Tom Rachman, por Thais Caramico

O Link dessa semana ainda traz a primeira colaboração da querida Thais Caramico para o caderno – ela que se picou da redação rumo a Londres me cutucou no final do ano passado quando soube que o primeiro livro do Tom Rachman, que já havíamos publicado na capa de uma edição do caderno em setembro do ano passado, iria sair no Brasil. Armou a conexão com o autor e marcou uma prosa que foi além do tema de seu livro (Os Imperfeccionistas trata de personagens que orbitam ao redor de uma redação de jornal) e estendeu o assunto iniciado naquele artigo Romantismo Offline, em que ele antevia o surgimento de uma geração avessa ao digital nos próximos anos:

É comum ouvir que a tecnologia nos torna mais produtivos e nos põe em contato com o mundo, mas ele tem certeza de que nem todos pensam assim. A enciclopédia da internet e todas as suas possibilidades funcionam como uma injeção de ansiedade e trazem forte sentimento de solidão. Basta ver um grupo de amigos no bar. Sempre tem alguém que está ali, mas não está, pois está online. Ele chama isso de falta de presença.

Estar ativo nas redes sociais, muitas vezes mais preocupado com a foto que será postada do que o momento em que algo está sendo vivido, é um dos pontos sobre os quais Tom discorre. Mas o que está mesmo em questão é essa necessidade que as pessoas têm de ser reconhecidas. “O ser humano é incrivelmente sociável e essas ferramentas parecem melhorar essa vontade de se comunicar, mas, na verdade, só estimula esse desejo ainda mais. Não acredito que a rede faça você se sentir mais comunicativo. Não é uma resposta porque só gera angústia”, diz.

O papo continua no Link. E o livro de Rachman é excelente – além de feito para ser engolido, ainda mais se você trabalha com jornalismo ou comunicação.

Link – 23 de janeiro de 2012

Obsolescência programada: Programado para morrer‘Estamos criando montanhas de lixo’ • Conserte você mesmo • A Sopa azedou • Megaupload é tirado do ar e Anonymous revidaNo Arranque: Crowdfunding brasileiro quer acelerar em 2012Impressão Digital: Kodak, Yahoo, direitos autorais e a inevitabilidade do digitalHomem-Objeto: Leve e compactoVida Digital: Drew Houston,do DropboxTodo mundo menos elaMapas mais acessíveisFacebook no topo do Brasil, Apple na educação, programador condenado à morte e Kodak falida

Impressão digital #0089: O digital inevitável

Minha coluna no Link dessa semana reúne três assuntos diferentes, mas que são o mesmo.

Kodak, Yahoo, direitos autorais e a inevitabilidade do digital
Para milhões, baixar gratuitamente é rotina

A Sopa e a Pipa foram o principal assunto da semana passada, mas queria aproveitar para falar de outros acontecimentos ofuscados pela briga entre a indústria de entretenimento e a de tecnologia, mas que podem nos ajudar a jogar uma luz sobre a confusão legal a que estamos assistindo.

Um deles é a concordata da Kodak e o outro, a demissão de Jerry Yang, um dos criadores do Yahoo, do cargo de “cofundador e líder” do site (sim, esse era seu cargo). Ambas notícias podem ser comparadas à clássica anedota sobre a inevitabilidade do digital – quando as grandes gravadoras do mundo resolveram processar seus próprios consumidores (que, graças ao Napster, descobriram que era possível baixar música de graça e à vontade) e deram início ao fim de seu próprio monopólio, o da música gravada e lançada em mídias físicas.

A Kodak, uma empresa centenária, inventou a câmera fotográfica portátil que a tornou sinônimo do aparelho que popularizou. Mas também inventou a primeira câmera digital – na pré-história do mundo digital, nos anos 70. Mas como também vivia de vender filmes, preferiu não investir neste setor, com medo de perder o mercado analógico. Mas, ao manter-se irredutível nesta posição, viu ao mesmo tempo o mercado que queria proteger sumir e outras empresas assumirem as rédeas da fotografia digital. Até mesmo de outros tipos de produto, como a Nokia, que se consolidou no mercado de celulares justamente por apresentar boas câmeras embutidas nos aparelhos. Sua cabeça-dura custou-lhe a própria existência.

