Uma obra aberta e fechada – pela última vez no palco?

Terceira vez que pude ver ao vivo o sensacional Erosão, primeiro trabalho solo da baterista Mariá Portugal, que ela gravou antes da pandemia mas que só conseguiu apresentá-lo nos palcos depois que atravessamos aquele pesadelo. Neste meio tempo, ela mudou-se para a Alemanha, o que tornou suas apresentações ainda mais esporádicas por aqui. E ela mesma já avisou que a sessão que puxou na Casa de Francisca nesta quarta-feira talvez seja a última vez que ela executa esse trabalho ao vivo por aqui. E que despedida! Numa formação bem mais enxuta daquela que ela reuniu no primeiro show, no Sesc Pompeia, em outubro de 2022, quando contou com nove músicos no palco, mas igualmente inusitada – e excelente. Ela regeu a apresentação a partir de seu instrumento, dividindo os vocais com o camarada Tó Brandileone, que cantavam sobre um instrumental em que três sopros (Maria Beraldo, Rômulo Alexis e Marina Bastos) e dois contrabaixos acústicos (mais uma vez Arthur Decloedt e Marcelo Cabral) conversavam entre si – em horas plácidos e corteses, em outras empolgados e endiabrados e a apresentação seguiu o mesmo fluxo único em que canções transformam-se em improvisos, solos e encontros instrumentais, que funcionam como pontes que intercalam um tema ao próximo. Uma obra aberta e fechada ao mesmo tempo, em que Mariá nos provoca a pensar nossa relação com o tempo e o espaço, mesmo sem fazer isso de forma racional. E aí está a magia desta apresentação, que é ao mesmo tempo densa e leve – e nesta terceira vez ela estava irrepreensível. O que me faz acreditar que ela voltará a ser visitada nos palcos sim (foi mal, Mariá…), só que talvez não tão em breve… Inclusive tomara.

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Entre um disco e outro

Maria Beraldo encerrou sua temporada no Centro da Terra nesta segunda-feira convidando seus compadres Lello Bezerra e Marcelo Cabral para tocar músicas que ela compôs depois do lançamento de seu primeiro disco solo, Cavala, e entre canções feitas por encomenda para outros artistas e estudos de músicas que ainda estão tomando forma, ela burilou seus rascunhos e mostrou o rumo que seu próximo trabalho pode tomar. Algumas canções estão completas (como “Baleia” que escreveu para o Delta Estácio Blues de Juçara Marçal, completamente desconstruída, logo na abertura do show, e “Truco”, composta para o filme Regra 34, de Julia Murat, e a inédita “Ninfomaníaca”), outras estão sem letra (como uma que fez para uma série que pediram uma música “meio Clube da Esquina”), outras têm apenas um trecho e algumas são exercícios instrumentais. Entre as músicas, Maria foi explicando seus contextos e traçando um possível rumo em que elas podem se encontrar num futuro – álbum – próximo. Foi lindo.

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Roda de dois

“O samba e o choro são bem constituintes da origem do meu enredo”, Maria Beraldo arrematou (bem, como ela mesma constatou) no meio de sua terceira noite no Centro da Terra, quando apresentou ao lado de Rodrigo Campos um amplo repertório de sambas, de clássicos da velha guarda a hits do pagode dos anos 90. Só os dois no palco, tomando uma cervejinha, cada um com um instrumento em diferentes momentos – Beraldo ia do cavaquinho ao clarinete ao violão enquanto Rodrigo ia do violão ao repique ao cavaquinho, numa roda a dois que teve momentos terrenos e sublimes. Da primeira música que Maria aprendeu ao cavaquinho (“Apaga o Fogo Mané”, de Adoniran Barbosa) à “Minha Missão” de João Nogueira, o repertório foi costurado por Chico Buarque (“Bom Tempo” e uma versão maravilhosa para “Dois Irmãos”), Exaltasamba (“Gamei”), Só Pra Contrariar (“Inigualável Paixão”) e Dona Ivone Lara (lembrada na maravilhosa “Tendência”, que Maria aproveitou para revelar qual é o tema da terceira lição de sua banda, o Quartabê). Os dois ainda tocaram duas inéditas que compuseram juntos, duas de Rodrigo Campos (“Firmeza?!” e “Batida Espiral”), mas o ponto nevrálgico da apresentação foi exatamente no meio quando emendaram “Lindeza” de Caetano Veloso (você conhece, “coisa liiiiindaaa…”) com “Recado À Minha Amada” do Katinguelê (você também conhece, “lua vai…”) mostrando que o samba segue samba não importa de onde ele venha.

