Um dos principais repórteres do Brasil atualmente, Matias Maxx é também um dínamo de produção contracultural e um ímã de malucos e histórias hilárias. Encerrando um ciclo com a quarentena, quando fechou as portas da lendária La Cucaracha, a primeira head shop do Rio de Janeiro, ele refaz sua trajetória desde os primórdios da web no século passado, passando pelo seu apreço pela América Latina, suas conexões com o submundo do quadrinho brasileiro e suas coberturas de guerrilha dos protestos da década passada – entre várias reflexões sobre jornalismo, cultura e seus próximos projetos.
O Bom Saber é meu programa semanal de entrevistas que chega primeiro para quem colabora com meu trabalho, como uma das recompensas do Clube Trabalho Sujo. Além do Matias, já conversei com Bruno Torturra, Dani Arrais, Negro Leo, Janara Lopes, Tatá Aeroplano, Ana Frango Elétrico, João Paulo Cuenca, Eduf, Pena Schidmt, Roberta Martinelli, Dodô Azevedo, Larissa Conforto, Ian Black, Fernando Catatau, Pablo Miyazawa, Mancha, André Czarnobai e Alessandra Leão – todas as entrevistas podem ser assistidas aqui no Trabalho Sujo – ou no meu canal no YouTube, assina lá.
O broder Matias Maxx relembra no minidocumentário A Vitória Não Virá por Acidente como o cárcere do grupo carioca Planet Hemp, em novembro de 1997, ajudou a elevar o nível da discussão sobre a maconha no país.
Conheço Matias Maxx desde o século passado e ele sempre foi um dos principais ativistas da causa canábica no Brasil – a planta é onipresente em sua vida e obra e passa pelo seu zine Tarja Preta, a loja Cucaracha no Rio de Janeiro e a revista SemSemente, além de ter inspirado o onipresente Capitão Presença. Sua última incursão ao mundo verde é o programa de turismo canábico Narcoturista, em que ele encarna o Macoñero Mascarado e dá um rolê por lugares que tenham a ver com a erva. O próximo episódio vai ser gravado no Uruguai e ele quer aproveitar a ida pra ir à fundo na experiência da legalização da maconha no nosso vizinho do sul – e pra isso montou uma campanha de crowdfunding no Catarse para fazer tudo do jeito certo. Bati um papo com ele sobre o programa, a campanha, a viagem e a situação das drogas no Brasil. Pra colaborar com o crowdfunding, clique aqui.
Falaê qual é a do programa.
Então, a idéia do Narcoturistas surgiu meio por acaso. Eu já tinha aquela máscara há muito tempo e basicamente usava no carnaval e na Marcha da Maconha. Aí eu levei ela numa viagem que fiz com o Daniel Paiva para Amsterdã em 2012. A gente foi cheio de gás numas de fazer matérias pra revista semSemente, e também gravar um documentário. Mas era a Cannabis Cup, a gente ficava chapado o tempo todo, e todos nossos possíveis personagens estavam ou super ocupados ou super chapados também.
Foi quando a gente teve essa idéia: fazer um programa de turismo apresentado pelo Macoñero Mascarado. Mas nem isso a gente conseguiu fazer direito. Aí o material ficou arquivado por dois anos quando a gente resolveu pegar pra editar de novo, dublar a porra toda e fazer a magia do cinema acontecer. Um pouco antes da gente lançar, fui ao México de férias, levei a máscara e gravei umas doideiras lá. Mês passado quando fui cobrir a Marcha da Maconha de BH também levei a máscara e daí surgiu o terceiro episódio, em “Brumadim”. A gente também tá fazendo sem pressa um episódio no Rio e um em SP, aonde a gente já gravou uma baldada lá no volume morto da Cantareira…
Agora, o que eu quero com isso? Essa pergunta é dificil. Acho que é dar continuidade ao que eu sempre fiz com a Tarja Preta, que é informar, mas sem perder o bom humor jamais.