A mesma teimosia acabou fazendo Yang pedir demissão do principal cargo do site que criou. O Yahoo, muitos nem sequer devem se lembrar, já foi um dos titãs do mundo digital, numa época em que os sites eram contados aos milhares e as conexões ainda eram discadas. Com a chegada do Google, o site preferiu manter-se preso à lógica de portal, típica da última década do século passado, em vez de apontar links para o resto da rede. Fechou-se em si mesmo e apostava na possibilidade de ser comprado ou fundir-se a algum outro gigante. A Microsoft foi quem mais cortejou o velho líder das buscas, em vão. Até que a chegada de um novo CEO, Scott Thompson, obrigou Yang a sair do holofote – e sacramentar o fim de uma era.

O que nos leva de volta às polêmicas leis antipirataria que ameaçam a existência da web como a conhecemos – não apenas nos EUA, mas em todo o mundo. Não é a primeira vez que o Congresso norte-americano tenta aprovar leis que tentam restringir o avanço da pirataria digital. Mas o que estamos assistindo em 2012 é ao aumento da truculência e da força política de uma indústria que, como a Kodak e o Yahoo, preferem não abraçar o digital inevitável e agarrar-se a uma legislação que não faz sentido em tempos digitais.

O lobby de Hollywood é poderoso e pode ter consequências catastróficas para a rede. Imagine que o simples ato de linkar um vídeo do YouTube no Facebook (que não seja autorizado por seu criador) possa significar até cinco anos de cadeia. Como ironizou alguém no Twitter, se você uploadar uma música de Michael Jackson na internet, pode pegar um ano a mais de cadeia do que o próprio médico acusado de sua morte. Não faz o menor sentido.

Fora que o que é chamado de pirataria pela indústria do copyright é rotina para milhões (bilhões?) de pessoas por todo o planeta. Baixar conteúdo gratuitamente é infração do direito autoral antigo, mas há mais de uma pesquisa mostrando que, quanto mais alguém baixa conteúdo sem autorização, mais gasta no mesmo tipo de conteúdo. As leis não devem parar no tempo – elas devem mudar de acordo com as mudanças da sociedade.

E se insistir nisso, os EUA podem matar seus principais produtos no novo século: Google e Facebook vão ter que mudar completamente seus negócios. Abrindo espaço para alguém, em algum país, criar seu próprio clone de Google ou do Facebook e conseguir um público que antes era dos EUA. E aí pode ser que o cabeça-dura da história seja o próprio governo dos norte-americano.

O triste fim da Kodak

Escrevi sobre a falência da Kodak no caderno de Economia do Estadão de hoje.

Outra parábola sobre o que acontece com quem foge do digital
Onde a Kodak errou

Antes mesmo de as grandes gravadoras darem o tiro no próprio pé que resultou na sua constante perda de importância no novo século digital (ao processarem os próprios clientes, que descobriram, entre 1999 e 2000, que podiam baixar música de graça com um software chamado Napster), um outro gigante já havia dito não ao digital. Mas só agora, décadas depois, sente o duro golpe de ter se negado a seguir a tendência. O baque sentido pela Kodak é triplamente mais dolorido, por diferentes motivos.

O primeiro, e talvez mais triste, é o fato de a empresa ter sido uma das primeiras a lidar com a realidade digital, quando criou a primeira câmera digital, nos anos 1970 (ou seja, bem antes da chegada do computador pessoal e da internet doméstica). A Kodak – fundada há mais de cem anos – já havia sido pioneira ao criar a câmera portátil, sua grande invenção. Conseguiu levá-la para o topo do mercado, atingido durante a década de 1980.

Dá até para dar um desconto para os executivos que arquivaram a câmera digital comercial nos anos 70, pois a realidade eletrônica estava longe da rotina da maioria das pessoas no mundo. E até livrar a cara da empresa nos anos 80, quando viveu sua melhor fase e não iria lançar um produto que talvez (embora muito pouco provavelmente) canibalizasse o setor em que a Kodak era líder.

Mas, com os anos 90, veio a web e, aos poucos, o computador deixava de ser um luxo para poucos geeks e virava um objeto cada vez mais presente nas casas das pessoas. O CD – digital – também havia destronado o vinil e a fita cassete. Era a hora de a empresa dar sua segunda grande contribuição ao mundo, revelando a câmera que não precisa de filme.