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“Quem sabe ainda sou uma sapatinha…”

Foi assim, desvirtuando de leve (ma non troppo, porque tá tudo ali), que Maria Beraldo, Josyara e Mariá Portugal (que entrou como convidada-surpresa) celebraram o amor sapatão ao desfilar o repertório de Cássia Eller à base de guitarra (e por vezes clarone), violão e cajón (que Mariá trouxe à tona de duas décadas sem tocá-lo, pronta para ressuscitar o instrumento de percussão no cenário pop brasileiro). A segunda apresentação da temporada Manguezal de Maria Beraldo no Centro da Terra foi intimista e acolhedor ao mesmo tempo que apaixonado e bem humorado, fazendo as três passear por composições de Nando Reis, Renato Russo, Ataulfo Alves, Gilberto Gil, Luiz Capucho, Djavan, Caetano Veloso, Itamar Assumpção (que Beraldo misturou com a base de sua “Da Menor Importância”), João do Vale e Tião Carvalho sempre muito à vontade, brindando taças de vinhos, pedindo para o público (que lotou a casa) cantar junto, numa noite mágica e apaixonante. Bonito demais.

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Só as duas

Maria Beraldo começou bem sua temporada Manguezal no Centro da Terra ao apostar num encontro que estava mais à vontade – ao receber a comadre Mariá Portugal, com quem toca no Quartabê e já fizeram tantas coisas juntas, ela sabia que estaria mais tranquila mesmo que para correr riscos. E atravessou quase uma hora de espetáculo alternando entre clarone, clarinete e guitarra elétrica sentada de frente à amiga, em sua bateria, trabalhando diferentes instrumentos de percussão – e vocais. As duas engalfinharam suas vozes entre gritos e sussurros que passearam entre suas próprias canções (como quando misturaram “Petróleo” de Portugal com “Tenso” de Beraldo) e algumas alheias, como “Vaca Profana” eternizada por Gal Costa e uma conveniente e radicalmente desconstruída “Como Nossos Pais”, de Belchior. Uma noite de tirar o fòlego.

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Maria Beraldo: Manguezal

Prazer enorme receber Maria Beraldo para sua temporada no Centro da Terra, que toma conta do palco do teatro do Sumaré a partir desta segunda-feira até o final de julho. Em Manguezal ela recebe chapas e comparsas em fusões de diferentes ecossistemas – daí o título da temporada, esta vegetação que funciona como palco para o encontro de águas, floras e faunas, que ela se refere como berçário do mar. A cada nova segunda ela recebe diferentes convidados para aproveitar o momento de transição entre seu disco de estreia e o próximo álbum, que vem burilando há tempos. Ela começa convidando a irmã Mariá Portugal para uma noite de improviso nessa primeira apresentação, dia 10, e na semana seguinte recebe a maravilhosa Josyara para um tributo a Cássia Eller, no dia 17. Depois, dia 24, ela envereda pelo pagode ao lado do compadre Rodrigo Campos e encerra a temporada no dia 31, reunindo os chapas Marcelo Cabral e Lello Bezerra para mostrar algumas canções inéditas. As apresentações acontecem sempre às 20h e os ingressos podem ser comprados antecipadamente neste link.

