Entre o indie e o mainstream

coala2016

“Existe uma cena incrível na música brasileira que não é acolhida pelos canais tradicionais e que acaba ocupando um espaço menor do que merece”, esse foi o ponto de partida do Coala Festival, que chega à sua terceira edição neste sábado (mais informações aqui), de acordo com um de seus criadores, o publicitário Gabriel Junqueira de Andrade. Dedicado essencialmente à música brasileira, o festival também tem a intenção de fazer a ponte entre a cena independente e o grande mercado, e depois de ter nomes como Criolo, Bixiga 70, Otto, Marcelo D2, Mustache e os Apaches, Selton, Tom Zé, O Terno, Trupe Chá de Boldo, Saulo Duarte e a Unidade, Charlie e Os Marretas e 5 a Seco agora reúne Céu, BaianaSystem, Karol Conká, Marcelo Camelo e Cícero juntos e Silva entre suas principais atrações.

“Eu vejo uma cena muito rica, muito plural, com diversas bandas incríveis, mas que ainda precisa amadurecer para conquistar seu devido espaço”, continua Gabriel. “As produções independentes estão cada vez mais profissionais, existem diversas iniciativas de marcas, produtores e das próprias bandas em todo o país, mas essa cena ainda não desperta a curiosidade de quem não tem uma ligação forte com música. O público, em sua maioria, é passivo; ele ouve/acompanha o que chega a seus ouvidos com frequência e falta um canal voltado para essa cena que consiga fazer isso; talvez nunca exista nos moldes que conhecemos hoje. Por outro lado, com a internet/redes sociais/plataformas de streaming, a dependência dos canais tradicionais diminuiu muito e hoje temos bandas que não tocam na rádio, que não vão no Faustão e que têm um público grande e lotam casas de show. A consciência de que para se manter e crescer você precisa trabalhar para criar um público é fundamental.” Para isso, essa edição do festival contou com a cocuradoria do jornalista e produtor Marcus Preto, que também é um ferrenho defensor da conquista deste espaço entre o mercado de massas e a cena de pequena escala. Também conversei com ele sobre as escolhas para a edição deste ano e como elas refletem o estado atual – um impasse, segundo Preto – da música brasileira.

Como foi pensada a curadoria deste ano?
Quando os meninos me convidaram pra fazer parte da curadoria, pensei que o festival precisava ter um show que só fosse acontecer ali. Algo inédito. Veio daí a ideia de juntar Cícero e Marcelo Camelo. Era bem o que eu imaginava: um encontro que, embora ainda não houvesse acontecido, parecesse absolutamente inevitável por ligar duas pontas. Cícero é um artista da nova geração que vem da linhagem Chico-Caetano-Camelo. O público dele gosta desses artistas. E, além do mais, a relação de ambos já existia. Camelo ajudou na feitura do segundo álbum do Cícero, Sábado, de 2013, dando ideias e tocando instrumentos. Mas eles nunca cantaram juntos, nem em estúdio. Acho que esse encontro acabou por se tornar o coração da edição 2016 do Coala, vamos ver como ele se dará na hora. Os outros shows seguiram o mesmo norte, com a canção no centro de tudo. O Silva, que eu acho um dos artistas mais promissores dessa geração, tem muito disso. Lila e Céu também. Mais para o final, como de costume, ficaram os dois shows mais dançantes, BaianaSystem e Karol Conká. Várias meninas no line up. Achei que deu a maior liga.

Como a escalação reflete a atual cena musical brasileira?
Ela reflete algumas das muitas cenas existentes atualmente no Brasil. Fui curador na Virada Cultural por dois anos. E, lá, ficou mais clara do que nunca pra mim a variedade de cenas interessantes, de caminhos de curadoria possíveis, de encadeamentos bonitos de shows. O que o Coala tem de mais precioso é esse foco no médio porte. Ele não é um festival de mainstream, não é um espaço que vá abrigar o show da Anitta, por exemplo – que é ótima, mas circula em outra esfera e pra outro perfil de público. O Coala é uma ponte entre esse lugar gigante da Anitta e a cena independente. Fazemos a festa em cima da ponte.

