem ao Amarildo do Botafogo e da seleção brasileira que brilhou substituindo Pelé na Copa de 62. Por isso descrevo um cara de boa, que joga bola, toca cavaco e não quer encrenca. E de repente, mesmo assim, é arrastado de alguma forma por aquele universo sem segurança, sem instituições confiáveis.”

“Nunca vi algo tão ruim como o que estamos vivendo”, reclama, “como artista, sinto que fui sendo direcionado para colocar na rua meu trabalho solo justamente pela percepção de uma piora da situação. um certo dever de botar a boca no trombone.”

A canção é o primeiro single de seu próximo disco, o terceiro álbum da série Maô, cujo subtítulo é Allegro Dentro do Possível e que está previsto para o ano que vem. Este álbum segue Falta de Estudo #1, que foi gravado e lançado logo no início da quarentena. “A ideia desse novo trabalho é um pouco uma síntese dos dois primeiros. No primeiro me apoiei muito nos amigos, parceiros, músicos e intérpretes. Tanto que somente uma música cantei sozinho e somente uma outra não era parceria. No segundo fiz tudo, de ponta a ponta, incluindo criar, tocar, gravar, mixar, fazer a capa. Nesse terceiro a maior parte das músicas será só de minha autoria mas terei participações e colaborações gravadas à distância. posso confirmar, por enquanto, Cuca Ferreira, Thiago França, Rodrigo Campos, Guilerme Kafé. outras estão já encaminhadas mas não confirmadas. por isso prefiro não comentar ainda.”

E além disso, ele prepara singles inéditos ao lado de Juliana Perdigão (“Yamamoto”), Guilherme Kafé (“Vaso Quebrado”) e Lenna Bahule (“Diabim”), além das atividades da YB, sua gravadora, que andam intensas. Além de terem lançado de discos do Negro Leo, Guilherme Held, Ava Rocha, Joana Queiroz e outros, também vem fechando parcerias com outros selos, como Disgrama, QTV, Matraca, Mundaréu Paulista, São Mateus e Alea. “Uma coisa muito interessante foi que aquilo que era quase impossível no mundo real, encontrar e reunir todo ou boa parte do elenco para se conhecer, trocar experiências e ideias, foi possível nesse mundo das reuniões virtuais. temos feito reuniões mensais e isso deve produzir colaborações interessantes em breve.”

A intensa quarentena da música brasileira em 2020

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O Sesc Pinheiros está começando um projeto chamado Radar Sonoro, que irá registrar a movimentação da música brasileira durante a quarentena de 2020. O projeto trará textos e vídeos que dissecam como anda nossa produção nesta época tão estranha e para inaugurar a série, me chamaram para escrever um panorama de como foram estes primeiros quatro meses de clausura e como artistas de diferentes cidades e gêneros musicais estão conseguindo trabalhar neste período. Escrevi sobre esta intensa quarentena e pincei vinte artistas que lançaram seus trabalhos desde que entramos neste estado de suspensão. Confere lá no site do Sesc. E na sexta, às 11 da manhã, entrevisto o Felipe S., do Mombojó, sobre seu disco Deságua, cujos planos de lançamento tiveram que ser redesenhados por conta da pandemia.

Maurício Tagliari solo mesmo

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Se no ano passado Maurício Tagliari lançou o primeiro disco com seu nome em mais de três décadas de carreira (Maô: Contraponto e Fuga da Realidade, que foi a base para sua temporada no Centro da Terra), agora o músico, compositor e produtor paulistano lança um disco essencialmente sozinho, um sem colaboradores, o extremo oposto do disco de 2019. “Maô: Falta de Estudo #1 foi um disco pensado até antes de lançar o Contraponto e Fuga da Realidade”, ele me explica por email. “A ideia era fazer um trabalho espelho/oposto. Sem colaborações e com sonoridades mais estranhas”.

A quarentena acelerou este processo e ele montou um estúdio caseiro, debruçou-se na estrutura musical dos pigmeus, que deram origem a várias faixas diferentes, como se cada uma delas fosse um exercício específico. “‘Auto sample’ é auto explicativa. Me sampleei e incluí faixas inéditas, “Feedback & Distortion” é um teste de pedais novos, “Pigmeu Bate estaca’ é o som de um bate-estaca de uma obra infernal perto de casa, sampleado e reprocessado mil vezes, “Passageiro” é teste de microfonação para percussão e guitarras e por aí vai.” A gravação, a mixagem e até a capa levam o nome de Taliari. “Esse é solo de verdade, no outro eu estava muito protegido pelos amigos…”

Mas foi só um processo de quarentena (enquanto já vem cogitando um segundo volume), outros ainda incluem novidades do Tanino (grupo de improvisação ao lado de Guizado, Thomas Harres e Pedro Dantas), parcerias com Rodrigo Campos e Saulo Duarte, além de ter feito a trilha sonora para o reality show de zumbis (!) Reality Z.

