Lost por Cris Dias

, por Alexandre Matias

Falta pouco! Mais exatamente faltam duas horas e meia para o fim daquela que — mesmo que muita gente discorde comigo ao chamar de A Melhor Série da História da TV de Todos os Tempos Ever — mudou a maneira de se contar histórias seriadas na televisão.

Se existe uma coisa que resume Lost em uma palavra é: perguntas. Há uma lista quase que oficial delas e uma maior de perguntas que provavelmente nunca serão respondidas. Enquanto muitos acham que não responder todas elas é motivo certo de decepção quando domingo acabar. Já os roteiristas apostam que muito pelo contrário, responder a todas as perguntas, seja em duas horas e meia ou ao longo de seis anos, é a pior coisa para a série. O segredo de Lost está no chamado espaço negativo literário.

O conceito de espaço negativo é mais famoso nas artes visuais. Dominar o espaço não ocupado pelo seu desenho é, segundo os mestres, tão importante quanto o desenho em si. Algumas obras usam propositalmente o espaço negativo para mostrar uma coisa que você não vê inicialmente. Mas ao contar histórias, especialmente histórias fantásticas como Lost, o espaço negativo literário também é uma ferramenta importantíssima.

O pesquisador do MIT Geoffrey Long contou, quando esteve no Rio para participar do Descolagem ano passado que um dos maiores motivos de ser completamente vidrado em Star Wars foi todo o espaço que George Lucas deixou para a imaginação da molecada. “A gente passava o recreio inteiro discutindo quem era Boba Fett. Eu achava que ele era um irmão perdido de Han Solo.” Por anos a imaginação dos fãs ficou criando uma história para o caçador de recompensas até que um dia, ao lançar o Episódio II: Ataque dos Clones descobrimos quem era Fett… e provavelmente todo mundo achou a explicação uma porcaria. (o filho-clone do Jango Fett? Sério Jorge?)

Ao deixar partes da história no espaço negativo os criadores de Lost sabem que não é uma questão de competir com a versão que as pessoas tem na cabeça para uma resposta. Eles estão competindo com o processo de imaginar e discutir com os amigos o que cada mistério significa. Revelá-lo vai simplesmente acabar com essa conversa. É muita crueldade, é pior que vinte Jar Jar Binks.

No penúltimo podcast oficial de Lost Damon Lindeloff e Carlton Cuse nos convencem de que não queremos saber exatamente o que é a Ilha, o que é ser um candidato e ter cada mistério explicado. Outros já fizeram exatamente isso antes e falharam. “Nós não vamos ter uma cena do arquiteto como em Matrix: Revolutions.”

Matrix, uma série de filmes também cheia de mistérios e revelações teve aquela que provavelmente foi a cena mais chata da história do cinema pop onde um personagem barbudo explica tim-tim por tim-tim — por quase oito minutos! — para o herói que porcaria toda era aquela. Não só a resposta era pra lá de caída como a explicação era tão chata e professoral que provavelmente ninguém conseguia lembrar exatamente o que era aquilo tudo depois dos créditos finais.

No livro oficial da criação de conteúdo transmídia — escrito pelo professor de Geoffrey Long — Matrix é um exemplo (agora) acadêmico de como não se contar uma história. E Lost, que estava começando a ser exibido quando o livro foi escrito, um exemplo de como contá-las bem, com ou sem espaço negativo.

Lost parte do princípio de que tudo que o espectador vai fazer é assistir os 45 minutos semanais de conteúdo e, se gostar do que viu, comentar com os amigos. Lost não requer, como Matrix, que você jogue o videogame, veja os curta-metragens animados ou leia os gibis empacotados exclusivamente junto com embalagens de cereal Acme vendidos apenas nos Kwik-E-Mart vendidos no lado norte de Springfield.

Se você quiser participar do ARG, contribuir para a Lostpedia, ouvir o podcast oficial, ir na Comicon… ótimo, você terá uma experiência muito mais legal do que os meros mortais que só ficam na frente da TV. Mas os produtores nunca se esquecem que, no fim das contas, a maioria das pessoas fica na base dessa pirâmide do engajamento e o conteúdo dado a elas deve ser mais do que suficiente para deixá-las vidradas por seis anos na série.

Sim, é importante saber quem vai substituir Jacob, o que são os flash-sideways e por que Rodrigo Santoro precisava ficar indo ao banheiro toda hora. O resto fica por conta do espaço negativo. Aliás, deixa eu contar minha teoria de quem é o Homem de Preto…

* Cris Dias é outro que também é dos tempos da internet a diesel no Brasil…

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