Depois de três anos de sua edição mais recente no Centro Esportivo Tietê e muita boataria (inclusive sobre seu fim), finalmente o Popload Festival voltou a materializar-se. O festival voltou no mesmo local em que o C6Fest realizou suas três edições e apenas uma semana após a edição mais recente deste, suscitando inevitáveis comparações entre os dois eventos – e o festival idealizado pelo jornalista Lúcio Ribeiro a partir de seu portal de notícias parece ter se saído melhor, mas já já falo sobre isso. Cheguei tarde por motivos de Inferninho Trabalho Sujo, mas a tempo de ver nossa senhora Kim Gordon mostrar seu trap noise no palco montado na parte de trás do Auditório Ibirapuera e por melhor que tenha sido o show (e foi, com Kim esparramando-se pelo palco com seu moletom que reforçava “Golfo do México” na fuça do desgraçado no posto de presidente dos EUA) havia algo intrinsecamente oposto no falto da matriarca da juventude sônica tocar sob o sol de um sábado lindo e antes do fenômeno teen islandês Laufey. Sua sonoridade urbana e noturna contrastava diretamente com a tarde juvenil que se espalhava pelo parque do Ibirapuera – o que não chegou a comprometer o show, mas criou uma sensação estranha que talvez pudesse ser mudada com a troca de posições entre seu show e o show que aconteceria em seguida naquele palco, afinal boa parte do público da Laufey não estava nem aí pro showzaço de Kim Gordon, que felizmente teve sua vez no dia seguinte, na apresentação paralela que aconteceu no Cine Joia.
Laufey, por sua vez, é um fenômeno e fez adolescentes – e seus respectivos pais – reunirem-se inclusive durante o show da Kim Gordon para garantir um bom lugar para assistir sua musa. O público era muito, mas muito jovem – incluindo crianças – e em pouco tempo o lugar estava repleto de meninas usando lacinhos, apetrecho que é sinônimo da cantora que parece estar prestes a explodir em escala global. Musicalmente, ela faz um pop inofensivo e quase insípido em baladas que por vezes flertavam com a bossa nova e música erudita, acompanhadas aos berros por um público visivelmente emocionado. Um show comportado no palco e agitado no público, que puxou a bússola do festival para o norte magnético do pop, aos poucos desfazendo seu histórico de indie rock que já trouxe artistas como PJ Harvey, Pixies, Belle & Sebastian, Patti Smith, Wiico, Iggy Pop, Spoon e Phoenix, entre outros, para o Brasil. Mas, felizmente, esse histórico não foi abandonado, como veríamos no show que aconteceu em seguida naquele mesmo palco.
Antes disso, um breve comentário sobre o segundo palco, anunciado um pouco antes da realização do festival, que trouxe um frescor pop ainda maior ao reunir artistas em ascensão, desde a ótima nova fase da baiana Jadsa (que acabou de lançar um disco maravilhoso, Big Buraco) à revelação electroescracho carioca do Vera Fischer Era Clubber. Havia uma boa sincronia entre os palcos, que fazia o palco menor começar exatamente no momento em que o palco maior terminava sua atração, funcionando como trilha sonora para o festival mesmo que você não estivesse próximo ao… palco. Quer dizer, não dá pra chamar esse novo palco propriamente de palco, afinal de longe parecia um estande de divulgação de alguma marca ou mesmo um local para pegar bebida. Com pouco mais de meio metro de altura e uma largura ridícula, o que fazia o palco funcionar musicalmente o desfazia como atração, colocando-o quase como uma vírgula no tamanho do evento. Não era preciso um palco bem maior como o segundo palco do C6Fest, mas bastava subir mais alguns centímetros de altura (nem meio metro) e abrir um pouco mais sua largura para que as atrações ganhassem uma força ainda maior. Outro erro foi colocar Yago Opróprio como atração de encerramento deste palco, fazendo o trap do MC destoar completamente da transição entre os shows da St. Vincent e da Norah Jones (além de perder a oportunidade de marcar um golaço ao deixar apenas mulheres na segunda e principal parte do festival sem precisar levantar essa bandeira). Felizmente o show de Maria Beraldo, uma versão reduzida de seu disco Colinho, com músicas de seu primeiro álbum, Cavala, sobressaiu como uma das grandes atrações da noite, mesmo num palco tão pequeno e um show tão curto.