O Narcoturistas é só você e o Daniel?
Ele é meu sócio na jogada. Ele é cartunista, co-editor da Tarja Preta e músico, toca na Orquestra Voadora, no Marofas Grass Band, no Luisa Mandou um Beijo e uma porrada de outras bandas daqui do Rio. Então nós dois fazemos praticamente tudo: dirigimos, atuamos, dublamos, filmamos e roteirizamos. Aí tem o DJ Babão que faz a mixagem e sonorização, e o Daniel Tumati que faz os gráficos, efeitos visuais e animações. Mas a gente vai envolvendo mais gente aos poucos: no segundo episódio tem desenho do MZK e no terceiro do Daniel “Etê” Giometti, dos Muzzarellas. No segundo episódio, também contei com a importante parceria do diretor mexicano Julio Zenil, que já fez clipes de várias bandas mexicanas como o Control Machete e é quem fundou a Marcha da Maconha de lá. Se a gente conseguir alcançar a meta do Catarse a idéia é despachar ele pro Uruguai também.
O quanto o Brasil já evoluiu no que diz respeito ao trato das drogas?
O discurso tá evoluindo, sobretudo depois da decisão do STF de 2011 que declarou inconstitucional o crime de apologia às drogas. No entanto o Brasil é um dos países que mais tem gente presa por crimes relacionados à droga. A maioria são pequenos traficantes, usuários muito pobres e alguns cultivadores. E mesmo após essa decisão do STF (ADPF 187), ainda tem gente sendo presa por vestir camisetas com folhas de maconha ou mesmo por cantar músicas sobre maconha – como aconteceu com o Cert da Cone Crew algumas semanas atrás -, sendo que ambas as situações foram explícitas como inconstitucionais no voto do ministro Celso de Melo na ocasião.
O Brasil é muito complicado, pois ao mesmo tempo que você vê uma expansão do que é a cultura canábica e os negócios canábicos, a maioria dos políticos e acadêmicos que defendem a legalização não sacam nada de cultivo ou mesmo de experiências de legalização em outros países, nem mesmo do nosso vizinho Uruguai. Ao mesmo tempo o STF deve votar a inconstitucionalidade do crime de uso de drogas no inicio de agosto, o que é um puta avanço. Mas que se não for acompanhado de alguma forma de regulamentação do cultivo/produção, distribuição e venda das drogas não resolve muito.
Há uma safra de produção audiovisual brasileira que trata sobre o tema. Qual a importância do cinema nisso?
Muito importante. Sobretudo quando esses filmes têm repercussão na grande mídia, como foi o caso do Quebrando o Tabu e do Ilegal, que tiveram trechos exibidos no Fantástico. No caso do Ilegal o filme conseguiu sensibilizar a população de um jeito que dobrou a Anvisa que regulamentou o CBD em tempo recorde, ainda que longe do jeito ideal. Tem também o Cortina de Fumaça do Rodrigo MacNivem que é muito bom.
Além do documentário, você é ferrenho ativista da causa. Como anda a Sem Semente? E que mais você está aprontando?
Sim, eu frequento a Marcha da Maconha desde 2002, e passei a organizá-la no Rio a partir de 2007, nesse meio tempo inspirei o Capitão Presença, e no meu trabalho como fotojornalista, seja na Bizz ou na Vice, sempre tentei levar essa pauta. A semSemente enfrenta os mesmos problemas que qualquer publicação independente com baixo orçamento no país, então a gente tá numa fase de reestruturação. Queremos passar para um formato semestral a partir do próximo semestre. Agora no Uruguai, além de um novo episódio do Narcoturistas também pretendemos gravar um documentário responsa.
Nos últimos dias tive a oportunidade de conhecer o chefe do Instituto Regulador da Canabis do Uruguay e o ex-chefe da junta de drogas de lá, então se prepara galera que vem coisa boa aê. Mas para executar o projeto em sua excelência temos primeiro que bater a meta do Catarse.