Mas como vender rolos de filme também fazia parte do negócio da empresa, ela preferiu engavetar a novidade para continuar vendendo câmeras analógicas e os hoje ancestrais tubos com filme. E, ao fazer isso (como as gravadoras deixaram a Apple dominar o negócio da música digital no início do século), perdeu o bonde da história. Coube a uma empresa de telefones celulares – a Nokia – popularizar a câmera digital como um acessório crucial para qualquer telefone portátil hoje em dia. E, assim, o objeto câmera perdeu espaço para o celular, que se tornou a máquina fotográfica de todos por um motivo quase fútil: ele está sempre à mão.

Link – 16 de janeiro de 2012

CES 2012: Futuro próximoTendências da vitrineSaída da Microsoft antecipa o fim da importância da CES • Tudo conectado à internet • Homem-Objeto 2012A rede social do Google é o próprio Google • O canto do Siri  • The Pirate Bay, música no Facebook, tumulto na China…

Impressão digital #0088: A rede social do Google

Falei sobre o verdadeiro significado do Google + na minha coluna na edição dessa segunda do Link.

A rede social do Google é o próprio Google
…e ela pode determinar o futuro do site

No dia 13 de julho de 2009, quando, pela primeira vez, demos o Facebook na capa do Link, ele nem era a maior rede social do mundo, mas já cravávamos que o site havia uma meta bem específica – e o descrevemos como sendo o principal rival do Google.

Aos poucos a comparação entre os dois se tornava mais evidente e uma teoria se formava. O Google surgiu em uma época em que as pessoas ainda estavam se entendendo com a internet e buscavam o que fazer uma vez conectadas. Comparada à saraivada de links do diretório de seu antigo site rival, o Yahoo, a homepage do Google era clean e minimalista, com um único campo de busca no meio de uma página branca, que parecia apenas perguntar que busca o usuário gostaria de fazer.

Veio a web 2.0, em que todo mundo poderia postar o que quisesse online sem a necessidade de entender de programação. Logo vieram as redes sociais e as pessoas começaram a se conectar entre si – e, num segundo momento, a compartilhar conteúdo. E aos poucos mandar uma notícia para outra pessoa, sugerir um site ou mostrar um vídeo engraçado não significava enviar um e-mail para vários destinatários ou esperar que alguém estivesse online no MSN. Bastava publicar em seu perfil que seus contatos em determinada rede veriam quando o consultassem.

Foi aí que o Facebook floresceu. E o perfil de seus usuários logo deixava de ser uma página com informações pessoais para exibir links, fotos e vídeos, transformando o feed de notícias (área equivalente aos scraps no Orkut ou do blog no MySpace) na primeira coisa que qualquer um vê quando entra no Facebook. Com todo mundo postando sem parar, bastava entrar na rede social para saber o que fazer na internet. Isso tornou a homepage do Google obsoleta.

Esse movimento aconteceu entre 2008 e 2010, quando o Facebook deixou de ser uma aposta para se tornar uma certeza. E logo vieram as especulações a respeito de quando o Google lançaria sua própria rede social.

Mas a empresa não tinha um bom histórico nessa área. Seu caso mais bem sucedido era, até o ano passado, o Orkut, mas o site só deu certo no Brasil e na Índia. Outras tentativas deram com burros n’água. O Google Wave era complexo demais e queria “apenas” reinventar o e-mail (algo como lançar um novo modelo de automóvel com a intenção de, literalmente, reinventar a roda). O Google Buzz foi criado para aproveitar o vácuo do Twitter e até ensaiou dar certo, mas esbarrou em questões legais a respeito de invasão de privacidade. Os dois projetos deram tão errado que foram desligados.

Por isso quando começaram a especular sobre a rede social do Google para enfrentar o Facebook, seus executivos logo diziam que não estavam criando uma rede social, mas uma “camada social” que atravessaria todos os serviços que hoje oferece.

Aí veio o Google + que, por ser de quem é, foi a rede social que mais cresceu na curta história deste tipo de site. Foram 25 milhões de usuários apenas nos dois primeiros meses de atividade do site. E ao mesmo tempo em que cresceu tão rápido, nos provocava com a primeira pergunta que aflige qualquer novo usuário de qualquer nova rede social (“O que eu faço aqui?”) ao mesmo tempo em que causava celeuma entre os entusiastas do Facebook, que o considerava uma versão piorada do site de Mark Zuckerberg.

Mas, como começou a mostrar na prática na semana passada, o Google + não é a rede social do Google. A rede social do Google é o próprio Google.

Explico: quando um de seus fundadores (Larry Page) assumiu o cargo de CEO (antes ocupado por Eric Schmidt) no início de 2011, ele começou a organizar a casa para fazer os inúmeros produtos do site (o navegador Chrome, o sistema operacional Android e as dezenas de sites e serviços oferecidos gratuitamente) conversarem entre si.

