Fui até fazer as contas pra checar, mas apesar deste ter sido o primeiro show do Delta Estácio Blues de Juçara Marçal que vi este ano, foi o décimo que vi desde que ela o lançou pela primeira vez ao vivo há mais de dois anos e meio, no teatro do Sesc Pinheiros. Acompanhei a gestação desse trabalho de perto, mesmo antes de transformar-se em show, quando Juçara e seu produtor e compadre Kiko Dinucci ergueram um contraponto transversal ao seu primeiro disco solo Encarnado ao reunir pedaços de sons como bases instrumentais para canções encomendadas para outros camaradas e cúmplices musicais. Uma vez lançado, o desafio foi transformar aquele conjunto de fonogramas numa apresentação ao vivo, atingido com louvor quando os dois reuniram-se ao velho chapa Marcelo Cabral e a então desconhecida Alana Ananias, erguendo o disco num espetáculo ao vivo. O resultado anda no fio da navalha entre o noise elétrico e o eletrônico industrial, transformando a coleção de sambas tortos compostos ao lado de Tulipa Ruiz, Maria Beraldo, Negro Leo, Jadsa, Rodrigo Ogi e Douglas Germano num atordoo físico e emocional que até hoje considero o melhor show do Brasil. E depois de acompanhar a evolução deste organismo vivo nestes últimos anos, cada vez mais desenfreado e arrebatador, foi uma felicidade reencontrá-lo em mais uma edição desse transe elétrico, desta vez no Sesc Consolação e intensificado pelas luzes de Olívia Munhoz, que começou a trabalhar com Juçara no ano passado, quando ela comemorou os dez anos do Encarnado, e entrou para o time DEB encontrando uma intensidade irmã das luzes que fez no show do ano passado. Sempre foda.
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(Foto: Gabriela Schmidt/Divulgação)
Yma finalmente coloca seu próximo disco no horizonte ao lançar o primeiro single de seu tão aguardado segundo álbum. Criada a partir de um brainstorm sobre uma lista de filmes tão diferentes quanto Eraserhead, Terra em Transe, Lamb, A Professora de Piano, Dentes Caninos, Cheiro do Ralo, In the Mood for Love, Todo Mundo Quase Morto, Estranhos no Paraíso e Febre do Rato, 2001 tem seu título tirado não do clássico de Stanley Kubrick, mas da saudosa rede paulistana de videolocadoras especializada em cinema de arte. O recorte de uma colagem de títulos que hoje estariam no Mubi sobre uma base bossa nova spacey começa a descortinar o novo ambiente sonoro imaginado pela cantora paulistana, que vem acompanhada de um elenco de instrumentistas que a elevam a um novo patamar: Fernando Catatau (guitarra), João Barisbe (clarinete e sax), Marcelo Cabral (baixo) e Pedro Lacerda (bateria), além de seu companheiro (e produtor da faixa), Fernando Rischbieter, tocando violões, guitarra, synths, mellotron, programações e fazendo vocais. É um pequeno e bonito vislumbre num novo universo que, se tudo caminhar como anda, nos será revelado ainda este ano.
Mais uma vez Juçara Marçal mostrou toda sua majestade ao visitar o clássico Elizeth Sobe o Morro em um espetáculo idealizado e dirigido pelo jornalista e pesquisador Lucas Nobile, que pinçou o disco em que Elizeth Cardoso investiga uma cena sambista carioca que incluía nomes consagrados como Nelson Cavaquinho (registrado pela primeira vez em disco neste álbum), Zé Kéti, Cartola e Nelson Sargento, além dos então novatos Paulinho da Viola e Elton Medeiros. Para recriar o álbum, Lucas reuniu um time precioso para acompanhar Juçara por duas noites no Sesc 14 Bis, que recebeu Kiko Dinucci, Rodrigo Campos, Marcelo Cabral, Fumaça e Xeina Barros com lotação esgotada. Além do repertório do disco, o grupo ainda pinçou canções que se encaixavam no espírito do disco, sejam músicas da época, como “Vazio” de Elton Medeiros, “Século do Progresso” de Noel Rosa, “Mas Quem Disse Que Eu Te Esqueço” de Dona Yvonne Lara e “Mascarada” de Zé Keti, e contemporâneas, como “Pavio de Felicidade” de Rodrigo Campos, “João Carranca” Kiko Dinucci e “Gurufim”, parceria dos dois, que fechou o show deste domingo. Um espetáculo maravilhoso, delicado e sofisticado, banhado pelas luzes hipnotizantes de Olívia Munhoz, que rendeu momentos mágicos, como as versões para “Rosa de Ouro” (de Paulinho e Elton), “Sim” (de Cartola, num dueto entre Juçara e Kiko) e “Minhas Madrugadas” (de Paulinho e Candeia) em que Juçara avisou que tentaria “encarnar” a Divina, o que fez com maestria, num dos shows mais bonitos do ano até aqui.
