Mallu Magalhães já é
Peraí, Pedro:
É fácil perceber que Mallu não tem autoridade sobre o público. Não tem, nem poderia ter. Alguém disse a essa doce menina que ela estava pronta – o pai, alguns publicitários “geniais”, um bando de jornalistas escrevendo escrevendo escrevendo sobre ela. São (somos) todos cúmplices de uma crueldade.
“Eu saí de uma escola de que eu gostava, e meus amigos dessa escola vieram hoje”, a pequena comemora, morrendo de vontade de estar feliz. Os coleguinhas a aplaudem, solidários. Eles provavelmente só estudam, enquanto a amiga mais “famosa” deixa as bonecas de lado para pegar no pesado.
Espalhou-se isto por aí, mas, não, ela não é uma garota-prodígio. É uma menina de 17 anos forçada a trabalhar duro como a mulher feita e dona de si que ainda não é. Não deve ser por outra razão que pensa gostar tanto de folk – aí está um gênero musical gringo que fala desesperadamente de prisão, escravidão, assuns pretos, blackbirds, exploração e desejos de libertação. Não é por outra razão que “Don’t Think Twice, It’s All Right”, de Bob Dylan, veste tão sob medida nessa menina.
…quer dizer que Mallu Magalhães é exploração de trabalho infantil? Não custa lembrar que o próprio Dylan já fazia shows antes dos 20. Se Mallu tem de se apresentar no Ibirapuera e não no palquinho da escola ou do bairro, não é só questão de culpa ou cumplicidade, mas reflexo da época em que vivemos – Mallu não é a primeira (lembra do Michael…), não vai ser a última.
Mallu não foi forçada a cantar, ela não compõe por pilha alheia, não é obrigada a continuar artista – ela faz porque gosta. Pode ser que depois jogue tudo para o alto e vire dona de casa, o ponto não é esse. Tem mais a ver com o papel do artista no século 21, que está deixando de virar essa deformidade genialesca inventada pela indústria cultural (gente que precisa de “tempo para criar”, “silêncio para pensar”, limusine-cinco-estrelas, ó quão especiais) para se tornar característica do dia-a-dia de cada um. Se ela é um gênio, um prodígio ou só mais uma menininha sem graça, isso não interessa (ao menos, não a nós). O que importa é que ela é parte de uma mudança de lógica que já está em curso há pelo menos dez anos e não é registrada pelo jornalismo cultural, afinal, ainda precisamos de ídolos e de descobrir os novos Beatles e os novos Caetanos.
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