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Impressão digital #0069: Super 8

Falei do Super 8 na minha coluna no Caderno 2 de domingo.

A nova inocência
‘Super 8’ e o coração de uma geração

A promessa se confirmou. Super 8, que estreou neste fim de semana no Brasil, o terceiro filme de J.J. Abrams é tudo aquilo que parecia ser quando seu trailer de pouco mais de um minuto apareceu online há um ano. Ele é conhecido como Midas da TV pós-internet ao usar pistas e dicas colocadas online para aumentar a exposição e, portanto, a audiência de suas séries. Alias, Lost e Fringe são os melhores exemplos desse tipo de estratégia que também foi testada e aprovada no cinema. Mas até Super 8, J.J. só havia lidado com obras alheias – sua estreia na direção foi no terceiro Missão: Impossível e seu segundo filme acertou na mosca ao conseguir trazer a mitologia de Jornada nas Estrelas para uma nova geração.

Com Super 8, ele partiu para uma história nova e autoral. E, para isso, resolveu aliar-se a um de seus ídolos do cinema, Steven Spielberg, que chamou para produzir o filme. E como J.J. não é bobo nem nada, aproveitou a deixa para fazer o que melhor sabe: puxar links e referências para enriquecer seu trabalho – e fazer fãs enlouquecidos procurarem por essas pontas soltas dentro e fora da internet.

E o alvo, nesse caso, foi o próprio Spielberg. Mirando no ídolo como se olhasse num espelho, ele procurou um ponto em comum em sua filmografia para captar algo específico para a própria carreira. E escolheu os anos 80 consagrados pelo diretor. Depois de salvar Hollywood da bancarrota ao criar o formato blockbuster em Tubarão (1975), Spielberg se dispôs a dar a tônica de seu tempo. E, ao dirigir filmes como Contatos Imediatos do Terceiro Grau e E.T. e produzir outros como Goonies e De Volta para o Futuro, ele fez questão de celebrar seu novo público – os adolescentes dos anos 80. Walkman, videogame, computadores, rock, skate, grafitti – tudo que parecia modismo ou descartável para uma geração mais velha que a sua foi canonizado por Spielberg nesses filmes. Mais que isso, deu a uma geração que poderia crescer desesperançosa uma sensação de pureza e ingenuidade. Próxima àquela impregnada nos anos 50 dos EUA.

E agora J.J. Abrams quer repetir o feito. Já havia apostado na recuperação dessa inocência em sua primeira produção, o seriado Felicity, e todas as suas séries, por mais estranhas que fossem, nunca deixavam a emoção de lado. Lost era sobre amor e amizade, Fringe e Alias também tratam sobre a relação entre pais e filhos. Ao retratar o início dos anos 80 com o mesmo cuidado que Spielberg deu aos anos 50 (a conexão da viagem no tempo de De Volta Para o Futuro, que interliga 1955 e 1985 é crucial para entender isso), ele está às vésperas de conquistar corações e mentes da geração digital. De uma vez por todas.

Impressão digital #0068: Kassin e o artista do século 21

Minha coluna no 2 de domingo foi sobre o papel contínuo – e não contido – do artista no século 21, tomando Kassin como exemplo.

A estreia de Kassin
O primeiro disco, depois de muitos

Sonhando Devagar é o primeiro disco solo do músico, cantor, compositor e produtor Alexandre Kassin. É um artista com mais de 15 anos de atuação, com participação em diferentes bandas, trilhas sonoras e que tem até CDs individuais no currículo. São quase duas dezenas de discos com a marca do artista. Então por que o disco de 2011, que pode ser ouvido no site da gravadora (www.coqueiroverderecords.com/kassin/) é considerado seu primeiro trabalho solo?

Talvez porque Kassin seja um dos melhores exemplos, no Brasil, de um novo tipo de artista. Alguém que já entendeu que música, no século digital, não é produto – é processo. Por isso disco, show e canção – antes fundamentos básicos de um músico no século 20 – tornaram-se apenas algumas das peças na construção de uma carreira.

Assim, antes de lançar seu primeiro disco solo, ele já tinha alguns discos no seu nome. O primeiro deles, composto apenas com bases eletrônicas produzidas num GameBoy, foi lançado sob o nome de Artificial. Outro foi lançado sob o nome Kassin + 2, mas que não poderia ser considerado um trabalho individual, e sim do trio + 2, formado por Kassin, Moreno Veloso e Rodrigo Domenico (cada um deles lançou um disco com seu próprio nome).