Alguém estava preparado para o show da St. Vincent? Annie Clark mostrou não apenas seu completo domínio de palco – baita vocalista, baita guitarrista, baita performer – como fez a melhor apresentação da noite sem muita dificuldade. Equilibrando o repertório entre seu disco mais recente (o excelente All Born Screaming) e o pré-pandêmico Masseduction, ela mostrou que rock pode ser moderno sem soar nostálgico, como fizeram Wilco e Pretenders naquele mesmo parque no festival da semana anterior. Um dínamo no palco, ela se jogava pra cima de seus músicos com a mesma entrega que depois se atirou na plateia, surfando em cima das pessoas no ápice da apresentação, quando cantou “New York”. O único ponto negativo da apresentação foi sua duração, curta com menos de uma hora como os outros shows do festival, mas até aí, é a natureza do evento. Um dos melhores shows do ano, sem dúvida.
O Popload Festival terminou com a maravilhosa Norah Jones fazendo seu pop de câmara para um público tão emocionado quanto o de Laufey – embora menos afetado e obviamente mais velho (tanto que as duas se encontraram no palco perto do fim do último show). Elas foram responsáveis por dar uma cara menos rock ao festival, o que não é propriamente um problema, e a quantidade de mulheres no elenco traduziu-se da mesma forma entre o público, mais feminino do que o festival que aconteceu no Parque Ibirapuera na semana anterior. Como o C6Fest, o Popload Festival peca por querer encher seu elenco com muitas atrações, sacrificando inclusive shows que tocaram mais cedo, como o ótimo Exclusive Os Cabides, obrigado a tocar antes do almoço. O preço das coisas dentro do festival também era salgado, mesmo que houvesse alternativas oficiais para comprar ingressos mais baratos – e havia uma área vip injustificável (pelo tamanho) na parte direita do palco – até quando vamos materializar essa divisão de castas? Mas ao contrário do outro festival, o Popload acerta ao concentrar seus shows em um dia e ao deixar mais atrações brasileiras na parte final do evento, mesmo que num palco pequeno. Só resta saber se vão mesmo em direção ao pop, deixando o indie rock que sempre o caracterizou perdendo espaço para atrações de outros gêneros musicais… E que venha a edição do ano que vem!
#kimgordon #laufey #mariaberaldo #stvincent #norahjones #poploadfestival #poploadfestival2025 #parquedoibirapuera #trabalhosujo2025shows 099, 100, 101, 102 e 103
Depois de Norah Jones e St. Vincent, o festival do Lúcio Ribeiro acaba de anunciar a escalação completa do festival que acontecerá no dia 31 de maio do ano que vem no Parque Ibirapuera. Completam a seleção nossa eterna musa Kim Gordon, os Lemon Twigs, Laufey, o encontro do Terno Rei com Samuel Rosa, Tássia Reis em uma ótima fase e a revelação Exclusive Os Cabides. Se comparado à zona de conforto que é a apresentação principal, Norah Jones, o festival até que ousou um tanto, trazendo duas três mulheres consagradas e artistas em ascensão, apostando em nomes que não apareceram em festivais deste porte no Brasil até agora. Poderia ter ousado mais? Sempre, mas pode esse evento de um dia muito melhor do que outros que se esticam por dias. Os ingressos já estão à venda neste link.
E que tal a escalação desse ano do Newport Jazz Festival, que inclui nomes como André 3000, o Chic de Nile Rogers, Kamasi Washington, Elvis Costello, o brasileiro Amaro Freitas, Brittany Howard, Laufey, Meshell Ndegeocello, Corey Wong, Noname, Robert Glasper, Sun Ra Arkestra, Samara Joy, Thievery Corporation, Lianne La Havas, o Dinner Party de Terrace Martin, Robert Glasper e Kamasi Washington (que vem pra São Paulo tocar no festival C6), Cimafunk, Makaya McCraven com Jeff Parker e tantos outros? O evento acontece entre os dias 2 e 4 de agosto deste ano, em, claro, Newport, nos EUA, e os ingressos já estão à venda.