Eu já até tinha falado da conexão Rivers-Cuomo/Lost há mais de dois anos, mas isso já é ridículo:
E, sim, o disco chama-se Hurley.
RESPOSTAS! RESPOSTAS! RESPOSTAS! RESPOSTAS DE PIRACICABA! O PURO CREME DA DHARMA!
Prepare os berros e corra antes que tirem do ar:
O Daniel e o Guilherme acabaram de me avisar: vazaram os onze minutos extras que virão no DVD. Incrível com alguns minutos com esses personagens parece nos trazer um sentimento que já julgávamos… perdido.
E aproveitado essa vaibe, alguém aí aguenta ler algo sobre o último episódio? Então segura a maior resenha que já fizeram pro The End.
Tava com saudades? O DVD da última temporada vem aí… E caso você ainda tenha disposição, neste link você pode ler a maior resenha que já fizeram para o último episódio da série. Namasté!
Minha carta ainda vem com um #tboy a tiracolo: eis a atriz que foi Kate Austen ao lado de seu parceiro de série e de vida Dominic Monaghan. A dica veio do Guilherme – e segue o jogo!
Lost seguia a lógica de entretenimento de uma montanha-russa. Quanto mais loopings tivesse um episódio, mais querido pela audiência ele seria. E o último episódio teve tanto disso que muita gente tá vomitando até agora.
O programa foi fiel ao seu preceito mais básico, o de não explicar coisa nenhuma. Desse jeito, as discussões sobre o final da série vão muito além do “gostei / não gostei”, o que condiz bem com o que foi Lost durante essa formidável jornada.
Outro detalhe incrível foi que Lost evidenciou a fraqueza do ensino básico brasileiro, levando em consideração a dificuldade de compreensão a respeito do momento em que os personagens estavam vivos ou mortos.
Para ajudar no brainstorm do Matias, incluo aqui uma canção do grupo Pixote que, no final dos anos 90, já anunciava como seria o final de Lost. Prestem atenção na letra.
* Chico Barney escreveu este texto pra cá.
Só falta o Comentando Lost entrar no ar para fecharmos de vez a tampa do Lost. Mas como eu avisei, o ritmo do Trabalho Sujo segue devagar porque daqui a pouco – antes da Copa? Espero – temos grandes novidades aqui nOEsquema. Essa semana também sigo no ritmo lento, sem pressa pra nada, Twitter desligado a não ser bata a saudade e Vida Fodona reposicionado às terças-feiras.
Certo? Já já eu volto…
Foi certo Lost terminar como uma grande novela das oito. Afinal, a série foi isso durante estes seis anos, é por isso que ela conseguiu o alcance que teve. Se não tivesse o elemento Janeth Clair (mais do que Manoel Carlos ou Gloria Perez, como alguns citaram, meros amadores na arte cada vez mais, er, perdida de escrever uma telenovela), Lost seria uma série que falaria com um público específico, uma tribo. Seria cult, alternativo, cool, nerd – seria uma realidade paralela. Como toda a obra de J.J. Abrams, Lost pegou uma fração específica de um nicho e deu-lhe uma noção épica, monumental. “Dar tratamento A à cultura B”, como ele mesmo diz, com freqüência. E quando pensamos que Lost é uma mistura de Além da Imaginação com um reality show numa ilha deserta, tendemos a nos animar com o lado do seriado de Rod Serling, esquecendo que é a novelinha e os personagens que tornam a série tão importante.
Essa história foi encerrada em The End, seu último episódio, que junto também trouxe uma pontada de frustração por não responder as tais inúmeras perguntas abertas pelo seriado semanalmente. Mas como Across the Sea, o antepenúltimo episódio, que já havia causado cisão entre os fãs, The End não estava preocupado com as respostas. E, como em quase toda duração da série, ambos episódios não esclareceram nada, funcionaram apenas como uma amostra do poder narrativo de Lost, enfileirando questionamentos vagos à medida em que traduzia os sentimentos dos protagonistas – que poderiam ser resumidos no título da série, a sensação de estar perdido, e não apenas geograficamente.
Este sentimento não era exclusivo dos personagens – era também nosso. Passamos seis anos perdidos numa ilha maluca que muito de vez em quando dava alguma amostra de racionalismo. Seis anos perseguindo números, constantes, equações, cronologias, efeitos especiais, coincidências e linhas do tempo que nos fizeram crer que a ilha fosse o paraíso perdido, uma nave espacial, o oco do planeta, uma dimensão alternativa, um estado de espírito, uma anomalia eletromagnética, um lugar místico. Ilha que já colheu gente de todas as épocas e lugares – de adoradores das divindades do Egito antigo a cientistas e militares norte-americanos – e que por seis anos (três, na contagem cronológica da série, entre 2004 e 2007) foi palco para o drama dos passageiros do vôo 815 da Oceanic Airlines. E para o nosso drama também, como telespectador.