Uma operação interna, mas que poderia ser percebida por usuários mais atentos. Aos poucos, aparecia uma lista de links acima de sua homepage, apontando para outros serviços, como o Google Maps, a busca por imagens ou por vídeos, o Google News, entre outros. A lista virou uma barrinha, a princípio branca, que logo ganhou a cor cinza e depois escureceu ainda mais, trazendo ainda outros links para mais serviços da empresa.

E assim que o Google + foi lançado, dois itens novos surgiram nessa barra. O primeiro apareceu bem à direita e trazia a foto que o usuário escolheu para sua conta no Google seguida de seu nome, um número que mostrava se havia novidades no Google + e um campo escrito apenas “compartilhar”. Na ponta esquerda, o primeiro item deixava de ser a busca pura e simples do Google para se tornar o nome do próprio usuário, acrescido de um símbolo de adição (o + da “camada social”) à esquerda.

Essa barrinha está presente em qualquer serviço do Google. Resta agora saber se o Google irá conseguir fazer que as pessoas compartilhem conteúdo no campo específico que determinaram para isso. Enquanto isso, eles seguem tentando – e o anúncio da semana passada foi o primeiro passo para colocar a tal camada social em prática.

É que agora, quando você faz uma busca através do Google, tem duas opções de resultados: ou você vê os links que a maioria das pessoas viu quando buscou pelo termo que você acionou ou pode escolher apenas os links indicados pela sua rede de contatos, restringindo as opções de busca mas trazendo-as para seu contexto pessoal. A mudança pode ser percebida em dois ícones à direita da página, na altura do campo de busca. Clicando no ícone que é um pequeno globo, você vê os resultados gerais. Clicando no ícone que é um pequeno busto, vê o que seus amigos e conhecidos também buscaram.

Essa decisão já gerou controvérsia – a começar pelo Twitter, que afirmou que a mudança restringe o acesso às notícias que estão sendo publicadas naquele exato momento (que é a função atual da rede social dos 140 caracteres), com resultados do Twitter caindo para baixo nas buscas feitas em modo pessoal.

Outro problema é que isso restringe ainda mais a área de alcance de quem quer saber o que está acontecendo, ponto crucial de um dos melhores livros do ano passado, The Filter Bubble (ainda não lançado no País), do norte-americano Eli Parisier. Ele argumenta que, a partir do momento em que os algoritmos das redes sociais vão entendendo a forma como cada um funciona na rede, eles vão oferecendo apenas opções relacionadas ao gosto de quem clica. Isso parece ser prático em teoria – quem clica em muitas notícias de esporte, por exemplo, veria mais notícias relacionadas a esse assunto do que as outras. Mas, contudo, perderia outros assuntos que poderia se interessar, sem ao menos saber que eles estão acontecendo.

Era uma crítica quase direta ao Facebook, mas a partir do momento em que o Google adota uma prática parecida, ela cai como uma luva também para o gigante das buscas. E se você não corre o risco de trombar com algo novo, inusitado ou surpreendente, vai ficar cada vez mais preso à tal bolha-filtro concebida por Parisier.

E isso nos leva à principal dúvida em relação ao Google em 2012: e se, ao apostar em transformar-se numa enorme rede social, o site perderá a mão? E se as pessoas cansarem ou enjoarem de usar o Google? Parece apocalíptico, mas não custa lembrar a velocidade em que as coisas acontecem no mundo digital.

Link – 9 de janeiro de 2012

Condomínio fechadoO primeiro palco de 2012Entrevista: ‘Tudo conectado’
Análise: O delay brasileiroRestrição de fábricaPrograme-se para 2012Google, Amazon, Facebook e Apple juntos em 2012?‘Telobalização’Hackers roubam Symantec, internet não é um direito, Google pune a si mesmo e Twitter autentica fake

Impressão digital #0086: Um balanço de 2011

A primeira novidade do Link em 2012 é que minha coluna saiu do Caderno 2 e passa a frequentar as páginas do caderno de segunda. E como essa é a última edição do ano, Impressão Digital nova só no ano que vem.