O primeiro samba de Luedji Luna

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“Sede”, colaboração entre Luedji Luna e Maurício Tagliari, começou bem despretensiosa. “Foi um poema hai-kai que eu postei no meu Facebook e virou meu primeiro samba”, lembra a cantora e compositora baiana. Maurício Tagliari, que estava caçando material para o que viria a ser seu futuro disco Maô: Contraponto e Fuga da Realidade, lançado no ano passado, viu o post na madrugada de uma sexta, logo depois que Luedji publicou, e comentou: “Isso dá samba”, propondo, para ser respondido quase em tempo real: “Faça”, disse a cantora do outro lado. No dia seguinte, ele apresentou a versão, vertida em samba, e Luedji perguntou se não queria mais letra e o produtor e guitarrista disse que não precisava, brincando que queria bater o recorde do Dorival Caymmi e do Rodrigo Campos e fazer o samba mais curto da história.

“São dezessete sílabas!”, comemora Maurício, lembrando que ela, que ainda conta com as participações de Maurício Pereira no sax, Igor Caracas, Ariane Molina e Victoria dos Santos na percussão e Guilherme Kafé no baixo e é a música mais ouvida de seu disco, a partir dos números nas plataformas digitais. Uma amiga de Maurício, a diretora Milena Correia, que está morando em Portugal, ofereceu-se para gravar o clipe, que fez com a performer Izabel Nejur, no início deste ano. Coincidiu de lançá-lo neste período de quarentena que atravessamos, o que ressaltou a atmosfera solitária da canção, desde sua letra até seu clipe, que estreia em primeira mão aqui no Trabalho Sujo.

A faísca do encontro

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Quando a YB perdeu sua clássica sede na Vila Madalena, em São Paulo, um de seus sócios, o músico, produtor e compositor Maurício Tagliari deu a sorte de encontrar uma outra casa prontinha pra receber um estúdio de gravação no bairro de Higienópolis. Depois de transferir o equipamento para o novo imóvel, era hora de testar a acústica do local e no final do ano passado, Tagliari convidou alguns amigos para sessões de improviso no novo endereço. “Na sessão número 1 eu queria ouvir o resultado dos timbres de bateria e sopro, por isso reservei uma tarde e chamei o Thomas Garres e o Guizado. Chamei mais gente, mas como era final de ano, muita gente não podia. E eu não pensava em lotar a sala, até para entender melhor a acústica. O propósito era meramente técnico, mas com esses parceiros a probabilidade de sair algo muito bom era altíssima”, conta o guitarrista, que além de Harres e Guizado, também convidou o baixista pernambucano Pedro Dantas. Gravaram duas sessões com o nome de Tanino, trabalho que vem a público na próxima sexta. Uma destas, “Romã”, você ouve em primeira mão no Trabalho Sujo.

Não hove planejamento nem regras pré-estabelecidas. “Foi passar o som e gravar. O que acontece é que houve uma confluência enorme de referências e uma capacidade de audição de cada um que foi bem mágica”, continua Maurício. “Você percebe que não tem ego, as notas vêm e vão, os timbres dialogam. um inspira o outro. E o Thomas é o grande motor da dinâmica. Eu me concentrei em timbres, o Pedro acha as pulsações escondidas e o Guizado borda as melodias. Tudo muito intuitivo.”

Comento que há uma tendência recente a se registrar em discos sessões de improviso, algo que, mesmo em pequena escala, tem tornado-se comum em São Paulo. “É um tipo de música para poucos. infelizmente. só tem rolado em espaços pequenos e alternativos. Fora disso não vejo muita gente aqui no Brasil apostando nisso. No Centro da Terra, no Leviatã, Estúdio Bixiga e um poucos em outros lugares, os malucos se encontram. Mas é algo restrito. Pra mim é mais um exercício estético do que uma onda. Cresci musicalmente ouvindo free jazz. mas tem um ponto: improvisação muitas vezes é um enorme prazer para quem toca mas nem sempre para quem ouve! há vários tipos de som que podem entrar nessa categoria. Sou muito influenciado por Miles Davis e Art Ensemble of Chicago. Toquei e produzi muita coisa na vida, mas só de uns tempos para cá tenho projetos de improvisação lançados. Já tinha feito isso na Universal Mauricio Orchestra e mais recentemente no projeto Dúvidas da Juliana Perdigão. Eu gosto muito do resultado, queria que essa onda chegasse em mais gente. Mas somos os mais underground dos independentes.”

