Um herói chamado Panço

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Herói do underground brasileiro, Leonardo Panço foi um dos ombros que carregou a cena independente carioca nas costas durante os anos 90 e tanto o hardcore nacional quanto o mercado indie, que hoje consegue pagar as contas e tem produtoras, festivais, assessorias de imprensa, convenções e estúdios, é devedor de seu suor. Mas, operário da causa, Panço nunca descansa e vem lentamente fazendo uma transição da música – onde começou tocando no Soutieen Xiita e no Jason, além de tocar a gravadora Tamborete – para a literatura. Já foram três livros escritos e lançados na raça (Jason 2011 – Uma Odisséia pela Europa, Caras Dessa Idade Já não Lêem Manuais e Esporro) e agora ele dá seu salto artístico mais ousado, com o disco-livro Superfícies.

O projeto começou como um álbum de fotografias de viagens, em que ele fugia dos pontos turísticos para se ater a detalhes de tetos, paredes e pisos. A coleção de texturas deu origem ao nome Superfícies, gatilho de uma coleção de contos que acabaram dando origem a canções. Como os heróis do underground norte-americano antes dele – Patti Smith, Henry Rollins, Lydia Lunch -, Panço dá continuidade à lenta transição da música para as letras e inaugura uma nova fase de sua carreira. Ele está em turnê pelo interior de São Paulo divulgando o disco ao vivo e nessa terça apresenta-se no Hotel Bar, quando Rodrigo Carneiro, dos Mickey Junkies, lerá trechos do livro acompanhado de uma banda com Panço na formação (mais informações aqui). Conversei com ele sobre essa sua nova fase.

O que veio primeiro – as fotos, o livro ou o disco?
As músicas a maior parte já existia, mas estava guardada em arquivos em fitinhas fora de rotação, no computador ou na cabeça – as mais recentes -, mas ainda não sabia como fazer pra gravar porque é muito diferente de tudo que já fiz. As fotos, os textos e o conceito foram surgindo tudo ao mesmo tempo durante uma viagem de férias do trabalho que é quando minha cabeça fica realmente livre pra a criação. Meus quatro livros foram todos feitos em períodos sem emprego. E aí foi tudo se amarrando, uma cerveja, mil horas livres pra pensar que as fotos tinham essa unidade de serem superfícies, que as músicas e tudo junto formariam um projeto arrogantezinho.

É a sua primeira incursão em ficção? Conta a sua relação com o texto ficcional, já que sua obra escrita era basicamente não ficção.
Olha, o Caras dessa idade de 2008 já tinha ficção lá. E esse novo não é só de ficção. É que as pessoas não têm como saber o que é e o que não é, tá meio escondido, meio metafórico. E você pega uma coisinha e viaja em cima, faz virar uma coisona. Nem tudo é real, mas muito é real.

Contando este, quantos livros você já lançou? Você consegue comparar os processos de produção e venda de livros e discos independentes no Brasil? Quais pontos em comum e quais são as diferenças?
Olha, vou falar do meu processo pessoal. Os livros são mais pessoais e solitários, diferente de uma banda, em que tudo é coletivo, tudo decidido pelos quatro, etc. Mas hoje em dia acho tudo muito similar porque os livros eu escrevo e depois sempre decido coisas com o Flock. Ele manda mais no visual, mas eu fico ali por perto. Meus dois discos foram um pouco assim. Solitários até os 30 do segundo tempo. Daí chamei os universitários e eles entraram. Acho que é um pouco isso.

O livro tem uma vida maior que o disco como mídia física?
Os meus acho que sim, é o que parece. Não sei se é ilusão.

Como seu livro impresso de relaciona com os meios digitais? Ele tem uma versão ebook? Continua na internet de alguma forma?
Cara, não tem. Eu e Flock até começamos a ver uma versão pdf, como lançar o Caras Dessa Idade, mas não foi pra frente. Coisas da tecnologia me complicam um pouco. Eu precisaria de parcerias pra isso ver a luz do dia.