Então solta um trocado aê maaaan!!!
E o Arnaldo finalmente fez as camisetas do Capitão Presença.
Dá pra comprar lá com o Matias Maxx. Aliás, saudade desse moleque.
Mas eu quero saber quando é que o Maxx vai começar a vender online essa genial Rolling Stoned, que apareceu na capa do último Tarja Preta.
Duas grandes forças políticas da sociedade brasileira num embate interminável. Vi na Rádio Legalize.com.
E por falar em Matias, #Winning e trolls, Arnaldo avisa que o Maxx tá fazendo agitando uma campanha para presentear foliões que se dispuserem a sair trajados de Capitão Presença nesses dias de acabação feliz. Se você tem preguiça de agitar uma fantasia, olha a máscara aí:
As coordenadas pra saber como funciona a promoção estão aqui.
Mr. Catra – “Vacilão”
E por falar em Trip, nem comentei sobre a ótima e longa entrevista que o Ronaldo e a Kátia fizeram durante um corre de Mr. Catra por São Paulo – em um encontro rápido com o Ronaldo ali no São Cristóvão, ele comentou que seguia a comitiva do sujeito só pela marola, hahaha. Na entrevista, publicada nas já tradicionais Páginas Negras da revista, o MC fala de política, religião, sua criação em escolas da elite carioca, crime organizado, sua treta com Marlboro, além de cochilar durante vários trechos do papo.
E numa conjunção cósmica de coincidências, a revista +Soma também deu a capa de sua última edição ao profeta do funk carioca, um dos personagens mais intensos da atual música brasileira. A matéria da +Soma também tem a grife de um compadre – no caso, o intrépido Matias Maxx, the Original Capitão Presença, que além de ser um dos repórteres mais setorizados em todo o imaginário que envolve Catra, acompanha a carreira do sujeito desde 1998 e sempre arrumou desculpa para puxar longos papos e transformá-los em entrevistas já clássicas (vale fuçar os zines de Matias, tanto o impresso Tarja Preta quanto o falecido blog La Cucaracha – que batiza sua loja em Ipanema -, além de incontáveis revistas para quem ele já vendeu essa pauta). E a matéria também bate em pontos levantados na entrevista da Trip, como sua conversão ao judaísmo em sua visita ao Muro das Lamentações em Israel, sua vida de workaholic, suas várias mulheres e seu papel dentro e fora do funk carioca. A revista é distribuída gratuitamente, mas quem não a encontra em canto nenhum pode baixá-la em PDF no site.
Mr. Catra – “O Fiel”
Catra, o Fiel, já é conhecido em todo o Brasil há pelo menos uma década e sua voz rouca alterna cantos religiosos, putanheiros, canabistas ou violentaços em qualquer palco que o requeira: casas noturnas de todas as classes, programas de TV, festivais ou em participações especiais em disco dos outros. Tem alguns hits no imaginário brasileiro, embora a maioria das pessoas não ligue o nome à pessoa – você já deve ter ouvido pelo menos um de seus três maiores hits, a fumífera “Cadê o Isqueiro?”, a intimada “Vacilão” e o alerta “Simpático”. Ele já teve disco solo lançado pela Warner, já foi tema de documentário na Holanda, teve matéria de oito páginas na Rolling Stone japonesa e disco sendo vendido em Dubai e Amsterdã. Já colaborou com Marcelo D2, Digitaldubs e DJ Dolores, inspirou João Brasil num episódio de pura vergonha alheia e é conhecido de quase todo mundo da cena de hip hop paulista. Sua luta é “contra a hipocrisia”, como ele sempre sublinha, e é justamente por isso que ele não é mais conhecido. Como o Brasil das “grandes pessoas humanas” que freqüentam o Faustão reagiriam às letras pornográficas, violentas e messiânicas de Mr. Catra?