Também assinou a trilha sonora do anime Michiko e Hatchin, mas preferiu não tratá-la como disco solo. Fora os discos e espetáculos que produziu, de artistas como Caetano Veloso, Adriana Calcanhotto, Los Hermanos, Mallu Magalhães, Thalma de Freitas, Vanessa da Mata, Grupo Corpo e Terruá Pará.

O novo disco pode ser considerado sua estreia pois ele reúne os conceitos pelos quais passa desde que era só o baixista da banda Acabou La Tequila: rock e ritmos caribenhos, música eletrônica e arranjos sofisticados, ficção científica e timbres anos 80, vida doméstica e Japão. Por quase 15 anos, ele passou sua carreira reunindo referências para criar uma obra contínua, em movimento. Agora, as concentra todas em um mesmo disco, como se, só agora, começasse sua história. E talvez seja isso mesmo.

Impressão digital #0067: O terceiro disco de Mallu Magalhães

A minha coluna no 2 do domingo foi sobre o disco da Mallu Magalhães e a forma como ela vem o divulgando online.

Mallu ao vivo
Blogando vida e obra

“Último dia de mixagem. Terminamos Moreno do Cabelo Enroladinho e fizemos Lonely. Amanhã é o dia de refazer o que falta ou precisa. Temos uma ou duas prioridades, mas estamos contentes com o resto. Acho que estou prestes a sofrer aquela tristeza do pós-disco… Aquele vazio, aquela insegurança… Preciso arrumar o que fazer… Acho que vou inventar de gravar uns clipes.”

Assim Mallu Magalhães chega aos finalmentes de seu terceiro disco, num post em seu blog publicado na sexta passada, resumindo o dia anterior. “Dia 27 de julho de 2011… #54 em estúdio” é o título do post, um dos muitos em que, em seu site, mallumusic.com, descreve o diário da gravação do novo álbum.

Mas não apenas um diário de gravação. É o diário de Mallu. É um blog no sentido mais essencial do formato. Não são notícias, informações que poderiam render notinhas ou análises sobre qualquer conjuntura atual. São pequenas epifanias caseiras, recortes de um cotidiano íntimo, às vezes pessoal demais, que transbordam para a internet. No mesmo post em que comemora e lamenta o fim do processo de gravação, ela divaga: “Enquanto Victor (Rice, técnico de som do disco) timbrava os últimos detalhes de Moreno do Cabelo Enroladinho, eu bordava numa das aquarelas que havia pintado ontem. E um feixe de luz colorido veio banhar minha obrinha. Não demorou, Vic ficou também impressionado e sugeriu novas posições. Fotografei o tal arco-íris nos meus pés, cabeça e à minha volta. Só pode ser um bom e lindo sinal de alegria para o Pitanga.”

Muita gente torce o nariz, acha forçado, acha fake, acha bobo. “Haters gonna hate”, repete o meme-mantra da internet que pode ser traduzido como “sempre vai ter alguém que odeie”. E Mallu, coitada, sempre foi alvo desses ‘haters’. Desde que surgiu empunhando seu violãozinho aos 15 anos, cantando Dylan e Johnny Cash com sua vozinha frágil e virou um dos melhores exemplos brasileiros de uma artista que usou a internet para se estabelecer, ela é alvo de brincadeiras, chacotas, paródias e pragas. As coisas não melhoraram quando ela começou a namorar Marcelo Camelo – outro que, ainda nos Los Hermanos, cansou de ser vítima da fúria de um público xingando tudo confortavelmente nos computadores de casa. Juntos viraram motivo para piadas de toda a sorte – algumas boas, a maioria bobas. Mas não os abalou.

E, mais que isso, não abalou Mallu. Prestes a completar 19 anos, ela deixa o mesmo ar lúdico de suas letras e melodias invadir seu blog, abrindo seu coração e mente sem medo de se expor ao ridículo. Ela não bloga porque ajuda no marketing, porque o empresário pediu ou porque cai bem com o público. Não que esses motivos não existam, mas ela mantém o blog pelo mesmo motivo que faz música: é natural para ela. Portanto, como reza outro mantra online, “deal with it” (“lide com isto”).