A revolução digital tem de sair da tela
No Ano Novo, resta tirar a cara de dentro do computador

Em setembro deste ano, quando transformou mais uma mudança de interface do Facebook em evento público, Mark Zuckerberg entrou no palco um tanto estranho. Em alguns segundos, deu para notar que não era Zuckerberg – e sim o ator do programa humorístico Saturday Night Live que o interpreta, Andy Sandberg, fingindo ser o criador da maior rede social do mundo.


Mark Zuckerberg e Andy Sandberg

Não há como saber se Steve Jobs, em seus últimos dias de vida, viu a performance, mas se o fez, deve ter grunhido, ao mesmo tempo em que ficava pasmo com a ingenuidade de Zuckerberg e o ridicularizava em pensamento.

Isso porque doze anos atrás, antes das apresentações de Steve Jobs se tornarem um fenômeno para além do círculo de carolas da Apple, ele havia feito essa mesma piada, ao convidar o ator Noah Wyle para apresentar a Macworld de 1999. Noah havia acabado de interpretar Jobs num filme feito para TV naquele mesmo ano – o cult Piratas do Vale do Silício – e o criador da Apple não pestanejou ao colocá-lo no palco para fazer o seu papel.


Steve Jobs e Noah Wyle

Mas diferente do que aconteceu com Zuckerberg, anos depois, o encontro do original com a cópia não foi um cumprimento boçal (“mas eu sou o verdadeiro Zuckerberg!”) e sim outra caricatura de Steve Jobs, dessa vez, feita por ele mesmo. Logo que Wyle começa a se entusiasmar com um “produto novo realmente ótimo”, Steve o interrompe para entrar no palco e lhe explicar como é o jeito certo de imitá-lo. Era o Jobs hiperbólico encontrando o Jobs control freak no mesmo palco. E o original conseguia ter mais carisma ainda que o antigo protagonista do Plantão Médico.

Corta para 2011. O principal nome do mundo digital é um nerd sem carisma, o cacique de uma tribo de 800 milhões de pessoas que passam o dia em frente a uma tela dizendo o que curtem. Zuckerberg bem que tentou, mas está longe de conseguir ocupar a vaga deixada por Steve Jobs. E isso é um problema, porque o mundo digital de Jobs e Mark eram relativamente parecidos – ambos queriam obrigar seus públicos a se firmar em torno de uma mesma marca, habitando um ambiente eletrônico administrado por uma empresa que faz o que quiser com dados pessoais de seus consumidores.

O Facebook de Zuckerberg já é conhecido por isso e o ano terminou com o próprio Mark postando em seu blog um pedido de desculpas em relação aos “erros” cometidos no passado – quando o site mudava os termos de uso sem avisar seus usuários, por exemplo. A Apple de Jobs também teve de se desculpar publicamente sobre a denúncia de que os passos dos donos de iPhone estavam sendo vigiados pela própria empresa. É o Big Brother capitalista – em que uma empresa, e não um governo, acompanha cada pequeno passo dado.

A ausência de carisma de Zuckerberg não é um exemplo isolado – é só o mais emblemático. Nenhum dos grandes nomes do mundo digital hoje, no Vale do Silício ou fora dele, proporciona o fator de admiração instigado por Jobs. Nem Larry e Sergey do Google, nem Steve Ballmer da Microsoft, nem ninguém do Twitter, da Zynga, da Sony ou da Rovio.

Os executivos voltaram a ter cara de executivos e o popstar digital – a era de ouro de Jobs e Gates – parece ter ficado no século 20.

Isso também não é exclusividade das empresas de tecnologia. Os líderes do século 21 pouco inspiram. É um fenômeno que tem a ver com a frustração e a angústia que alimenta o oba-oba da curtição no Facebook ou o consumismo desenfreado da era pós-iPhone.

Todos querendo preencher um vazio espiritual na marra, em grandes quantidades. Milhares de amigos, dúzias de gigabytes, milhões de MP3, não-sei-quantos de memória RAM ou de banda larga.

Acontece que ao mesmo tempo em que 2011 viu o fim do grande produto da Apple – o próprio Steve Jobs –, também assistiu a esse mesmo vazio sendo preenchido longe das biosferas digitais. Milhares de pessoas tomaram as ruas em centenas de cidades ao redor de todo o mundo para reclamar dessa insatisfação generalizada.

Começou logo em janeiro com a Primavera Árabe, passou pelos protestos na Espanha, pelos tumultos na Inglaterra e culminou com o movimento Occupy, que a princípio ocupava apenas o Zuccotti Park, perto de Wall Street, em Nova York, e depois tornou-se global. Até mesmo as marchas realizadas na Avenida Paulista e o infame Churrascão da Gente Diferenciada em Higienópolis, em São Paulo, fazem parte dessa recusa planetária, que usa o próprio Facebook e as câmeras em telefones celulares para divulgar o que está acontecendo – a favor e contra.