Na verdade, Catra é um desafio à cultura nacional. Popular e populista, ele é um dos poucos MCs de funk carioca que realmente cantam, embora o rugido rouco, os discursos que irrompem no meio das músicas e a gargalhada diabólica não deixem que você perceba isso de cara. Ele é a figura mais próxima de um Tim Maia que temos na música brasileira hoje ao mesmo tempo que é a melhor tradução do gangsta rap para o Rio de Janeiro e um misto de James Brown com Isaac Hayes numa trip histórico-religiosa. Como nem tão cedo um sujeito que responde às mulheres-vegetais (a Samambaia, a Melancia) com uma agressiva Mulher Filé (veja o vídeo abaixo) chega ao topo do showbusiness brasileiro, tamanha a forma que ele subverte todos os clichês de bom-mocismo que se espera de um popstar que não nasceu no meio artístico.
Mr. Catra e Mulher Filé
As duas entrevistas funcionam como uma ótima introdução ao sujeito, mas dá pra se aprofundar melhor visitando outros hits do cara, como “O Retorno é de Jedi” com MC G3, “Vai Começar a Putaria“, “Cadê o Isqueiro?“, “67 Patinete“, “Fiel à Putaria” (nessa versão, com o Latino) e as infames subversões para hits da música brasileira, como “Tédio”, do Biquini Cavadão (que torna-se “Adultério“), “Primeiros Erros” de Kiko Zambianchi (que assume uma faceta singela com o novo título “Se Meu Pau Não Parar de Crescer“), “Itapoã”, de Toquinho (“Mamada de Manhã“, na nova encarnação), entre outras. Não esqueça de por o fone de ouvido se estiver em algum lugar onde alguém pode se assustar com um mísero palavrão, hein…
Não achei “Mercenária”, funkeira setentona pesada, no YouTube, mas se alguém descolar uns MP3 eu subo aqui… Aliás, fica no ar a idéia prum Vida Fodona especial Mr. Catra – quem sabe se eu arrumar mais MP3 do cara, eu agilizo pro mês que vem…
Essa é a resenha do Claro q é Rock de São Paulo, que saiu na Bizz da Maria Rita. O pé, no final, não entrou – era pra ser uma ponte entre o meu texto e o do Matias Maxx, que resenhou a edição do Rio.
Foto: maria clara diniz
“É preciso um tumulto adolescente para me tirar da cama”, disse o senhor de 47 anos e quase dois metros de altura ao microfone. À sua frente, milhares de pós-adolescentes extasiados moviam-se em convulsão, numa inconsciente tentativa de ter feito valer a viagem do sujeito ao Brasil, entre a diversão assumida e a eterna gratidão gráfica de nossas platéias. Em menos de cinco minutos, o quase cinqüentão devolveria a gratidão, ao lado de seus quatro colegas, ao conduzir o mesmo público turbulento a um transe coletivo histórico, em que a microfonia, ondas sonoras aleatórias, o ruído branco e o zunido dos amplificadores ofegantes deixam conceitos arcaicos como melodia, harmonia e ritmo para trás, transformando um festival de rock, mais uma vez, em uma celebração ritual em escala de estádio. Olhos grudados no palco, o público parecia cego pela música – como se o movimento dos integrantes do Sonic Youth não fossem visuais, e sim uma constatação táctil das vibrações sonoras emitidas pela banda.