Eis o trunfo de Lost: nos colocar como participante da viagem. O tempo todo sabíamos que o que acontecia na ilha era ficção, não havia como confundir ator com personagem e havia um próprio subtexto na produção da série – o blog de Hurley, a transformação de Damon e Carlton em ícones pop, as entrevistas de Michael Emerson – que fazia questão de nos lembrar que estávamos apenas acompanhando uma novela e que o ator que fazia o vilão não era, de verdade, um vilão. Por mais ridícula que esta afirmação possa parecer, lembre-se que estamos na era dos reality shows e torcidas são organizadas em torno do caráter – ou a falta de – de qualquer participante deste tipo de programa, esteja cantando, dançando, cozinhando ou simplesmente discutindo o nada com outros tipos sem graça.
Lost esfregava ficção em nossa cara ao mesmo tempo que nos deixava tão atônitos quanto o estado de seus personagens. E enquanto os personagens só começaram a experimentar as viagens no tempo a partir da quinta temporada, nós estamos sendo submetidos, desde a primeira, a flashbacks e flashforwards na vida de cada personagem, que nos deixaram tão desorientados a ponto de sermos lindamente driblados no final da terceira temporada.
The End nos ajudou a nos reencontramos com a essência de cada personagem – explicando, assim, a função dos flashsideways. Mais do que o “purgatório” visto com esgar pela parte dos fãs do seriado que se sentiram traídos, a realidade paralela criada nesta temporada serviu para que voltássemos a nos encontrar com os personagens da primeira temporada, aqueles que foram importantes no período em que Jack esteve na ilha (que, não custa lembrar, existiu, existe e continua existindo – a ilha em si não é um purgatório, como interpretações ainda mais apressadas tentaram provar). Os personagens que deram origem à história que assistimos.
Aos que reclamaram do final, exigindo respostas, não custa lembrar que a ficção científica também aborda a questão do pós-vida e que a metáfora de uma realidade exatemente idêntica à que vivemos é tema recorrente até neste meio. É uma ficção científica, no entanto, espiritualizada e epitomizada em um autor que, de tão específico, não pertence a nenhuma escola: Philip K. Dick. PKD usava ficção científica para discorrer sobre filosofia e, mais tarde em sua bibliografia, espiritualidade. Viciado em drogas para manter-se acordado e escrevendo, K. Dick teve a própria sanidade posta em xeque quando, no meio dos anos 70, viveu um delírio em que acreditava viver duas épocas ao mesmo tempo (história que o R. Crumb conta com maiores detalhes na tradução que fiz para A Experiência Religiosa de Philip K. Dick). Profundamente abalado por estas visões, K. Dick passou a buscar o sentido da vida em livros quase cifrados – como Ubik e Valis -, em que discorre sobre o que acontece depois da morte indo para além das metáforas religiosas, mas sem se distanciar das referências terrenas. Daí a igreja com seu vitral ecumênico na última cena.
Mas Lost não terminou de maneira espiritualizada e mística, pura e simplesmente. Retire todos os flashsideways e a rendenção final de Jack Shephard e eis a história dos passageiros do Oceanic 815 na ilha, contada desde sua queda até a fuga. Do confronto final entre Jack e Locke (na mesma chuva negra do último duelo entre Neo e Smith em Matrix Revolutions, a série se autoironizou até os últimos minutos) ao sacrifício feito por Jack (Donnie Darko feelings) para restaurar a luz do coração da ilha (puro Disney) até o último fechar de olhos na última cena, toda a história do Jacob e de seus candidatos foi contada. Alguns morreram, outros fugiram, mais outros ficaram. Sem o flashsideways, no entanto, não teríamos a citação de Ben e Hurley à série O Prisioneiro, ao se referirem como “número 1” e “número 2” e saudarem-se com um parente do “be seeing you” – e fico imaginando a reação de quem não gostou do fim de Lost com o fim do Prisioneiro (não o remake americano, tou falando do original inglês)…
(Lost ainda termina com a troca de cargo, deixando o pacato Hurley para tomar conta da ilha que equilibra a bondade do mundo. Há um subtexto maior aí, de que o mundo em que vivemos era regido por um personagem em plena vingança contra seu irmão – e que agora está nas mãos de um gordo gente boa.)
Assim, Lost não foi só uma história que ouvimos, mas que vivemos. Uma experiência coletiva que gerações seguintes apenas poderão imaginar – e comemorar quando, décadas no futuro, alguém explicar os números ou a segunda canoa ou quem é aquele povo dizimado pela mãe dos gêmeos ou contar a história dos DeGroot, entrando assim, para um cânone que começou quando ele nem havia nascido. Quando resumirem Lost em uma frase no futuro (“todos morrem no final” – mas esse não é o spoiler da vida?), a ironia por vir não dará conta das teorias imaginadas e da busca por referências, numa capa de livro, num recado por escrito, num gesto, que vivemos nos últimos seis anos. Lost foi como se pudessem medir a audiência de um seriado que era ao mesmo tinha a densidade dramática de um seriado novelesco (pense em A Sete Palmos) e tensão paranóica e pseudocientífica de uma série geeek (por exemplo, o novo Battlestar Galactica) segundo a segundo, mesmo após a exibição dos episódios. Mesmo após a exibição do último episódio.