O trabalho são apenas duas músicas, “Romã”, de oito minutos, e “Cravo”, com dezesseis. “Não gastamos mais do que duas horas no estúdio, entramos para brincar. Passamos o som, gravamos a primeira, fomos ouvir e gravamos a segunda. Dali foi sair para comemorar o resultado. Inicialmente era só um teste mas gostamos tanto que decidimos lançar.” E agora fica a dúvida sobre o futuro próximo do grupo, que ainda não tocou ao vivo com público. “Um pouco antes da pandemia atacar a gente se reuniu para uma sessão de fotos de divulgação e decidiu que iria tentar uma residência semanal em algum lugar. Pelo simples prazer de tocar. Mas agora tudo parou, vamos nos contentar em ouvir o disco, por enquanto. É um som muito orgânico. Não dá vontade, ao menos para mim, de tentar algo online ou seja la o que for. tem que ser olho no olho.”

#YB20: Batucada Noise no Estúdio Bixiga

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Seguindo as comemorações das duas décadas do selo paulistano, o capitão do navio Maurício Tagliari convida parceiros para uma noite que ele chamou de Batucada Noise – improviso livre elétrico com muito suingue. Entre os envolvidos estão Cuca Ferreira do Bixiga 70, o grande Mauricio Badé, Carlinhos Mazzoni do Culto ao Rim e Utopia Retrô, Larissa Oliveira da Funmilayo Afrobeat Orquestra e André Piruka do Höröyá, nesta sexta-feira, lá no Estúdio Bixiga a partir das 21h – o show começa às 22h (mais informações aqui). Aliás… Sexta no Estúdio Bixiga não lhe parece um dia bom, no geral?

#YB20 no Auditório Ibirapuera

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Seguimos as comemorações dos 20 anos da gravadora YBmusic com um grande espetáculo no Auditório Ibirapuera, com uma big band composta por músicos, compositores e intérpretes que lançaram, cada um deles, seus próprios trabalhos solo pelo selo paulistano: o trombonista Allan Abbadia, o cantor Bruno Morais, o tecladista Danilo Penteado, o guitarrista Guilherme Kafé, a cantora Lulina, o trumpetista Guizado, o cantor Samuca, o percussionista Igor Caracas, a cantora Juliana Perdigão, o clarinetista Luca Raele, a cantora Luedji Luna, o cantor Marco Mattoli, a cantora Natália Matos, o tecladista Dudu Tsuda, o percussionista Nereu Gargalo, o cantor Paulo Neto, o guitarrista Rodrigo Campos, o cantor Romulo Fróes e o rapper Zudizilla – multiinstrumentistas, intérpretes e compositores que ajudaram a construir, com suas sensibilidades, um legado que será exposto num repertório composto por canções que construíram estas duas décadas de trajetória. Maurício Tagliari, maestro e sócio do selo, que estará no palco conduzindo este time, me convidou para assinar a direção artística desta apresentação, que acontece nesta sexta-feira, às 21h, no Auditório Ibirapuera (mais informações aqui).

20 anos de YB

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Um dos principais hubs paulistanos da nova música brasileira prepara uma série de eventos para celebrar duas décadas. Criada como estúdio e gravadora em 1999, a YBmusic comemora vinte anos de atividade em uma série de shows em que desfila sua história e seu elenco. Fiz a direção artística desta programação, que atravessará o mês de outubro em pelo menos cinco palcos da cidade, ao lado do fundador e capitão da gravadora, o músico, compositor e produtor Maurício Tagliari. Juntos pensamos em um série de encontros no Centro da Terra nas quartas-feiras do mês (uma série chamada Sotaques YB, que reúne nomes como Negro Leo, Iara Rennó, Nina Becker, Héloa, Saulo Duarte, Rogerman, Siba e Tika), em dois shows no Estúdio Bixiga (um com o próprio Maurício ao lado de Kiko Dinucci e Thomas Harres, outro com o rapper Zudizilla), um no Mundo Pensante (com a banda Samuca e a Selva recebendo Thalma de Freitas), um no Bona (com shows infantis dos artistas Fera Neném, Iara Rennó e Luz Marina) e um grande show reunindo vinte nomes que fizeram parte da história da gravadora, incluindo Luedji Luna, Nereu, Rodrigo Campos, Romulo Fróes, Guizado, Juliana Perdigão, Luca Raele, Marco Mattoli, entre outros). A Adriana de Barros detalha mais a programação em sua coluna no UOL. Vai ser foda!

Lulina: Onde é Onde?

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Imensa satisfação receber a querida Lulina com seu espetáculo em construção Onde é Onde? nesta terça-feira, 21 de maio de 2019, no Centro da Terra. A cantora e compositora pernambucana está prestes a lançar seu próximo álbum, o primeiro desde Pantim, de 2013, e chama parte dos músicos que a acompanharam neste processo – o tecladista Dudu Tsuda, o baterista Thomas Harres, o guitarrista Maurício Tagliari, o percussionista Igor Caracas e o baixista Bubu – para maturarem este novo repertório no pequeno palco do Sumaré. Conversei com ela sobre este espetáculo feito sob medida para o Centro da Terra, quando mostra suas novas canções que estarão em um seu próximo disco (mais informações aqui).