Centro da Terra: Julho de 2023

Mal chegamos à metade de junho, mas já temos aí a programação musical do Centro da Terra neste mês de julho. A temporada das segundas-feiras fica com Maria Beraldo, que mergulha em conexões afetivas e musicais numa série de apresentações que batizou de Manguezal. Na primeira segunda da temporada, dia 10, Beraldo recebe sua irmã de Quartabê Mariá Portugal para uma noite de improviso livre. Na segunda, dia 17, é a noite em que Maria escolheu para reverenciar Cássia Eller num encontro com Josyara. Depois, dia 24, ela junta-se a Rodrigo Campos abraçando o pagode para finalizar dia 31 com músicas novas que poderão estar em seu próximo disco, tocadas com os compadres Lello Bezerra e Marcelo Cabral. E como julho tem cinco segundas-feiras, a primeira delas, dia 3 de julho, ficou para o encontro dos duos Retrato e Antiprisma que apresentam a noite Reflexvs em que recebem participações diferentes (Raquel Diógenes nas projeções Debbie Hell na performance, narração dpoeta Rodrigo Qohen e synths de John Di Lallo, além de algumas surpresas). No dia seguinte, dia 4, a cantora Tila mostra o que virá a ser seu primeiro álbum no espetáculo Estelar, que conta com a participação de Izzy Gordon. Na segunda terça do mês, dia 11, o músico e produtor pernambucano Rodrigo Cøelho mostra o espetáculo Six Sines, uma performance, que, como ele mesmo descreve, “é um estudo sobre caos e dualidade, baseado no álbum composto sem instrumentos musicais, apenas com seis filtros ressonantes que se auto influenciam”. No dia 18, é a vez do músico, produtor, compositor e sócio do selo Desmonta, Luciano Valério mostrar seu trabalho solo MNTH, em que compõe peças ambient a partir de ruídos e texturas que cria com seus convidados. Às vésperas de lançar o disco Lume Púrpuro, ele testa essas novas composições ao lado de Paula Rebellato, Sarine, Aline Vieira e Nathalia Carvalho. E fechando julho, na última terça-feira do mês, dia 25, a banda Glue Trip, liderada pelo paraibano Lucas Moura, revê sua primeira década de carreira repassando diferentes momentos de sua discografia num novo espetáculo, 10 anos de psicodelia. Os espetáculos começam sempre pontualmente às 20h e os ingressos já podem ser comprados neste link.

O “Truco” de Maria Beraldo


(Foto: Pétala Lopes)

O fim do primeiro disco solo da cantora e compositora Maria Beraldo foi, como todas nossas biografias recentes, atropelado pela pandemia e quando ela estava começando a finalizar seu Cavala nos palcos, começaria a burilar o que poderia ser o próximo disco – mas este processo iniciaria naquele fatídico março de 2020 e ela teve que refazer seus planos. Neste período, começou a enveredar pelo caminho das trilhas sonoras para cinema, quando começou a encontrar um caminho de volta. “Eu tava precisando de um respiro criativo e algo pra trabalhar meu músculo da criação de outro jeito e tava cansada do formato canção, com poucos minutos, comparado com a música de concerto, que pode ser mais longa e ter diferentes momentos”, ela me explica por áudios de Whatsapp. “O cinema é outro tamanho de tela. Eu vinha trabalhando num lugar pequeno e de repente eu tinha um troço enorme”, lembra.

E depois de um longa metragem (O Acidente, em que o amigo Bruno Carbone a convidou para estrear neste formato e ela compôs toda a trilha usando apenas seu instrumento, o clarinete), dois curtas e uma série, ela volta à canção na única música da trilha do longa Regra 34, da diretora Julia Murat, que acaba de entrar em cartaz. Ela foi convidada pelo produtor e músico Lucas Marcier para compor toda a trilha do longa e um dos pilares da trilha foi esta nova canção, “Truco”, que ela lança nesta sexta-feira e dá os rumos para seu próximo disco. Ouça abaixo:  

Marques Rodrigues Duo: (I)miscível

O trompetista Amílcar Rodrigues e o baterista Guilherme Marques reuniram-se em um projeto de improviso livre que parte do casamento de seus dois instrumentos num duo aberto para novas experimentações. Vasculhando possibilidades dentro dos temas que desenvolveram para o que chamam de (I)Miscivel, eles tomam conta desta terça-feira no Centro da Terra convidando dois ases de seus instrumentos para explorar tais fronteiras sonoras – de um lado o contrabaixo de Marcelo Cabral e do outro o clarone de Maria Beraldo. É com esta formação que eles invadem o palco do Sumaré a partir das 20h, pontualmente – ainda há ingressos disponíveis neste link.

Domingo suspenso

O Estado de Suspensão aconteceu num domingo maravilhoso, que abriu com o transe noise puxado pelo grande Marcelo Cabral. Ao lado de Guilherme Held e de Maria Beraldo, ele visitou seu Motor em formato elétrico, começando os trabalhos na Casa Natura Musical com uma parede de ruído em que equilibrava suas delicadas canções.

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