Foi bom enquanto durou. Agora, como nos avisaram, é hora de deixar ir – e seguir em frente.
Vambora.
E assim fechamos o Comentando Lost para sempre. Como o episódio foi duplo, usamos a divisão do torrent e separamos as duas partes em dois programas, para não dar problema pra quem baixou dois arquivos separados do episódio final. Satisfeitos com a jornada, eu e Ronaldo comentamos o que os caras quiseram dizer com tudo aquilo, com os flashsideways, com a igreja no final, com o último vôo. Siga-nos. Semana que vem voltamos com outra coisa, completamente diferente, mas bem parecida. Vambora.
Alexandre Matias & Ronaldo Evangelista – “Comentando Lost: The End – Parte 1 e 2“
Citando Fellini:
Você fez a coisa certa. Esse é um grande dia pra você. Foi uma decisão difícil, eu sei. Mas nós, os intelectuais – porque eu te considero um -, temos o dever de permanecer racionais até o mais amargo fim. O mundo já está lotado de coisas supérfluas – não há sentido em adicionar mais uma na multidão.
Afinal, perder dinheiro faz parte do trabalho de um produtor… parabéns, não havia alternativa. Ele teve o que mereceu por embarcar tão levianamente em tão frívola aventura. Não tenha receio ou arrependimento. É melhor destruir do que criar, quando se falha em criar aquilo que é mais essencial.
Além disso, há realmente algo que seja tão claro e justo a ponto de ter o direito de existir? Um filme ruim é simplesmente um problema financeiro para ele. Mas para você poderia ter sido o fim. É melhor deixar as coisas irem embora e jogar sal sobre elas como os antigos faziam para purificar os campos de batalha… afinal, tudo o que precisamos é um pouco de higiene, limpeza, desinfetante… porque estamos sufocados por palavras, imagens e sons que não têm razão de ser… que vêm de lugar nenhum e vão para lugar nenhum. Um artista que seja realmente digno do nome deveria ter de realizar um único ato de lealdade: restringir-se ao silêncio. Lembra-se da eulogia de Mallarmé à página branca…?…– Nós estamos prontos para começar!… Todas as minhas felicitações!
– … se não se pode ter tudo, nada é a verdadeira perfeição. Perdoe-me essas citações, mas nós críticos fazemos o que podemos. Nossa verdadeira missão é limpar os inúmeros abortos que obscenamente tentam invadir o mundo. E você gostaria de deixar atrás de si nada menos que um filme inteiro, como um homem coxo deixaria impressas suas pegadas deformadas? Que presunção monstruosa crer que os outros se beneficiariam de alguma forma do esquálido catálogo dos seus erros. Por que você deveria se importar em costurar os retalhos da sua vida, as vagas memórias e os rostos das pessoas que você nunca foi capaz de amar?
– “O que é esse clarão de alegria que está me dando nova vida? Por favor me perdoem, doces criaturas. Eu não me dei conta, eu não sabia… Como é certo aceitá-los, amá-los. E como é simples! Luisa, eu sinto como se tivessem me libertado. Tudo parece lindo, tudo tem um sentido, tudo é verdade. Ah, como eu queria poder explicar…! Mas eu não posso… e tudo está voltando ao que era. Tudo está confuso novamente… mas essa confusão sou eu. Como eu sou, não como eu gostaria de ser. E, agora, não tenho medo de contar a verdade, o que eu não sei, o que eu procuro. Só assim posso me sentir vivo e olhar nos seus olhos fiéis sem sentir vergonha. É uma festa, a vida. Vivamo-la juntos. Não posso dizer mais nada, para você ou para outros. Aceite-me como eu sou, se puder. É só assim que nos podemos tentar encontrar um ao outro”.
– Não sei se você está certo. Mas posso tentar, se você me ajudar.
Sim, é uma comparação hiperbólica e aparentemente absurda. Mas não, não é paródica. Eu realmente acredito na semelhança entre os dois. Não me parece uma associação infundada. Porque ambos realmente me atingem de maneira parecida, as duas cenas me causam reação similar (sim, sim – as lágrimas).
Claro, o final de Fellini é perfeito, genial, obra-prima. E o de Lost tem algo de brega, de over, de desajeitado, de confuso. “Mas” – foi o próprio Fellini quem o disse, e eu não poderia pôr de outra maneira – “essa confusão sou eu”.
* Gabriel citou este trecho em seu blog.