Lost: Jughead

, por Alexandre Matias

Bombando

Ok, começou pra valer – e se você não tiver assistido o terceiro episódio da nova safra de Lost, sai fora, porque daqui pra baixo o assunto é só pra quem já está alinhado com o resto do seriado. Como eu tinha dito, os dois primeiros capítulos que inauguraram a nova fase da história dos passageiros do vôo 815 funcionaram como um imenso “previously on Lost”, feito para caso algum louco se disponha a começar a assistir a história agora sem ver nada antes ter algum chão onde pisar. As duas cenas principais do episódio duplo mostram o cientista Chang em contato com propriedades até então desconhecidas da ilha maluca e a cientista Ms. Hawking fazendo cálculos e projeções para determinar onde a maldita ilha pode voltar a aparecer. Unidas pela frase “Deus nos acuda”, dita em timbre solene pelos dois personagens bissextos em suas respectivas cenas, elas nos ajudam a entender que o ano do seriado será racional e paranóico, frio, calculista, mas à beira de um ataque de nervos. Jughead, o episódio de quarta passada, foi a confirmação que este é o tom de Lost em 2009.

Porque é quando começamos a compreender uma história que foi apenas citada nos primeiros capítulos: o que está acontecendo com a ilha? Tudo bem, não precisamos de explicações propriamente científicas para descrever a situação. O próprio Faraday usou a metáfora do disco arranhado para explicar que a ilha está pulando por épocas diferentes, aparentemente sem destino estabelecido. Enquanto já entendemos que no 2007 dos Oceanic Six (sequer citados no episódio) Ben tenta trazer todos de volta para a ilha, outra enorme lacuna começa a ser preenchida e ela diz respeito às pessoas que ficaram lá.

Jughead nos leva para 1954, cinqüenta anos antes do vôo 815 cair na ilha, e para um tempo em que os Outros eram os únicos donos do pedaço. A Dharma não existia e o aparentemente imortal Richard Alpert reina absoluto, baixando o sarrafo em que se atreva a entrar lá. É para lá onde Faraday, Miles, Sawyer, Juliette, Locke e Charlotte vão, separados, confrontar-se com os Outros. Mas um deles já tinha ido para aquele ano – Daniel Faraday é recebido por uma jovem soldado chamada Ellie que o recepciona com um “você de novo?” e mais tarde é confrontado por Alpert sobre uma bomba que ele teria trazido em outra época para a ilha. Quem é essa moça? O nome dela evoca dois personagens citados pela série: o rato com que Faraday fazia suas experiências de viagem no tempo (batizado Eloise) e uma certa francesa, cujo prenome, Danielle, não pode ser encurtado como “Dani” e sim como…

E assim Ellie acompanha Faraday para desmontar a bomba que batiza o episódio. É interessante notar que Daniel, aos poucos, torna-se outro personagem: mais esperto, dinâmico, disposto, longe do Faraday assustado, ansioso e desmemoriado da temporada passada. E quando encontramos a tal bomba, Jughead está pendurada num andaime de forma que qualquer movimento brusco a faça sofrer uma queda curta o suficiente para detoná-la. Nem vamos entrar no mérito de como é que ela foi parar ali. Mas logo depois Faraday fala em enterrá-la com concreto e chumbo, o que nos cogita a possibilidade da tal energia bruta que causa as viagens do tempo vir da própria bomba. E que talvez a escotilha que Desmond tomava conta regulasse, de alguma forma, a energia vinda dela. A bomba aparece e desaparece da mesma forma – num susto. Mas é apresentada como uma imagem forte, mais um ícone emblemático para o cânone da série: uma bomba H armada a alguns centímetros do chão.

Se o episódio da semana passada não nos trouxe nada dos Oceanic Six, a ação fora da ilha ficou por conta de Penny e, principalmente, Desmond, que sabemos que tornam-se pais de uma criança chamada “Charlie” – e aqui também vale esquivar-se da possibilidade do garoto ser um dos Charles da trama antes de voltar para o passado (o roqueiro Charlie e Charles Widmore, pai de Penny – hein? Penny é mãe do próprio pai?). Ao perceber que a cena de Faraday pedindo para buscar sua mãe era uma lembrança e não um sonho, o escocês sai por Londres em busca de uma mulher que não sabe o nome. Busca por Daniel e descobre que o cientista nunca foi vinculado oficialmente a Oxford, apenas manteve suas pesquisas num quarto abandonado, sem a universidade ser avisada. E de lá conhece a história de uma mulher que, num aparente coma, foi abandonada por Faraday em meio a experiências – e fica sabendo que seu sogro, Charles Widmore, bancava as pesquisas de Daniel. Widmore encerra o papo dando a Desmond o paradeiro da mãe de Daniel (Los Angeles, onde estão os Oceanic Six), deixando a trama ainda mais entrelaçada. E tudo nos leva a crer que Ms. Hawking (cujo prenome, descobrimos através da legenda da reprise episódio The Lie, reexibido antes de Jughead, é Elloise) é a mãe de Daniel. Mas tem algo de errado aí – esse mistério me parece nada misterioso dado o histórico de Lost. Parece que tudo está entregue de bandeja: Ms. Hawking é a mãe de Faraday e a jovem Ellie em 1954. Está tudo muito fácil pra ser verdade.