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Lello Bezerra fez bonito na primeira apresentação pública de seu segundo disco solo, que ainda vai ser lançado ainda neste semestre, ao tocá-lo pela primeira vez ao vivo, nesta terça-feira. O novo trabalho – chamado Matéria e Memória, como antecipou em primeira mão – é a primeira incursão do guitarrista pernambucano ao caminho da canção e das letras, ao contar com a inspiração e a parceria de sua companheira Juuar, e foi gravado sozinho e de maneira digital, por isso o desafio era trazer a sonoridade do futuro disco para o palco. Para isso, contou com o auxílio luxuoso de Marcelo Cabral, Julia Toledo e Alana Ananias, que o ajudaram a erguer parte das canções do disco de forma orgânica e fluida, Cabral dividindo-se entre o baixo elétrico e o synthbass, Juliana entre o sintetizador e o piano (e, em uma música, a guitarra) e Alana segurando o ritmo tanto na bateria tradicional quanto nos beats e efeitos eletrônicos. Sobre essa base entrosadíssima entravam a guitarra cheia de efeitos de Lello e sua voz, macia e tranquila, cantando canções nada óbvias que ecoam tanto a psicodelia pernambucana quanto o cancioneiro cearense e misturam essas lembranças estilísticas com um Nordeste pessoal, nada praiano, sertanejo e urbano – “das feiras, da arte figurativa e da escultura”, como frisou entre duas músicas. Noite linda.
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Encerramos a programação de música de abril no Centro da Terra nesta terça-feira com a presença do guitarrista pernambucano Lello Bezerra, que, na noite batizada de Figurafundo, começa a trazer para o palco seu segundo disco solo, previsto para ser lançado no segundo semestre. Ele vem cercado dos bambas Julia Toledo (piano e sintetizador), Marcelo Cabral (contrabaixo e OP-1) e Allana Ananias (bateria e SPDS), que o auxiliam nessa transposição inédita. O espetáculo começa pontualmente às 20h e os ingressos estão à venda no site do Centro da Terra.
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O concerto O Canto de Maldoror: Terra em Transe em Transe, apresentado no Theatro Municipal de São Paulo neste fim de semana pela Orquestra Sinfônica Municipal e pelo Coro Lírico Municipal, foi um arrebatador ataque aos sentidos que, a partir da dissolução das fronteiras entre som, sentido e ruído, converteu-se em um dos grandes acontecimentos artísticos do ano. Concebido e idealizado por por Nuno Ramos e Eduardo Climachauska, a apresentação recriava a trilha sonora e os diálogos de Terra em Transe, magnus opus do cinema nacional, forjada por Glauber Rocha em 1967, como uma única obra. E assim, à frente da orquestra regida por Gustavo Petri e do coro regido por Érica Hindrikson, os atores Georgette Fadel e Marat Descartes recriavam, ao lado do contrabaixo de Marcelo Cabral, as falas dos protagonistas do filme apresentadas em quatro diferentes sintonias, cada uma representada pela mudança de frequências e velocidades de cada instante. Em quatro tempos diferentes, estes diálogos foram reprocessados eletronicamente e entregues aos compositores Piero Schlochauer e Rodrigo Morte, que escreveram partituras para estes diferentes momentos distorcidos serem recriados analogicamente pelas vozes dos intérpretes e assim Fadel e Marat liam diálogos como se ouvíssemos um disco em diferentes rotações, cada uma delas referida a um dos três personagens do filme: sem distorção representavam o delírio do intelectual Paulo Martins (vivido no filme por Jardel Filho), em uma distorção mais lenta traziam o personagem ao presente, numa outra ainda mais lenta mostravam