Muitos desses protestos começaram especificamente a partir de denúncias feitas na internet. Fatos que foram simples como o vídeo online que deu origem à maior manifestação popular na Rússia desde o fim da União Soviética ou arbitrários como a decisão do governo de Hosni Mubarak de cortar a internet do Egito.

Esse movimento popular planetário sem liderança, sem ideologia e sem vínculos partidários acabou se tornando uma espécie de materialização da própria lógica da internet – em que ninguém controla ninguém.

Portanto, foi natural e incontornável a identificação do levante com o discurso do grupo de hackers Anonymous, que teve seu símbolo agregado definitivamente aos novos manifestantes.

E a máscara do terrorista inglês Guy Fawkes, redesenhada por David Lloyd no libelo libertário em quadrinhos V de Vingança, de Alan Moore, deixou de ser um ícone na tela como era na época em que representava apenas os Anonymous para ganhar as ruas do planeta. Todo mundo se identificando com um não-símbolo, o logotipo do anonimato.

Junte as pontas. Esses dois acontecimentos distintos – a morte de Steve Jobs e a série de protestos populares pelo planeta – parecem não ter comunicação entre si, mas o fato é que sem um líder carismático o suficiente para ser admirado, as multidões vão exigir cada vez mais. E vão começar a entender que a lógica fechada que querem impor à internet – e à rotina offline – é oposta às inovações culturais que a tecnologia digital têm proporcionado ao mundo. O direito autoral deve ser flexibilizado; o direito ao anonimato, preservado; o acesso ao conhecimento, mantido. Alianças e parcerias fazem parte da natureza do ser humano antes ou depois da internet.

É quando descobriremos que a revolução digital não termina na tela – e sim quando alcançamos quem está do outro lado dela. A essência desse zeitgeist materializado que entrou em nossas vidas reside em seu nome. A internet é uma rede de interconexões que não está limitada apenas a quando estamos na frente do computador. Somos praticamente anfíbios e habitamos o mundo seco (offline) e o molhado (online) ao mesmo tempo. Mas ainda estamos encantados com a descoberta do respirar debaixo d’água que é viver na internet. Resta agora começar a tirar a cara de dentro do computador e perceber que a vida a nosso redor. 2012 nos espera. Será um ano memorável e sairemos todos melhores do que entramos.

Feliz Ano Novo.

Link 2011

Como descrevemos na edição dessa semana, foi um ano intenso. Mas, ao mesmo tempo, foi incrível. Só pra ser prático: fizemos o caderno da concorrência mudar de nome (que agora é curto e terminando com o fonema “c”), de editor e de dia de publicação (o mesmo do Link). Mas isso é um detalhe que só importa aos chefes. O melhor de tudo, como sempre, é poder fazer o melhor suplemento dos jornais brasileiros com esse time aí de cima, falando de assuntos que interessam à maioria das pessoas hoje em dia e elevando o nível da discussão. Em que outro veículo em português você tem textos do Peter Thiel, Evgeny Morozov, Douglas Rushkoff, Tom Rachman, James Gleick (duas vezes), Lawrence Lessig, Tom Anderson, Richard Stallman e Jonathan Franzen? Fora que entrevistamos gente do naipe do Moot, Clay Shirky, Miguel Nicolelis e Steve Wozniak. Isso sem contar a publicação da íntegra do discurso de Jobs em forma de poster. O melhor de tudo, no entanto, é poder trabalhar todo dia com gente que dá gosto de ser colega de trabalho. Helô, Tati, Camilo, Filipe, Murilo e Carla (além do Fred e do Rafa, que saíram durante o ano, e do Thiago, o animal que dá a cara do caderno) não são só as melhores companhias de expediente como são ótimos amigos, grandes pessoas e profissionais de alto nível. Trabalhar com gente assim faz a gente esquecer que é trabalho. Feliz ano novo pra vocês, meus queridos.

Link – 19 de dezembro de 2011

2011 do começo ao fimQuando a internet distraiTransferência de poder • A revolução digital tem de sair da telaO nosso occupyMês 122011: Um ano intensoApple mais perto do Brasil, a rede social da Microsoft, o livro de Jobs, a velocidade dos Hermanos…