Como você avalia o atual estágio da cena independente brasileira?
De novo, são muitas as cenas independentes brasileiras. Sempre houve o pessoal do rock, por exemplo, que segue como uma cena que se sustenta sozinha, que se banca, mesmo invisível pra o resto do mundo. Há outras assim. Mas eu imagino, por nossas conversas anteriores, que, quando você fala em “cena independente brasileira”, esteja falando da cena que se criou a partir do final da década passada e começo dessa, seguindo de maneira muito particular o fluxo conceitual do que chamávamos antigamente de MPB.
Sobre essa cena específica – ela é a que mais me interessa, aliás -, posso dizer que estamos em um momento muito diferente daquele em que ela surgiu, há sete, seis, cinco anos. Àquela altura, o foco era criar uma cena interessante, fomentar uma – ou várias – estéticas, evidenciar artistas, mostrar que as minas e os manos dos 2000 também sabiam fazer música relevante. Tudo isso foi feito. Hoje, no entanto, o foco principal tem que ser outro: o público. Seduzir o cara que vai pagar seu ingresso é algo urgente pra que esse artista revela ali siga trabalhando.
Qualquer um que olhe a cena hoje entende que há muito talento espalhado nela. Mas talento é só 30% do que é necessário pra um artista, ou pra uma cena, seguir adiante. Já vi muita gente ultratalentosa morrer na praia, enrolada em questões estritamente musicais. E sinto que parte da cena de 2010 está se perdendo nisso, com medo ou vergonha de entender os mecanismos que a fariam se comunicar com mais gente. É preciso haver um pensamento mais estratégico. O artista tem que olhar pra o agora, pra o público do tempo presente, e não se perder fazendo música apenas pra o espelho.
Poucos artistas da cena 2010 conquistaram as duas coisas, relevância artística e público. Criolo é, de longe, o mais bem sucedido nisso. Marcelo Jeneci e Tulipa estão chegando perto. E Emicida, mais pela via do rap do que pelo que o Criolo tem de MPB – e atraiu todo mundo logo de cara. Do Rio, Clarice Falcão e Cícero também lotam shows relativamente grandes. Silva, vindo de Vitória, é outro que cresce em progressão geométrica. Quem mais? Pouca gente.
Esse espaço enorme entre o indie e o mainstream precisa ser ocupado de novo. O público adulto de classe média que ouvia de Tom Jobim a Tim Maia se desinteressou por música desde que a música deixou de ser feita pra eles. E migrou pro Netflix. Queremos esses caras de volta. Só quem ainda faz esse público sair da frente da TV são os veteranos: Caetano e Gil ainda lotam, Gal, Bethânia, Milton, Marisa Monte, Chico Buarque. Mas é interessante lembrar que, há 20 anos, uma artista então nova como a Adriana Calcanhotto no terceiro disco tinha o mesmo público que esses caras todos – inclusive porque quem se interessava pela música deles tinha tudo pra se interessar pela dela. É esse público que tem que ser conquistado pela cena dos 2010.
É esse espaço que o Colara veio ocupar. Temos que ir pra cima deles. E eu me incluo nisso não apenas como curador ou produtor musical, pois sei que, havendo uma cena forte, não é só a música que ganha, mas também o jornalismo – onde atuo -, o cinema, a fábrica de camisetas, o mercado de livros, todo mundo. Se a música não retomar contato com esse público médio, está com os dias contados.
Ah, vale lembrar que o mainstream continua ativo, mesmo com suas quedas: os sertanejos ainda fazem shows grandes, o axé continua sendo consumido etc. É uma cena que existe e sempre vai existir. E, falando nela, gosto muito dos casos da Tiê e do Tiago Iorc, que pularam do indie diretamente pro mainstreaim, tocando no rádio sem parar – no caso dela -, lotando casas gigantescas – no caso dele – e falando com o público da Anitta e da Sandy.
Por fim, não estou dizendo com isso que o indie tem que acabar. Nunca. Ele é e sempre será o melhor lugar pra quem está começando encontrar o melhor caminho. E também o único possível pra os artistas que fazem música mais experimental. É assim desde sempre. O mais importante é que cada artista entenda seu lugar nesse ecossistema e ocupe plenamente o próprio espaço, seja no indie, no mainstream ou ali, ao lado do Criolo, no lugar que precisa ser ocupado imediatamente por muitos outros artistas. Só assim a música volta a ter a importância que um dia teve na vida das pessoas.

Impressão digital #0060: Crítica musical e jornalismo cultural

Minha coluna no Caderno 2 desse domingo foi sobre o debate que participei na quinta passada.

Mudança inevitável
Crítica musical e internet

Na quinta-feira da semana passada, participei do 3.º Congresso Internacional de Jornalismo Cultural, evento que ocorreu no Sesc Vila Mariana e trouxe nomes como o cineasta alemão Werner Herzog, o filósofo esloveno Slavoj Zizek, a ensaísta norte-americana Camille Paglia e o escritor cubano Pedro Juan Gutiérrez. Estive em uma mesa cujo tema era A Produção Musical Contemporânea e a Crítica Especializada e, comigo, participavam os jornalistas Pablo Miyazawa, editor da versão brasileira da revista Rolling Stone, e Marcus Preto, do jornal Folha de S. Paulo, e o músico Zeca Baleiro.

