Economia na prática

Mais uma matéria desenterrada: este foi o primeiro frila que fiz pro falecido caderno Mais!, da Folha de S. Paulo, uma entrevista com a Diane Coyle, publicada no dia 18 de julho de 2004. que lançava seu Sexo, Drogas e Economia no Brasil, na época. E escolheram essa foto aí embaixo pra ilustrar o bate-papo.

Economia das trocas simbólicas
Para a teórica e apresentadora da BBC Diane Coyle, empresas pontocom não perceberam a tempo as diferenças entre mercados real e virtual

No primeiro capítulo, depois de incluir modelos seminuas das páginas três dos tablóides ingleses e o porta-voz do primeiro-ministro britânico (por ter escrito contos para uma revista erótica) como integrantes ativos da indústria do sexo, Diane Coyle afirma que “a internet mudou o mercado de sexo”, que “a pornografia é, tecnicamente, um artigo de luxo” e que “o sexo ainda é um mercado em crescimento”, além de teorizar sobre o porquê de mais mulheres não trabalharem como prostitutas, devido à rentabilidade do negócio.

Traçando paralelos improváveis e analisando o jogo econômico dentro de universos cognitivos que fazem sentido ao cidadão comum, Diane Coyle explica conceitos básicos de sua área para tirar o ar de “ciência funesta” que a economia assumiu desde seus primeiros anos. Colunista do jornal “The Independent” (onde chefiou, entre 1993 e 2001, a equipe de economia) e apresentadora do programa da BBC “Analysis”, a inglesa é autora de “Sexo, Drogas e Economia” (ed. Futura, 320 págs., R$ 39,00), em que apresenta a economia sem os vícios do meio ao tratar temas corriqueiros como reflexos específicos de diferentes situações econômicas.

“Tenho tentado explicar o assunto a não-especialistas de formas diferentes por toda minha vida profissional -como professora em Harvard, para políticos, quando trabalhei no tesouro do Reino Unido, e para leitores, quando trabalhava em jornal diário. Então, em certo sentido, é o trabalho de uma vida!”, explica Coyle em entrevista por e-mail. “Eu espero que ele ajude as pessoas a superarem quaisquer tipos de medos que possam ter em relação à economia -que é tão divertida quanto importante”, diz.

O livro continua esmiuçando panoramas não muito caros à rotina da mídia econômica, mas deliciosamente ricos em possibilidades reais e inter-relações cotidianas. No capítulo sobre drogas, ela prova que a legalização destas pode ser rentável em diversos aspectos -do econômico ao humano-, enquanto explica o conceito de análise de custo-benefício. Didaticamente, Coyle analisa o consumo entre adolescentes para falar de mercado de riscos, compara a indústria fonográfica aos barões ladrões que construíram as ferrovias norte-americanas no século 19 e, no capítulo sobre tributos, não faz rodeios para dizer que “apenas as pessoas pagam impostos”.

Na paleta de Coyle, temas como ecologia, biotecnologia, governo, imigrações, inflação e macroeconomia são vistos por prismas pouco ortodoxos, como moda, cinema, computação, mercado de arte, telefonia, esportes, o que torna “Sexo, Drogas e Economia” convidativo principalmente para aqueles que vêem a economia com maus olhos. A autora falou ao Mais! sobre alguns desses assuntos na entrevista a seguir.

Por que a cultura popular parece ser um termômetro tão eficaz para as leis da economia, como a sra. mostra em seu estudo?
A economia é apenas uma forma de estudar a sociedade humana -sociólogos e antropólogos lidam com o mesmo assunto, mas com diferentes abordagens. Qualquer questão que envolva muitas pessoas -incluindo qualquer aspecto da cultura popular ou de política pública ou dos mercados de finanças- pode ser analisada do ponto de vista da economia. Para o livro, tentei escolher assuntos que poderiam interessar aos leitores, para não fazê-los desviar do caminho, como a maior parte dos livros de economia faz.

Por que mesmo os mercados como o do narcotráfico, obedecem de forma rígida às regras da economia, mesmo quando agem fora da lei?
As regras da economia são controladas pela mais rígida de todas as leis -a da natureza humana. Na verdade, uma das frentes mais empolgantes nesse assunto atualmente vincula a economia às biologias psicológica e evolucionária. A natureza humana opera em mercados ilegais -talvez até mesmo de forma mais forte do que em mercados legais- porque a questão do lucro é muito mais importante no negócio do crime.

Há algum evento recente que a sra. gostaria de ter incluído em seu livro?
Sim, eu gostaria de ter incluído algo sobre a Enron, a Parmalat e outros escândalos. Esse capítulo poderia falar sobre a importância da informação no funcionamento dos mercados, o papel dos incentivos nos pagamentos aos executivos e os sinais de perigo para que se fique atento à contabilidade das empresas.

