Ma Che!
O Doria começou questionando uma reportagem da Veja sobre o Che Guevara (sobre a forma que a reportagem foi conduzida, mais propriamente) e foi espinafrado pelo bedéu da revista. Sem balançar a sobrancelha, como lhe é caraterístico, Doria responde e eu o cito:
O caso de Reynaldo Azevedo é diferente de Schelp. Este tem por função entrar mesmo nestas polêmicas e argumenta como lhe é típico: quando o debate é impossível de ser encarado, parte-se para lidar com os acessórios. Nos EUA, isto tem nome e há especialistas do ramo. São os spin doctors. Daí, que se debata a tradução, alguma questão ética imaginária, que se insinue que um repórter sênior da New Yorker, uma das revistas mais influentes do mundo, sentirá falta de ver seu nome em Veja.
Veja já foi a quarta revista mais vendida do mundo – hoje, deve estar entre a quinta e a sexta. Já foi uma revista indispensável. Veja foi uma revista que pautou a discussão no país. Há capas memoráveis – a do aborto, por exemplo, com incontáveis mulheres contando suas histórias pessoais; a entrevista de Pedro Collor que disparou o processo de um ano que culminaria com o impeachment de seu irmão.
Não foi sempre assim: o conceito de uma revista séria e rigorosa, com o noticiário semanal, era novo no Brasil de quando ela veio às bancas. Durante uma década, deu prejuízo. Quase quebrou a Abril, até então uma editora de pouca influência. Mas, aos poucos, Veja tornou-se indispensável. São muitos anos de trabalho para construir influência. Influência jornalística é ganha com trabalho sério, no dia-a-dia e chega apenas muito lentamente.
Jornal e revista também são produtos de hábito. Leitores cariocas por certo reconhecerão o exemplo do Jornal do Brasil. Foi um grande jornal, influente, importante. Começou seu lento processo de decadência há uns quinze anos. Mesmo quando já era evidente que o JB não era mais o mesmo, muitos leitores continuaram o comprando. Aí foram perdendo o hábito. A influência é perdida quando, dia após dia, semana após semana, o veículo vai provando que simplesmente não é mais o que foi.
Um veículo de comunicação constrói uma comunidade. É o comentar ‘você viu a Revista de Domingo ontem?’, ‘você viu aquela matéria no Fantástico?’ O veículo é relevante quando sugere o assunto, influi na conversa pública, dá a seu leitor ou espectador a percepção de que ele está informado, que tem assunto, que está capacitado a formar opinião, preparado para a conversa e o debate.
Influência, este espaço na formação do debate público, demora muito tempo para ser construída. Depois que foi, a influência pode ser mantida ou não. Não é de uma hora para a outra que a influência é perdida – mas, depois que foi, não há quem a reerga. É este o patrimônio que Veja tem e está, muito lentamente, dilapidando.
Aos poucos, muito aos poucos, começa-se a ouvir o seguinte comentário nas ruas: ‘você viu aquela matéria na Época?’ Não é questão de ser de esquerda ou ser de direita, este é um debate que interessa apenas a meia dúzia de leitores. A questão é aquela curiosidade inicial que leva o jornalista à rua. Ele não tem uma tese para comprovar, tem dúvidas. Está disposto a ser convencido, de apresentar tantos lados de uma história quantos possa haver.