Mash & co.

, por Alexandre Matias

Materinha sobre mashup que saiu na revista da MTV deste mês – só para assinantes.

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Geração Copia e Cola

Bootleg, Bastard Pop, Mashup é a junção de duas músicas ou mais numa só. Mas não importa o nome. Depois do seu nascimento em 2001, o filho bastardo do pop explodiu na rede em 2007 por conta de softwares que fazem de qualquer quarto um estúdio em potencial. Isso significa que você está a um click de uma música formada por uma base do Nirvana com os vocais do Johnny Cash ou então uma com Gwen Stefani com Queen

por Adriana Alves

Copiar e colar não é novidade na internet e muito menos na música. Mas desde que o duo belga 2ManyDjs gravou, em 2001, uma mistura bizarra e sem interrupção de pedaços de músicas tão variadas quanto “Push It”, do Salt-N-Pepa, com “No Fun”, dos Stooges, e “Dreadlock Holiday”, do 10cc, com “Independent Woman”, das Destiny’s Child, o copy e paste passou a ganhar ares de criação artística e a ser chamado de Bastard Pop. Um outro lançamento simultâneo ao do 2ManyDJs marca o início desta história. Trata-se da faixa “A Stroke of Genie-us”, uma mistura dos vocais de “Genie in a Bottle”, da Cristina Aguilera, com as guitarras de “Hard to Explain”, dos Strokes, feita pelo DJ The Freelance Hellraiser.

Tempos depois, este filho perdido ganhou outros nomes, entre eles o de mashup, mas trata-se da mesma coisa: junção de duas músicas ou mais numa só. Definitivamente, este conceito de mistura não é uma novidade. O rap, por exemplo, muitas vezes utiliza a base de uma música conhecida e coloca os vocais por cima. Só pra citar uma, “Homem na Estrada”, dos Racionais MCs, é cantada em cima da base de “Ela Partiu”, do Tim Maia.

Os samples são utilizados há bastante tempo e a mistura e sobreposição de ritmos fazem parte da música desde que nós humanos começamos a identificá-la como tal. “Se você for prestar atenção, o próprio rock’n’roll é um mashup. Afinal, ouvir um branco cantando soul com voz de negão ou um negro cantando country nos Estados Unidos do meio do século passado era tão bizarro e alienígena – e, igualmente, fazia tanto sentido, quanto ouvir o vocal de ‘Billie Jean’ sobre o instrumental de ‘Smells Like Teen Spirit’, no começo do século 21”, diz o jornalista e agora DJ Alexandre Matias, que comanda a festa de mashup Gente Bonita Clima de Paquera em São Paulo.

Desta vez, a diferença é que além de ser feita uma mistura completa entre as músicas, este é um fenômeno completamente virtual. Por conta dos direitos autorais não existem discos de mashup, só é possível baixá-los na internet. Graças a programas de conexão pier-to-pierpeer-to-peer (P2P), como o Kazaa, por exemplo, é possível fazer o download de qualquer música, filme ou software, mesmo que ilegalmente. Desta forma, dependendo da conexão, é possível ter em minutos um programa de edição de áudio e suas músicas prediletas. “Qualquer moleque pode fazer um ótimo mashup em seu quarto, fazer o upload e, se ele for bom e criativo, poderá eventualmente tocar em clubes e em rádios de Londres, Boston, São Francisco, Paris, Rio, ou qualquer outra cidade”, conta o DJ estadunidense BC, responsável por dois aclamados trabalhos, Let it Beast e DJ BC Presents The Beastles, que é a fusão dos Beatles com Beastie Boys. “Pra mim, a novidade com os mashups é que eles trazem o espírito do punk rock, o Do-It Yourself. Você não precisa saber tocar um instrumento e pode fazer um som tão simples ou tão complicado quanto desejar”.

Todo este sucesso se deve a explosão do número de mashups que começaram a pipocar na internet. Com o fácil e livre acesso às ferramentas na rede, qualquer um e a qualquer hora pode criar seu 2 em 1, ou 10 em 1, se preferir. “O mashup é parte integrante dessa ‘geração copia-e-cola’ e da cultura livre. Acho que ele representa bem essa leva de artistas jovens, como eu, que fazem seus trabalhos em casa, sem muita pretensão, com baixíssima tecnologia e ainda assim obtém resultados superbacanas”, conta o DJ Goos, que tem 19 anos, mora em São Paulo e no final do ano passado começou a fazer suas próprias misturas e a disponibilizá-las em seu Myspace.

Para Matias, o mashup é o primeiro gênero musical do século 21 por três motivos. “Primeiro, não é um gênero musical propriamente dito, mas um meta-gênero (assim como serão os novos gêneros do novo século), segundo, não nasceu em cidade nenhuma e é um fenômeno essencialmente da internet, e terceiro porque é o passo final do faça-você-mesmo, você não toca músicas, toca músicos!”.

É arte?

Caso você já tenha ouvido um mashup, sabe o quanto pode ser divertida a mistura da cantora de jazz Sarah Vaughan com as bases de “Promiscuous”, da Nelly Furtado, ou então Coolio com INXS ou Led Zeppelin com Beastie Boys. Obviamente, também existem os mashups tosquinhos e a pergunta que fica no ar é: será que este DJ, ou quase-DJ, ou não-DJ que faz um mashup misturando hits dos mais conhecidos pode ser considerado um artista? “Eu acho que é arte, porque é um meio para se expressar musicalmente. Mas me parece que a maioria das pessoas que faz mashups está fazendo pela diversão e o amor à música, e não tentando fazer uma escola artística”, diz DJ BC.