Sobre a internet: por que algumas estratégias deram origem à bolha das empresas pontocom ao mesmo tempo em que comunidades auto-organizadas -como as de trocas de arquivos on-line de ponto a ponto (P2P), grupos e fóruns de discussão, grupos criados ao redor de programas de mensagem instantâneas (como ICQ e MSN Messenger)- são tão bem-sucedidas?
Os fracassos das empresas pontocom são decorrentes de três tipos de erro. Um foi pensar que os mercados na internet eram como os mercados fora dela, por isso as mesmas estratégias funcionariam. A indústria da música cometeu esse erro e não se adaptou ao modelo de negócio.
O segundo foi pensar que a internet era um veículo de transmissão como a TV ou o rádio -quando na verdade o conteúdo é menos importante para os usuários do que a habilidade de se comunicarem uns com os outros. As pessoas gostam de se comunicar, por isso o e-mail, as redes de P2P etc. são os vencedores -como os sistemas de mensagens eletrônicas SMS nos telefones celulares.
O terceiro erro foi recorrer a muito financiamento logo de início, quando a difusão via internet segue uma espécie de curva em “S”- devagar no início, se espalhando aos poucos pelo boca-a-boca e então explodindo algum tempo depois. Os custos têm de seguir esse mesmo padrão!

Gostaria que a sra. traçasse a relação entre os milhões de downloads de músicas feitos em programas como Napster ou Kazaa (de troca de arquivos via internet) e a falência do modelo “astro pop”.
Não sei se a era do astro pop terminou -alguns hoje têm o potencial de alcançar mercados verdadeiramente globais. Mas a tecnologia permite que tenhamos estrelas de “nicho”, pois os custos são mais baixos e é possível atingir um segmento específico dentro de um mercado muito maior.
Assistiremos a uma variedade muito maior dos tipos de música que são comercialmente viáveis.

Por que a música parece ser a área em que as novas tecnologias se saem melhor?
Não apenas música, mas também pornografia, jogos, remédios. Tudo aquilo que entope sua caixa postal de e-mails! Sexo, entretenimento e estratégias de enriquecimento rápido: voltamos à natureza humana.

E qual é o papel da genética em termos econômicos?
A tecnologia genética está se tornando largamente importante -será um mercado vasto. É baseada em ciência da computação -pois não é possível seqüenciar genes sem computadores baratos e poderosos-, mas irá envolver questões que dizem respeito às nossas vidas. Eu estou muito preocupada com o conceito de propriedade intelectual, por meio do qual as empresas de biotecnologia estão garantindo seus lucros. O benefício social de algumas descobertas será muito maior que o benefício privado -os remédios contra a Aids são um exemplo-, e precisamos descobrir um modelo melhor que o sistema de patentes vigente para tornar a tecnologia amplamente disponível, encorajando, ao mesmo tempo, a inovação.

Como o “economês” e recentes desastres financeiros ajudaram a derrubar a reputação da economia como ciência?
A economia acadêmica é por vezes é muito específica. Há muito jargão e muitos economistas ruins falando bobagens na TV. Eu queria que os entrevistadores desafiassem o jargão vez ou outra e pedissem para que o economista renomado explicasse o que ele quer dizer. Meu livro mostra que é possível explicar economia em termos diretos.
Existe um outro fator, no entanto. A reputação da economia também sofreu devido ao fato de outros tipos de intelectuais não acreditarem ser possível aplicar métodos da ciência à sociedade. Eles preferem uma abordagem mais literária ou cultural.

O mercado realmente age como um ser vivo ou isso é apenas uma boa metáfora?
Pode ser elucidativo pensar no mercado como uma estrutura social, como um formigueiro. Na verdade, isso nos afasta de conversas a respeito do “mercado” na forma abstrata. Mercado é o sistema de relações entre as pessoas, e as regras sociais dos mercados são muito importantes para que ele funcione.

Já que a sra. se refere à economia como sendo uma filosofia, acreditaria que possibilidades utópicas ou distópicas, como sociedades sem classes ou o colapso financeiro mundial, são apenas ideais e intangíveis?
O século 20 foi uma demonstração dos perigos da tentativa de aproximar a sociedade de um ideal abstrato, de qualquer forma. Meu tipo de economia é uma filosofia bem pragmática, que não almeja um mundo ideal, e sim fazer melhorias neste em que vivemos a partir das evidências disponíveis.
John Maynard Keynes é famoso por ter dito que, quando as evidências mudassem, ele mudaria de idéia -e por isso era um economista formidável.