o passado do político populista Felipe Vieira (personagem vivido por José Lewgoy) e numa versão aceleradíssima davam voz ao passado do politico conservador Porfírio Diaz (vivido por Paulo Autran). As falas ditas pelos dois atores tornavam o português dito meramente sonoro e elas eram perseguidas pelo baixo de Cabral, que acentuava a musicalidade dos diálogos à direita do palco. Na outra ponta, à esquerda, a solista Marcela Lucatelli soltava sua voz animalesca entre o canto e o rugido (além de surgir impávida e serena ao cantar “Olá”, de Sergio Ricardo), enquanto a orquestra e o coro passeavam entre sambas, pontos de macumba, O Guarani de Carlos Gomes, trechos de obras de Villa-Lobos e Verdi, jazz e gritos de protesto, colocando o coro inclusive para solar com minicornetas de brinquedo. As partes cantadas pelo Coro Lírico, O Canto de Maldoror que batizava a peça, inspirado no título da obra clássico do uruguaio vertido francês Conde de Lautréamont, haviam sido escritas a partir de improvisos vocais de Juçara Marçal, criando mais uma camada de distorção na apresentação, que ainda contava com os quatro pêndulos imaginados pelos cenógrafos Laura Vinci e Wagner Antônio, que representavam os quatro tempos dos cantos mostrados, cada um deles movendo-se numa velocidade distinta. A contraposição destas distorções de tempo, sobrepostas ao caráter épico da apresentação e aos diálogos alegóricos – e infelizmente sempre atuais – escritos por Glauber abria janelas com novas dimensões temporais que tornavam Terra em Transe ainda mais atual do que em seu tempo, em pleno 2024. Um acontecimento de tirar o fôlego.
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Ao lançar um dos melhores discos de 2024 num espaço pequeno como o Auditório do Sesc Pinheiros, nesta quarta-feira, Thiago França sublinhou que seu novo disco (trinta e quantos?) é reservado para audições menores e mais intimistas, mas sem isso se confunda com mais leve ou mais delicado. Logicamente que há momentos de sutileza e sentimento, mas o forte da apresentação tinha peso, força e intensidade, especificamente por Thiago ter escolhido o formato de trio de jazz para conduzir o repertório da vez. E ao lado dos velhos comparsas Welington “Pimpa” Moreira e Marcelo Cabral, ele aproveitou para explorar todos o espectro possível daquela formação em cima dos temas registrados no novo disco. Uns deles (como “Luango” ou a faixa-título do disco, “Canhoto de Pé”) são velhos conhecidos de quem acompanha o trabalho do saxofonista e pontos de partidas para verdadeiras tours-de-force instrumentais, seja coletivamente ou em hipnóticos momentos solo. Mas no terço final do show, Thiago expandiu ainda mais sua paleta sonora, ao começar pelo “Bolero do Desterro”, faixa do segundo disco de seu projeto Sambanzo, que transformou-se num momento solo em que Pimpa e Cabral o deixaram só no palco, quando mostrou o motocontínuo de sua respiração circular, antes de receber Juçara Marçal para a versão dilaceradora que os dois registraram no novo disco de Thiago, quando visitaram, sax e voz, a preciosa “Dor Elegante”, de Itamar Assumpção. Aproveitando a presença de Juçara, encerrou o show com uma mistura (ou “um remix analógico e orgânico”, como ele mesmo brincou) de “Fear of the Bate Bola” do disco da vez com “Bará” que Juçara compôs quando o grupo Metá Metá foi convidado para fazer a trilha sonora de um espetáculo do grupo Corpo. O público pediu bis e Thiago encerrou a noite com a imortal “Cabecinha no Ombro”, de Paulo Borges, tocando sozinho e pedindo pro público cantar o eterno acalanto junto com seu sax. Que noite!