Muitos podem estranhar a presença de um editor de um caderno de tecnologia – que é o que faço, caso alguém não saiba (edito o Link, publicado todas as segundas-feiras neste jornal) – em uma mesa que se propunha a discutir produção cultural e crítica musical, mas bastou o papo começar para perceber que não dá para dissociar o que está acontecendo tanto em termos de criação quanto de avaliação – artistas e críticos estão sendo igualmente afetados pelo impacto que as mídias digitais (não só a internet, mas principalmente ela) vêm causando em suas atividades.

Pablo falou da dificuldade em falar de lançamentos de discos numa época em que estes aparecem primeiro na internet e depois nas lojas – antes, até mesmo, de chegar aos jornalistas, que, em outros tempos, recebiam os álbuns previamente para que pudessem publicar suas matérias simultaneamente ao lançamento comercial. Zeca Baleiro concordou e disse que a melhor crítica musical feita no Brasil atualmente – e a pior – vem acontecendo longe dos jornais e sim em blogs.

Citei que tive a felicidade – ou melhor, a sorte – de cobrir música na época em que o Napster apareceu, em 1999. O primeiro programa de trocas de MP3 revolucionou a forma como consumimos música até hoje e em menos de um ano depois de seu lançamento, seus criadores já sentavam em bancos de tribunais sendo acusados de ter facilitado a pirataria.

E ao mesmo tempo em que os autores do software eram processados, o Radiohead lançava seu quarto CD, que vinha sendo aguardado devido ao sucesso de seu antecessor, OK Computer. Só que, pela primeira vez na história, aconteceu um fenômeno novo: o disco apareceu na internet meses antes de ter sido lançado comercialmente. Sem refletir, a indústria cravou que o disco seria um fracasso de vendas, pois muitos dos fãs que comprariam o disco já o teriam em casa, em seus computadores, de graça. Para piorar, Kid A, o disco que havia vazado, era experimental e hermético. Mas a indústria errou – e o álbum foi um dos mais vendidos daquele ano, mesmo tendo aparecido gratuitamente antes de ser lançado.

As mudanças que vêm sendo impostas pela digitalização quase sempre são recebidas com ceticismo ou temor, sem que se pense em como os ouvintes – agentes culturais sem nome, mas tão importantes quanto a indústria, a crítica e o artista – vão recebê-las. Por isso, me sinto felizardo por ter começado a cobrir tecnologia a partir de mudanças que ocorreram na área cultural. E, assim, posso participar de uma mesa sobre crítica musical, mesmo que não exerça essa função.

Enquanto isso, no 3º Congresso Internacional de Jornalismo Cultural da Revista Cult…

Lá vou eu falar sobre crítica musical num evento cheio de atrações internacionais,. produzido pela revista Cult no Sesc Vila Mariana: Herzog, Zizek, Gutierrez, Paglia e um monte de outros bambas, a maioria brasileiros. Me chamaram de “escritor” na programação, mas creio que queriam dizer “jornalista”. Tudo bem, é tudo texto:

11h30 – A produção musical contemporânea e a crítica especializada
Alexandre Matias (escritor e editor do caderno Link, do jornal O Estado de São Paulo), Pablo Miyazawa (diretor de redação da revista Rolling Stone) e Zeca Baleiro (músico)
Mediação: Marcus Preto (crítico de música da Folha de São Paulo)

Depois, às 14h, entro ao vivo no Estúdio Aberto, produzido pelo Sesc durante o evento, e converso com Lorena Calábria, Carlos Vogt e o Ricardo Calil sobre alguns dos temas discutidos durante a semana.

A produção musical contemporânea e a crítica especializada

O Sesc foi sagaz e já subiu online a íntegra (quase duas horas!) da mesa que participei ontem no 3º Congresso Internacional de Jornalismo Cultural, realizado pela revista Cult, em que conversei sobre o papel da crítica musical nos dias de hoje, ao lado do Marcus Preto, do Pablo Miyazawa e do Zeca Baleiro. Põe o fone, aperta o play e deixa o papo rolar. Vale inclusive passear pelo canal do YouTube deles, que tem todas as íntegras das mesas do evento. Muito bom.

Mallu quer casar

Meu maior amadurecimento foi aprender a lidar com a vida com mais tranquilidade. Saber que vou errar muitas vezes, cantar mal alguns dias, tocar mal em outros. E tudo bem”

Bem boa essa entrevista que o Marcus Preto fez com a nossa querida adolescente pra TPM. É isso aí, Mallu: tudo bem.