Milosevic Garage

Ondas rebeldes

“Rádio Guerrilha” narra a Guerra da Bósnia a partir das emissões de uma emissora alternativa

Era 1992 e o tempo fechava sobre a ex-Iugoslávia. Com seu comandante eleito, o ex-comunista Slobodan Milosevic a atiçar velhas rixas étnicas em nome do renascimento quase sagrado de uma Sérvia ancestral, um lento e doloroso Vietnã começava a ser desenhado no mapa do Leste Europeu, recém-ingresso no mundo capitalista após a falência do sistema soviético.

Na contramão dos países que antes formavam a Cortina de Ferro, o antigo império dos Balcãs entrava em uma ditadura arcaica, que fingia não interferir no nacionalismo extremo e no genocídio desenfreado, quando, na verdade, era seu principal incentivador. E sob aquele clima de paranóia, perseguição e proibição que acompanha qualquer guerra, uma pequena rádio jovem resistia bravamente à programação de mídia estatal e à agenda de Milosevic, intercalando relatos e depoimentos da linha de frente do campo de batalha com doses cavalares de Clash, Pixies, Public Enemy e Sonic Youth.

Versão chapa-branca
Até que, um dia, seus ouvintes se deparam com outra rádio, embora atuando sob o mesmo nome. Fora o pop barulhento vindo do exterior e o dedo na ferida de seu noticiário; em seu lugar, canções tradicionais e hinos militaristas se alternavam com versões chapa-branca para os acontecimentos no país.

A conclusão dos ouvintes foi inevitável: censuraram a rádio. E eles passaram a ligar para a emissora, quando eram atendidos por uma telefonista igualmente correta, que apenas dizia que a rádio era a mesma, mas havia mudado um pouco.

Depois de quase um dia inteiro de reclamações, o diretor da rádio, o jornalista Veran Matic, baixou a guarda e revelou que tudo não passava de uma brincadeira baseada nos rumores de que a rádio seria fechada.

Foco de resistência
Voltou a tocar, no dia seguinte, sua programação normal, incluindo os telefonemas dos ouvintes indignados com a mudança editorial de mentira. Só uma coisa mudou: seu slogan passou a ser “não confie em ninguém, nem na gente”.

Esse é um dos inúmeros “causos” reunidos no livro “Rádio Guerrilha – Rock e Resistência em Belgrado”, do inglês Matthew Collin, que conta a história da emissora B92 -depois, B2-92-, uma brincadeira de estudantes de comunicação que se tornou um dos principais focos de resistência política quando o horror da guerra assolou a velha Iugoslávia.

A rádio foi criada em 1989 como uma espécie de paródia às comemorações do aniversário do antigo líder comunista Tito, morto em 1980, para ter apenas duas semanas de existência. Mas a brincadeira deu gosto e logo a rádio continuaria com duas frentes que se bicavam: a do jornalismo independente e a da rádio rock. A fonte de atrito vinha do jornalismo da emissora, que achava que a rádio tinha uma programação musical extrema, que repelia ouvintes em potencial.

Mas prevaleceu a visão de Veran Matic, estudante de literatura que abandonou a vida acadêmica para dedicar-se ao jornalismo na prática. Ele acabou como uma das principais vozes do programa de rádio dos anos 80 “Ritam Scra”, que, ao lado do núcleo de jornalismo Index 202, tornou-se a base da B92.

Com pouco mais de 30 anos, boêmio e afeito ao amadorismo radiofônico por definição, Matic era um crítico de música respeitado que aos poucos se tornou um dos principais líderes de uma geração esmagada pela guerra -embora rejeitasse sempre esse papel.

Conglomerado de mídia
Cabeça da emissora, ele foi o responsável por mantê-la sempre à frente de sua época -tanto de seus detratores quanto de seus fãs- e por transformá-la num pequeno conglomerado de mídia alternativa, com editora, gravadora, emissora de TV e centro cultural.

Era um dos homens de mídia mais respeitados dos Bálcãs, a despeito das tentativas de interromper suas atividades. Ao acompanhar a saga da rádio, Collin, autor do ótimo “Altered State – The Story of Ecstasy Culture and Acid House” (Estado Alterado – A História da Cultura do Ecstasy e da Acid House), aproveita para contar a Guerra da Bósnia de uma forma simples e enxuta, ao mesmo tempo em que descreve a degradação e queda de Belgrado como amostra do que a guerra pode fazer a um país.

Mas tudo isso com um texto leve e bem-humorado -por vezes cínico- que equilibra tão bem as melhores qualidades da rádio: relatos pop disfarçados de jornalismo e jornalismo disfarçado de relato pop.

RÁDIO GUERRILHA – ROCK E RESISTÊNCIA EM BELGRADO
Autor: Matthew Collin
Tradução: Marcelo Orozco
Editora: Barracuda (tel. 0/xx/11/3237-3269)
Quanto: R$ 44 (336 págs.)

Essa matéria saiu na Folha de hoje, no Mais!. Vale ir atrás, o livrinho é istaile…