Thurston Moore repetia o mesmo acorde, subindo, lentamente, seu instrumento à altura do peito. Kim Gordon, tomada pela vibração magnética, enfiava o braço de seu baixo perpendicularmente em relação ao amplificador. O novato Jim O’Rourke erguia sua guitarra feito um theremin portátil, tentando capturar espectros sonoros no ar. Steve Shelley rendia seu kit de tambores à abstração elétrica. Lee Ranaldo girava seu instrumento no chão, como a colher de um enorme caldeirão sonoro. Depois de transformar “Teenage Riot” em uma elegia elétrica impressionista, o Sonic Youth atingiu o ápice do festival Claro Que É Rock (e, talvez, da temporada de shows gringos no Brasil em 2005) com uma clássica entrega de vanguarda instintiva para as massas – um rótulo que poderia perpassar não só as bandas daquele sábado, como as responsáveis pelas melhores apresentações ao vivo no país neste ano. Sem canções, sem refrões, sem solos ou citações, resumiram a noite e a geração reunida na Chácara do Jóquei, no dia 26 de novembro, em São Paulo. Todos os epítetos agregados ao agora quinteto nova-iorquino (de “art rock” a “punk”, passando por “college rock”, “guitar”, “rock alternativo” e até o próprio nome do grupo) poderiam ser associados, de alguma forma, ao elenco do festival e à grande maioria do público presente na noite. Modernos, skatistas, dândis, universitários, góticos, nerds, eletrônicos, indies, hippies, pseudo-intelectuais, manos, estudantes de comunicação, clubbers, pessoais normais, pós-punks e pós-Strokes – gente normalmente execrada pelo roqueiro clássico como parte do “sistema” se reunia no mesmo lugar para celebrar apenas aquilo que o Sonic Youth sublinhou por pouco mais de dez minutos que ressoam até agora como umas quatro horas mentais. O barulho.
Era o barulho que unia o rock de vanguarda daquela noite. O soco cabeça de Mike Patton, os tambores em câmera lenta da Nação Zumbi, o technopop bad boy de Trent Reznor, o preparo físico de Iggy Pop, os uníssonos no Flaming Lips – as atrações primavam pelo ruído como vínculo primitivo com a platéia, que devolvia a saudação barulhenta com o mesmo entusiasmo, só que sem amplificação elétrica. O barulho equilibrava-se entre distorções esgoeladas projetadas por caixas de som gigantescas e urros de multidão saídos de pulmões de tamanho médio.
Porque, de resto, os pontos de conexão eram mínimos. De um lado, tínhamos o Fantômas de Patton com o Buzz Osbourne (do Melvins) na guitarra e o Terry Bozzio (que tocou com o Zappa) na bateria, quebrando a cara de quem esperava algum vínculo com o universo pop, enquanto do outro, os Flaming Lips abusavam da gentebonice num show cheio de bichinhos de pelúcia, serpentinas, cover de “Bohemian Rapsody” em versão videokê (letras no telão), mascotes infláveis da Rihappy nos cantos do palco e excesso de fofura. Trent Reznor lembrava uma versão dark do Moby (ou um Depeche Mode pra meninos? Tá, tá, eu admito que acho a banda chata pacas, mas eles fizeram um bom show, pra quem gosta), enquanto Iggy Pop fazia adrenalina e nitroglicerina parecerem uma mesma substância química, incitando o caos, a desordem e a invasão de palco – desafiando o público ao não tocar nenhuma música do disco Raw Power.
E pensar que isso está sendo consumido em larga escala não deixa de causar estranheza. Incontáveis as vezes um Funhouse dos Stooges numa pasta de arquivos de MP3 compartilhados não é o suficiente para você ter certeza sobre o caráter musical de uma pessoa desconhecida do outro lado da internet. Uma estampa de camiseta com a capa do Goo era o suficiente para ter certeza que ela não era uma idiota. Projetos pós-Faith No More do Mike Patton sendo citados em papos no meio de uma festa qualquer só para se ter certeza de que não estava pisando em território arenoso. Isso sem contar quando o Flaming Lips apareceu tocando “She Don’t Use Jelly” num episódio do Barrados no Baile.