(Foto: Sebastina Scauvet/Divulgação)
“‘Canhoto de pé’, diz a mística do futebol, que são os jogadores mais habilidosos, de dribles desconcertantes, enigmáticos”, explica Thiago França sobre o título de seu quinto disco solo, que lança nessa próxima sexta-feira. Quase todo instrumental, o disco foi iniciado em plena pandemia e conta com participações de Juçara Marçal (que canta a única letra do disco, numa versão tocante para “Dor Elegante”, de Itamar Assumpção), dos comparsas que fecham seu trio (Marcelo Cabral e Welington “Pimpa” Moreira) e de dois integrantes do grupo Aguidavi do Jêje. Ele segue explicando o título do disco a partir das escalas que usou na gravação. “Daí a viagem: essa música usa uma escala próxima ao blues, que tem a terça maior e a menor e fica variando entre elas, driblando e enganado o ouvido. Acho que nesse disco eu tô tocando dum jeito mais ‘habilidoso’, diferente do Sambanzo e até do MetaL MetaL, onde tudo soa bem forte, explosivo. O fato de eu ser canhoto de pé não influencia nem ajuda em absolutamente nada meu jeito de tocar, e no meu caso, também não me ajudou nada com a bola”, brinca.
O disco, cujo show de lançamento acontece no dia 4 de setembro, no Sesc Pinheiros, surgiu durante o período pandêmico e, segundo o saxofonista mineiro “foi o disco menos planejado que já fiz”. “Ele foi acontecendo lentamente, ao contrário do que eu sempre faço, que é pegar uma idéia e desenvolvê-la ao redor de uma banda fechada que vai tocar tudo”, continua, fazendo referência aos processos tanto a seus projetos coletivos, como o Metá Metá, a Charanga do França, a Space Charanga, os Marginals e o Sambanzo, como a seus outros discos solo. “Eu tava fazendo backup dos arquivos do Logic ouvindo coisas que ficaram de fora do Bodiado (de 2021) e achei que tinha assunto ali pra continuar trabalhando”, contando que começou pelas faixas “Download de Paranóia” (cujo título surgiu num papo com André Abujamra), “Cabecinha no Ombro” (o clássico acalanto de Paulo Borges, gravada com quatro saxes, gravada no aniversário de seu avô) e “Ajuntó de Xangô”, que caíram fora de Bodiado por diferentes motivos e ressurgiram neste disco novo. “Eu não queria repetir a fórmula do disco anterior e elas ficaram guardadas, a vida foi seguindo, pandemia acabando, eleição de 22 que foi aquele caos…”
Marcelo Cabral desligou seu primeiro disco solo, Motor, nesta quarta-feira, no Auditório do Sesc Pinheiros, quando reuniu-se com Maria Beraldo e Guilherme Held para revisitar mais uma vez seu disco de 2018 pela última vez ao mesmo tempo em que começa a mostrar seu próximo trabalho, ainda sem título definido, mas já em fase de finalização. Entre as canções sóbrias e melancólicas deste seu disco de estreia, Marcelo, tocando guitarra e não seu instrumento de origem, o contrabaixo, entrelaçou o clarone e o sax de Beraldo à guitarra de Held criando uma atmosfera ao mesmo tempo ambient e noise, com o auxílio de seu vocal conciso, pedais, microfonia e do técnico de som, Bernardo Pacheco. E entre as músicas do disco novo, que está sendo gravado com o baterista Biel Basile, d’O Terno, mostrou composições feitas com Rodrigo Campos e Rômulo Froes, além de uma canção composta com um novo parceiro, quando entregou “Tarde Azul” para ganhar letra de Fernando Catatau. Foi bem bonito.
As atrações de música no mês de maio no Centro da Terra encerraram nesta terça-feira, quando o duo (I)miscível, formado por Guilherme Marques e Amilcar Rodrigues, recebeu o contrabaixista Marcelo Cabral para explorar novas fronteiras musicais a partir de uma sessão de improviso livre que, como é característica do trabalho do duo, busca novas sonoridades a partir das já estabelecidas por seus instrumetos. Enquanto Amílcar reveza-se entre o trompete, o trompete piccolo e o bombardino, Guilherme buscava detalhes e nuances de uma bateria desconstruída enquanto Cabral ia para além das quatro cordas de seu instrumento, usando tanto o corpo, quanto arco e pedais para deformar seus timbres característico, numa apresentação que ia da quietude à expansão, com direito ao público assistindo a tudo no próprio palco.