Você milita nas trincheiras do independente desde quando isso era tido como romântico e comercialmente inviável, mas o prolífico e sustentável cenário atual é fruto direto de lutas como a sua. Você se sente como um dos pais deste cenário atual? E o que ainda pode ser melhorado?
Fiz algo errado no caminho porque pra mim segue sendo romântico e comercialmente inviável ahaha. Há mais de uma década que tenho emprego fixo e não vivo dos lançamentos. Os três primeiros livros se pagaram, um foi bancando o outro. Algumas pessoas já falaram de mim como inspiração, mas realmente não me sinto muito assim não. Eu tive o Redson como inspiração, pode ser que alguém me tenha assim, mas provavelmente já me superou e foi pra cima. Sou ruim demais de fazer dinheiro. Uma coisa que me faz falta são bons livros sobre o underground. Tem muita coisa chata e mal escrita. Se vierem melhores livros, pode ser que mais gente leia. Sei que você pergunta de estrutura, mas o que me falta é isso: bom material.

Quem você considera grandes heróis do independente brasileiro que não têm o reconhecimento devido?
Tá difícil essa entrevista, tô tendo que pensar direto. Pra mim tem muita gente com talento e que poderia viver de música, mas não é assim que funciona, né. E pra mim esse seria o reconhecimento devido. Heróis? Vou responder as outras perguntas e já volto. Voltei e não lembrei de nenhum herói não reconhecido. Os heróis erram demais. Acho que o Fabio do Garage tenha morrido numa situação muito ruim pra tudo que ele fez.

Fala sobre a turnê do livro / disco: por onde você passa e como fazer um show de um livro?
Começou em Cuiabá e agora tem Volta Redonda, dois dias em SP, Piracicaba, Limeira, Campinas, Americana, Sorocaba e São Bernardo do Campo. Fiz tour em 2008 e 2011 também dos livros. A inspiração veio dos gringos, né. Não sabia se alguém fazia, sabia de Henry Rollins, Patti Smith, Jello Biafra, Mykel Board. Eles fazem mais lendo os livros, fazendo spoken word. Adoraria, mas não sou o frontman, sou o guitarrista ali do lado. Então pensamos em maneiras de burlar a timidez. Em cada uma delas foi de um jeito. Essas duas semanas vou tocar com o Derrota de Americana algumas faixas e o Lucas do About A Soul vai ler partes do livro, inclusive eles fizeram dois vídeos lindos pra mostrar o processo. E em algumas faixas eles vão tocar sem mim mesmo. Em dois dos shows – Limeira e SP – vamos fazer 3 guitarras, improvisando e ele lendo, além do Carneiro do Mickey Junkies, em SP, lendo.

Quais são os próximos projetos?
Ideias não faltam, são muitas. Tenho um disco novo pra gravar, mas se eu fizer como quero vai demorar. Óbvio. Tem um livro da tour dos Replicantes na Europa escrito em 2006. Queria muito lançar esse ano, nos 10 anos da viagem. Tenho três ideias pra clipes do Superfícies e por aí vai. Mas um pouco depende dessas duas semanas agora em SP. Se der lucro…

Redson (1962-2011)

Último punk brasileiro, o líder do Cólera morreu na noite desta terça-feira. Leonardo Panço, outro ícone do Faça-Você-Mesmo brasileiro, resume a importância do sujeito no meio de um post do blog do Rafael Weiss, por onde soube da notícia:

“Fim de uma era da música brasileira, das minhas influências musicais, de atitude, de underground, da porra toda. Com a morte do Redson e o fim do Cólera, fica tudo pra trás. Fui pra Europa por causa desse cara, ele começou tudo pra todo mundo no Brasil. Cada banda d punk/hc que foi pra europa, foi porque esse cara passou meses escrevendo cartas, mandando fax, esperando, marcando. Redson foi a maior influência em tudo que eu fiz até hoje na música”

Nunca gostei de Cólera e só vi a banda uma vez, num Abril Pro Rock (aliás, a imagem que eu tenho do Redson é ele nadando de costas numa piscina num hotel em Olinda, perto de um João Gordo largado numa espreguiçadeira e um Philipe Seabra de sandália havaiana), mas é inegável sua importância e influência. Uma perda inestimável para um lado da música brasileira que passa longe das notícias.