Jughead também inicia a saga que talvez deva ser o centro da quinta temporada – como Locke torna-se o líder dos Outros e o que acontece para ele assumir uma nova identidade e sair da ilha (rodando a frozen donkey wheel?) em busca dos seis sobreviventes que deixaram a ilha em dezembro de 2004. O primeiro passo foi dado com um truque que o Locke do início da série nunca imaginaria – mas depois de tanto apanhar mentalmente de Ben, hoje John consegue mentir e jogar o verde para ter o que quer. E assim cita Jacob como se fosse velho conhecido ao mesmo tempo em que avisa para Alpert assistir seu nascimento, episódio que vimos na quarta temporada. As pontas vão lentamente se amarrando enquanto outras surgem discretas – aprendemos que os Outros usam o latim como língua principal e que Alpert é “velho”, num sentido muito amplo, o que nos abre a chance dos Outros existirem a talvez milênios. E a grande revelação do episódio veio quase corriqueira: Widmore era um Outro. E a aparição de Locke afirmando ser o próximo líder abalou tanto a firmeza de Alpert quanto a esperança do próprio Widmore assumir o comando – o que pode explicar toda sua obsessão com a ilha, desde o fato de não poder retornar para lá quanto a possibilidade de reencontrá-la. Assim, a disputa parece polarizada entre Widmore e Ms. Hawking, como se a briga entre o casal (pais de Faraday?) fosse o ponto de partida para o jogo de poder em que tanto os Oceanic Six quanto Benjamin Linus são apenas peões.

O que nos leva a Daniel Faraday. Quem é esse sujeito? Ele trabalhava na universidade de Oxford, mas em um quarto de limpeza, usando o cômodo para tocar pesquisas de viagem no tempo e batizou uma ratazana de laboratório com o nome de sua mãe? E por que ele estava chorando em sua primeira aparição na série? E seus problemas de memória, se foram? E a mulher em coma em Londres, qual sua relação com ele? Por que ele trabalha para Widmore?

Para mim, a pergunta central em relação a Daniel Faraday é a de época que ele veio. Desde o início da temporada passada, os cinco tripulantes do cargueiro que chegaram a ilha pareciam ser contemporâneos dos sobreviventes do acidente com o vôo 815, mas na primeira cena dessa temporada vimos Daniel Faraday em plenos anos 70, com a mesma cara e idade de hoje em dia. E em Jughead, tanto Ellie quanto Alpert indicam conhece-lo – e mais, que ele seria o responsável pela bomba colocada na ilha.

Minha teoria: Faraday era um zé-mané da Dharma que, com algum conhecimento em física, conheceu (na cena que abre o quinto ano da série) as propriedades sobrenaturais da ilha que permitem a viagem do tempo. De alguma forma, conseguiu ir para o passado e para o futuro, numa jornada que pode ou não ser crucial para o desenrolar dos fatos que deram origem a Lost. Sua importância na história do seriado ainda está para ser medida – ele pode ser tanto o responsável pela situação que deu origem ao jogo entre Charles e Elsie quanto apenas um soldado de Widmore, como Ben seria soldado de Hawking. Mas creio que ele nasceu nos anos 50 e de alguma forma conseguiu manter-se vivo viajando no tempo (lembre que “Desmond é a constante”, como ele mesmo escreveu em suas anotações). E, por isso mesmo, acho que seu amor recém-declarado por Charlotte é de outra natureza: Daniel seria irmão ou até mesmo pai da própria Charlotte, uma vez que ela nasceu na ilha.

E o episódio termina com todos viajando mais uma vez para o passado, antes mesmo da vila dos Outros ser construída. Será que em breve veremos a tripulação do navio Black Rock? Essa é uma chance muito boa para ser desperdiçada… E não duvide se um de seus passageiros for o ancestral Richard Alpert, murmurando em latim depois de dar (ou ouvir) ordens em inglês. E aí começaremos a desvendar uma história que não temos a menor referência do que pode realmente ser.

Resumindo, Lost voltou pesado. Bom pra quem gosta.

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