Para o DJ Goos, que já toca em algumas festas, algumas delas especialmente dedicadas ao estilo, o mashup é arte das mais detalhadas. “A arte do ‘mashupero’ está no processo da fragmentação e da recombinação estética de dois elementos que geralmente não estariam juntos. É difícil pensar em mashup como ‘projeto intelectual’ e não apenas como um amontoado de hits, mas a escolha das músicas, o processo da colagem e até o resultado final carregam conceitos de desconstrução, apropriação de pré-fabricados, entre outros, por mais sutil que seja”, conta o DJ, para em seguida assumir: “O fato de ser meio ilegal também conta, não?”.

Muita gente do nosso cenário musical tem observado estas mudanças. “Para criar, usa-se sempre, quer queira quer não, ferramentas, procedimentos que são, por assim dizer, ‘patrimônio cultural da humanidade’: progressões harmônicas, formas musicais”, diz Sérgio Britto, dos Titãs. “Acho que pode ser considerado como arte, mas o importante é que esse exercício não seja medíocre ou mera cópia. A meu ver, coisas assim não deveriam ser vistas com tanta ‘pompa’. Se é ‘arte’ ou não, não é tão importante. Tem sua graça? É divertido? Funciona? Então tá valendo!”

Daniel W, batera do NX Zero, acha que a modalidade pode até servir de solução em alguns casos. “Acho que quando um DJ seleciona músicas para fazer um mashup, dificilmente irá achar canções 100% originais. Seguindo aquele clichê de que nada se cria tudo se copia, a própria música original, ao ser feita, utilizou vários outros elementos já existentes. Às vezes o DJ pode até salvar uma música juntando com outras no timing certo”.

Japinha, do CPM 22, acha tudo isso superválido. “Porque não considerar uma espécie de arte? É resultado de criatividade! Se uma pessoa tem o dom de fazer algo que soe bem, independente da forma, já merece consideração. Neste caso, ainda resgata outros trabalhos, o que os valoriza, homenageia.”

Seria impossível um estilo musical (será que o mashup é um?) alcançar a unanimidade. Para o metaleiro Edu Falaschi, do Angra, é só o retrato dos tempos modernos. “Quando eu era adolescente achava que esses caras eram apenas pessoas que escolhiam a trilha sonora pra uma balada. Mas com o passar dos anos foram transformando os DJs em personalidades, chegando a considerá-los ‘músicos’ ou ‘artistas’, isso soa bem estranho pra mim”, conta Edu, desanimado com os novos rumos. “Quando os outros falam ‘nossa! Vamos ver tal DJ tocar’… Como assim tocar? O cara só aperta botões! É claro que tem especialistas em criar sons e esses caras que constroem a coisa do zero, pra mim são fantásticos, mas a maioria só clona. Essa idéia do ‘mashup’ é somente um reflexo dos dias modernos, ou seja, respeito zero.”

Festas
Esta história já ganhou as pistas de dança mundo afora. Uma destas festas, a Bootie, realizada em São Francisco, nos Estados Unidos, pela dupla de mashupeiros A Plus D, formada por Adrian Roberts e Misterious D, já têm dois discos incríveis gravados, The Best of Bootie 2005 e The Best of Bootie 2006. Ambos podem ser ouvidos e baixados em www.bootieusa.com . No álbum de 2006, é possível ouvir no que deu Bonde do Rolê com New Order, ou Destiny’s Child com Arctic Monkeys e ainda Nelly Furtado com Phil Collins. E a Bootie está em franca ascensão. Nos Estados Unidos, além de São Francisco, a festa passa por Los Angeles, Nova York e logo mais aterrisará em Denver. A França também já tem sua edição em Paris e o site anuncia para breve uma vinda pra São Paulo.

Em terras paulistanas, os mashups também estão ganhando espaço nas pistas e já existem festas exclusivamente dedicadas a estas misturas. Certamente a que mais fez barulho no primeiro semestre deste ano foi a comandada por Alexandre Matias e seu amigo, também jornalista e DJ, Luciano Kalatalo. O nome da balada é aquele mesmo, Gente Bonita Clima de Paquera. “É importado de uma gíria recifense que parodia um termo comum em todas colunas sociais do Brasil. O termo ‘Gente Bonita’, em inglês, é até mesmo sinônimo para ‘VIP’. Então foi uma forma de rir dessa cultura de celebridade”, diz Matias. No site, onde já tem podcast disponível tanto pra ouvir quanto para baixar, é defendida a bandeira de que Gente Bonita não é só uma festa, mas um novo conceito. “É o fim da segregação. Coisas como Artista/Platéia, Músico/Ouvinte, Celebridades/Anônimos, deixam de ter sentido, todos têm a possibilidade e o espaço para aparecer e serem vistos. E não falo de apenas 15 minutos de fama”, diz Luciano.

E parece que esta história já começa a apontar novos caminhos na música e na cultura em geral. “O mashup pressupõe a pluralidade e isso vale para tudo. É o contrário da cultura monotemática que estávamos nos habituando. Estamos nos libertando em diversos níveis, para que não corramos o risco de cair em uma ditadura de gosto”, diz Matias e revela que o termo vem sendo utilizado por diversas outras áreas. “O termo já se expande para solucionar fusões de corporações, sites que podem trabalhar em paralelo, recriações de cenas de filmes clássicos em videogames ou plataformas de comunidades.”

Os DJs estão pipocando pela rede e as ferramentas estão se tornando cada vez mais fáceis de se manipular, como o Splice Music (www.splicemusic.com), que é um site de relacionamento onde há um software de edição musical. Lá você pode editar músicas em tempo real, criar suas faixas, usar a dos outros e tudo isso sem encrenca judicial. Pelo menos este site, é todo licenciado pelo Creative Commons, que é uma flexibilização dos direitos autorais e portanto, liberado para sua diversão.