Tudo isso era muito interno, específico, num nível quase maçônico. Jogávamos pôquer com óculos de raio X, trocando piscadelas quando tocava R.E.M. ou Smashing Pumpkins na rádio. Neguinho tirava onda por ter vinil do Daydream Nation. Em Brasília, só chegavam TRÊS Melody Maker, na banca do aeroporto (na época, sem carro, era lonjaço), que sumiam em questão de horas. Programas de rádio eram contrabandeados em fitas cassete por terem mostrado, pela primeira vez, Melvins ou Minutemen no Brasil. Só que em algum momento entre a ascensão das siglas WWW e MP3 (que foi paralelo a outro período específico – o da falsa ilusão que um real valia o mesmo que um dólar), o que era um segredo tornou-se público. E milhões de pessoas passaram a baixar, ouvir e ter discos que só tinham ouvido falar, lido ou ouvido trechos em situações adversas.
O que era culto, tornou-se febre. O Nirvana era só o estopim de um fenômeno simples – era hora de consumir todo o mercado que vinha se criando nos bastidores do pop oficial (algo semelhante aconteceu na mesma época com o country e com o hip hop nos EUA – por aqui, foi a vez do sertanejo e do pagode, seguindo o mesmo flow). E quando alguns dos principais bastiões desta geração se encontram num megaevento destas proporções no Brasil, há um lado advogado do diabo em que a consciência fica se beliscando pra ter certeza que aquilo está mesmo acontecendo. Mais do que as noites indie do Tim Festival ou os shows gringos na choperia do Sesc Pompéia, o festival reunia um elenco que era, cinco anos atrás, composto pelas oito bandas que a gente reconhecia na programação de quinhentos shows dos Reading da vida.
Até o Good Charlotte está inserido neste contexto. Mesmo que a faixa etária, a histeria adolescente das meninas e o compromisso de seu público com a banda (que, uniformizada com camisetas do grupo, simplesmente foi embora depois que o show acabou) dêem a impressão que eles não fazem parte do caldo, a camiseta do Misfits e o som sub-Green Day prova que estamos ainda no mesmo universo. “Hold On” é Alanis pra meninos, então tá tudo em casa (não adianta fazer essa cara, eu sei que você gosta de Alanis!).
Afinal de contas, fora roupas e trejeitos, são todos iguais. Todo mundo encontrou outros parecidos, especialmente aqueles de outros estados – broders de listas de discussão, blogueiros, friends do Orkut. Vista-se de preto ou de camisa social, de meia arrastão ou bermudão, maquiagem pesada ou cabelo colorido, o fato é que esse é um dos principais públicos de rock atualmente. Rotule-os como adultescentes, screenagers, indies, jovens adultos ou como outra tribo instantânea, mas é inevitável levar a geração 90 em conta – aquela que se lembra quando ouviu o Nevermind pela primeira vez e quando o Forastieri disse que a salvação do Brasil era uma bala no meio da cabeça da Regina Casé, depois de assisti-la de cocar no primeiro VMA. Claro que é rock – mas rock alternativo, não custa sublinhar. E já se vão mais de dez anos.
***
Até que, no dia seguinte, largado na cama, o telefone toca. É o Matias:
– Fala!, berra meu interlocutor xará.
– Falaê, tranq? Indo pra Cidade do Rock?
– Tou indo pra lá agora, esperando o carro passar aqui. E aí, como foi?
– Foi do caralho, Sonic Youth na veia, mas até aí, eu sou fã. Acho que tu não vai curtir.
– Hehehehe. Mas aí, como tu vai fazer com a matéria?
– Pensei em dar uma teorizada básica sobre rock alternativo e dar uma geral nos shows. Não vai dar pra falar de cada um dos shows, música por música. Um monte de site e de jornal já vai ter esmiuçado tudo até a Bizz chegar na banca. Daí a teoria.
– Podecrer, tava pensando no que eu ia fazer memo…
– Deixa pra pensar na hora. Eu só soube que ia escrever sobre isso quando tava chegando na garagem do meu prédio.
– Boa, vou ver qualé.
– Vai lá, então, moleque. Abraço e bons shows.
– Valeu!