O que define um meme, por James Gleick

O escritor norte-americano James Gleick é um Harold Bloom da ciência – como o inglês faz com a cultura, ele reorganiza tudo para tirar novos pontos de vista, mas sem zerar cânones ou destrui-los, criando genialmente novas formas de interpretação do passado a partir da justaposição de temas. Tivemos o prazer de publicar, no Link, um trecho de seu novo livro, The Information, em que levanta a possibilidade da informação (o dado, a mensagem, o código) ser a base de tudo no universo. A ilustra da página dupla, reproduzida acima, é do Jairo, que sai fora para um longo sabático (boa sorte, compadre!). Segue um trecho do artigo:

“Aquilo que jaz no coração de todas as coisas vivas não é uma chama, nem um hálito quente, nem uma ‘faísca de vida’, e sim a informação, palavras, instruções”, declarou Richard Dawkins em 1986. Já consagrado como um dos maiores biólogos da evolução, ele tinha capturado o espírito de uma nova era. As células de um organismo são nódulos numa rede de comunicações, sempre transmitindo e recebendo, codificando e decodificando. A própria evolução é a encarnação de uma troca contínua de informações entre organismo e meio ambiente. “Se quiser compreender a vida”, escreveu Dawkins, “não pense nas gosmas e melecas pulsantes e fluidas, e sim na tecnologia da informação”.

A ascensão da teoria da informação foi facilitadora e cúmplice de uma nova forma de enxergar a vida. O código genético – não mais uma simples metáfora – estava sendo decifrado. Os cientistas falavam com grandiosidade numa biosfera: uma entidade composta por todas as formas de vida da Terra, transbordando de informação, replicando-se e evoluindo.

Jacques Monod, biólogo parisiense que dividiu um Prêmio Nobel em 1965 – por desvendar o papel desempenhado pelo RNA mensageiro na transmissão das informações genéticas –, propôs uma analogia: assim como a biosfera paira sobre o mundo da matéria não viva, um “reino abstrato” paira sobre a biosfera. Os súditos deste reino? As ideias.

“As ideias retiveram algumas das propriedades dos organismos”, escreveu. “Como eles, as ideias tendem a perpetuar sua estrutura e a se reproduzir; elas também podem se fundir, se recombinar, segregar seu conteúdo; de fato, também elas podem evoluir e, nesta evolução, a seleção sem dúvida desempenha um papel importante.”

As ideias têm um “poder de contágio”, destacou – “poderíamos chamá-lo de capacidade de infecção” –, e nisso algumas são mais fortes do que outras. O neurofisiologista americano Roger Sperry tinha apresentado uma ideia parecida anos antes, defendendo que as ideias seriam “tão reais” quanto os neurônios que elas habitam:

“Ideias interagem entre si e com outras forças mentais no cérebro, em cérebros vizinhos e, graças à comunicação global, em cérebros à distância. E elas também interagem com o meio externo que as cerca para produzir ao todo um rápido e imediato surto evolutivo que supera qualquer coisa que já tenha chegado à cena evolucionária.”

E acrescentava: “Não me arrisco a propor uma teoria da seleção das ideias”. Não precisava. Outros o fariam.

Dawkins deu seu próprio salto da evolução dos genes para a evolução das ideias. Para ele, o papel de protagonista cabe ao replicador, e isso não tem nada a ver com química. “Um novo tipo de replicador surgiu recentemente neste mesmo planeta”, proclamou Dawkins em seu primeiro livro, O Gene Egoísta, em 1976. “Ele está nos encarando. Ainda em sua infância, vagando desajeitado em seu caldo primordial, mas já está atingindo um ritmo de mudanças evolucionárias que deixa o velho gene para trás.” Esse “caldo” é a cultura humana; o vetor de transmissão é a linguagem, e o ambiente de reprodução é o cérebro.

A íntegra você lê aqui. The Information ainda não saiu no Brasil.

Impressão digital #0066: Expo Y e a opinião online

A minha coluna no Caderno 2 de ontem foi sobre os três bate-papos que realizei na Expo Y, semana passada.

