“Querendo comprar samba, você está maluco?”

“Um dia apareceu lá no morro o Mário Reis, querendo comprar uma música. Estava com outro rapaz, que veio falar comigo. ‘O Mário Reis está aí e quer comprar um samba teu’. Fiquei surpreso: ‘O quê? Querendo comprar samba, você está maluco? Não vendo coisa nenhuma’.

No dia seguinte ele voltou e me levou até o Mário Reis. Ele confirmou. ‘É, Cartola, quero gravar um samba seu. Fique tranqüilo, seu nome vai aparecer direitinho. Quanto você quer por ele?’ Pensei em pedir uns 50 mil réis. O outro rapaz falou baixinho: ‘Pede uns 500 mil’. Eu disse: ‘Você está louco, o homem não vai dar tudo isso’.

Com muito medo, pedi os 500 mil. Em 1932, era muito dinheiro. O Mário Reis respondeu: ‘Então eu dou 300 mil réis, está bom para você?’.

Bom, ele comprou o samba mas não gravou. Quem acabou gravando foi o Chico Alves.”

O Juliano pinçou a declaração acima, do Cartola, para falar um pouco sobre as transformações que aconteceram no mercado da música durante o século vinte e que agora parecem retomar seu curso original. Ele continua:

O Mário Reis, que se oferece para comprar o samba, aparentemente já está vivendo dentro da lógica das emissoras de rádio e da indústria nascente do disco. Para ele, faz sentido o processo artificial que tornou escasso um produto informacional e portanto naturalmente abundante.

Mário Reis inclusive menciona indiretamente o princípio que justifica o comércio de bens informacionais. Ele diz: “fique tranquilo, seu nome vai aparecer direitinho” e o que está por trás motivando essa preocupação é o direito de autor, a solução jurídica que dá a base para que esse modelo de indústria criativa cresça, permitindo que criativos profissionais vivam de sua produção.

A cabeça do Mário Reis é a que olha para o compartilhamento de músicas na rede e enxerga a contravenção, a pirataria, mas a do Cartola mostra como a coisa não é definitiva, como não existe uma verdade absoluta no posicionamento das gravadoras, que a motivação tem a ver não com a Justiça, mas com regras e hábitos que durante muitos anos sustentaram uma determinada indústria.