O papel da opinião
O que é importante na internet

A velocidade e o excesso de informações da era digital tira o prumo de muita gente, tanto de quem começa a correr atrás de qualquer pequena novidade ao menor movimento quanto para quem se fecha completamente para o que se passa entre computadores e celulares. Talvez justamente por isso a opinião se torne um dos valores mais prezados desta época.

Por um lado, parece que todo mundo tem a obrigação de ter opinião sobre qualquer assunto – e, claro, usá-la nas caixas de comentários de blogs, redes sociais e outros ambientes virtuais. Por outro, os assuntos também vão ficando cada vez mais repetitivos e parecidos, caindo no problema indicado pelo escritor norte-americano Eli Pariser em seu livro The Filter Bubble. Ele alega que, à medida que as pessoas só querem falar sobre os mesmos assuntos de sempre, acabam se fechando nos temas de sempre e, aos poucos, fogem dos debates que interessam à sociedade.

Daí a importância de se ter opinião e de valorizá-la. Esse foi o tema debatido nas três entrevistas que fiz, em nome do caderno que edito, o Link, durante o evento Expo Y, que ocorreu na semana passada, no Pavilhão da Bienal, em São Paulo.

Para conversar sobre o assunto, chamei três nomes que já se tornaram referência em suas áreas: Bia Granja, organizadora do festival de internet YouPix, Tiago Dória, do blog que leva seu nome, e Carlos Merigo, editor-chefe do blog Brainstorm9. Cada um deles se tornou autoridade nos assuntos com que lidam diariamente, em seus veículos. O YouPix, de Bia Granja, começou como uma revista e se tornou o maior evento de cultura de internet no Brasil (ela faz questão de frisar a diferença entre “cultura de internet” e “cultura digital”. O Tiagodoria.com era um blog de links interessante que, aos poucos, foi começando a falar de suas principais áreas de interesse – comunicação e tecnologia – e em menos de uma década se tornou uma das principais referências online sobre as transformações que acontecem no jornalismo com a chegada das mídias digitais. Caminho parecido com o traçado por Merigo, que se especializou em publicidade, sua área de atuação.

Os assuntos abordados foram os mais diversos dentro de suas áreas, mas todos chegaram a um mesmo consenso: que não adianta ter opinião sem ter responsabilidade sobre ela, que ser transparente e franco é uma obrigação e que é preciso respeitar o leitor e que isso não necessariamente quer dizer publicar o que ele quer ler, mas também o que ele nem sequer imagina que quer ler. Valores que já tinham sido estabelecidos no mundo offline e que, aos poucos, começam a fazer a diferença também online.

E por falar no Tom do MySpace…

…seu primeiro amigo, lembra dele? Publicamos um texto dele no Link dessa semana sobre plataformas e audiências, a partir da decisão do Kevin Rose, o inventor do Digg, em redirecionar seu domínio para sua página no Google +, abandonando seu blog. Um trecho:

Onde manter hospedado seu conteúdo é questão complicada. Quando blogar começou a virar uma atividade séria e o pessoal da internet percebeu que poderia cativar seu próprio público, eles naturalmente supuseram que seria importante ser o dono do seu próprio domínio, controlar sua lista de distribuição, manter os links que dão acesso ao seu conteúdo, ou seja, controlar o próprio destino.

Mais uma vez, a questão não interessa apenas aos blogueiros. Trata-se da presença na web de maneira geral. Lembre dos comerciais de TV promovendo palavras-chave da AOL. Será que as marcas teriam agido melhor se promovessem seus próprios sites? E quanto aos músicos que usaram o MySpace como seu único site? As bandas começaram a usar o MySpace em conjunto com seus próprios sites, mas um número cada vez maior delas descobriu que manter um site próprio exigia muito trabalho, e acabaram fechando estas páginas. Até os grandes artistas da música passaram a imprimir a URL de suas páginas do MySpace (e não o endereço de seus sites pessoais) nos encartes de seus CDs. Se visitarmos hoje estes endereços do MySpace, veremos que eles parecem cidades-fantasma. E quanto aos canais do YouTube? Será possível imaginar um dia em que o YouTube não seja mais o melhor lugar para encontrar vídeos?

Uma outra forma de fazer a pergunta, talvez mais clara e melhor, seria a seguinte: será que um criador de conteúdo deve procurar seu público ou o melhor é esperar que o público venha a ele?

O artigo inteiro tá aqui.