Este curta de 17 minutos foi produzido pelo pessoal do Elstree Project, que tenta manter a memória cinematográfica da cultura inglesa e dedica-se a conversar com os técnicos do filme, sua relação com o caprichoso e exigente Kubrick e como realmente há camadas de interpretação para cada detalhe exposto no filme:
Um dos filmes citados por Silvano em sua compilação de curtas é o revelador The Making of The Shining, dirigido e editado por Vivian Kubrick, filha do mestre da sétima arte, que percorreu os bastidores do filme disposta a registrar o que podia, e com o aval do pai. Em menos de 20 minutos, o curta alterna entrevistas (tocantes como a de Scatman Crothers, hilárias como as do pequeno Danny Lloyd), cenas épicas do filme finalizado, Kubrick lidando diretamente com os protagonistas (e Shelley Duvall desculpando-o pelo transtorno que o cineasta a submeteu para extrair a forte performance da atriz) e cenas triviais da equipe espalhada pelo fictício Hotel Overlook.
Vivian era uma das três filhas do casal Stanley e Christiane (ao lado de Anya e Katharina, embora esta última seja filha apenas da esposa do cineasta, de um casamento anterior) e certamente era a favorita do diretor. Além do filme dirigido que registras os bastidores do clássico de 1980, ela voltou a colaborar com o pai ao compor a trilha sonora de seu filme seguinte, Nascido para Matar. Kubrick queria que ela voltasse a trabalhar com ele em Eyes Wide Shut, mas os dois tiveram uma briga séria que ficou sem ser resolvida pois o pai morreu antes que o filme chegasse aos cinemas, em 1999. Depois disso, Vivian se distanciou da família e se envolveu com a cientologia, tornando-se “uma pessoa completamente mudada”, segundo a irmã postiça Katharina. Ela foi ao enterro do pai acompanhada de um representante da seita, mas nem chegou a ir ao enterro da irmã Anya, de quem era muito próxima na infância, quando ela faleceu vítima de câncer em 2009.
Abaixo, seu único filme:
O pôster de O Iluminado foi feito pelo grande Saul Bass, um dos maiores designers da história do cinema. Mas nem tudo é fácil quando se é um mestre em sua arte e encontra-se com outro mestre, de outro patamar, e, como pinçado pelo blog The Fox is Black, eis a série de tentativas originais feitas pelo designer para o cartaz do filme e os motivos, escritos à mão, pelos quais Kubrick acabou dispensando outras versões (veja abaixo):
E na minha coluna no Link Estadão dessa semana eu falo sobre o documentário Room 237, sobre O Iluminado de Kubrick, e como o diretor pode ter antecipado uma tendência que, na internet, é plena:
Kubrick previu uma nova linguagem em ‘O Iluminado’
Filme de 1980 traz múltiplas referências
Stanley Kubrick é dessas poucas unanimidades. Seus filmes estão misturados ao inconsciente coletivo da segunda metade do século 20 e suas cenas de ficção são emblemáticas o suficiente para servir de parâmetro para outras cenas da vida real. Sua obra sempre cutucou parte do tecido comportamental de sua época e foi se tornando esparsa à medida em que sua reputação ia crescendo. Em 46 anos de atividade,o diretor fez apenas 13 filmes – em seus últimos 30 anos de vida realizou apenas quatro.
O Iluminado, de 1980, seu antepenúltimo filme, é festejado como uma das maiores obras-primas do terror no cinema. Os fantasmas de Kubrick eram cenas apavorantes e épicas: duas crianças gêmeas mudas no meio de um corredor, uma onda de sangue saindo de dentro de um elevador, o sinistro quarto 237 e a lenta transformação do personagem de Jack Nicholson – em sua maior atuação – de um correto pai de família a um psicopata enraivecido.
Entre os críticos, há quem reclame da liberdade poética tomada por Kubrick ao adaptar o romance de Stephen King, na época considerado um novo alento à literatura de horror nos Estados Unidos. Mas Kubrick nunca foi considerado fiel às obras originais que se dispôs a adaptar e sempre as usou como plataforma para explorar suas próprias ideias, cenas e concepções. Foi assim com Lolita de Vladimir Nabokov, com Laranja Mecânica de Anthony Burguess, com o conto de Arthur C. Clarke que inspirou 2001 e assim também seria com O Iluminado. Mas um documentário do ano passado une diferentes interpretações para chegar a uma conclusão impressionante sobre o filme de 1980.
Room 237 – ou Quarto 237 -, de Rodney Ascner, mostra que O Iluminado não é apenas um filme de terror. São várias camadas de interpretação que mostram que o filme conta não uma, mas várias histórias: há referências ao holocausto nazista escondidas no roteiro, à chacina do povo indígena norte-americano em diálogos e detalhes da direção de arte, referências à lenda que Kubrick teria forjado o filme da Apollo 11 pousando na Lua, jogos de óptica, a onipresença do número 42, quebra-cabeças, personagens que se superpõem, truques que só podem ser identificados depois que cenas são vistas múltiplas vezes, formas geométricas subliminares, takes que se repetem em referência. Somos apresentados a pontos de vista de críticos, acadêmicos e historiadores. Há evidências que muitas dessas camadas foram deixadas de propósito por Kubrick.
Até que, num dado momento do documentário, alguém cita o dono de um site chamado MSTRMND (“mastermind” sem as vogais) que conta com uma longa dissertação sobre o filme e, em texto, surge um aviso explicando que, mesmo procurado, ele não quis dar entrevista ao documentário. Visitei o site e li não apenas a tese sobre O Iluminado como as diversas reflexões sobre diferentes filmes e um dos pontos principais de suas análises é o fato de que diretores de cinema não lidam apenas com as histórias que cogitam em seus roteiros.
E num dado momento o autor cogita a possibilidade de Kubrick estar antecipando uma nova linguagem que não necessita de palavras – e sim que empilha imagem, som, movimento, referências e, também, texto, que poderia substituir a escrita num futuro próximo.
Lia esse texto no computador quando, num impulso quase inconsciente, acionei o alt+tab e pulei blogs, as timelines do Twitter e do Facebook, alguns tumblrs, páginas de notícias que intercalam texto, áudio e vídeo. E vi que já estamos indo rumo a esta nova linguagem – isso sem contar emoticons, emojis, gifs animados e diferentes tipo de fontes…
Kubrick, mais uma vez, tinha razão.
O site The Overlook Hotel, dedicado, como o título entrega, às minúcias do filme de terror de Stanley Kubrick, publicou há uma semana a foto original sobre a qual foi colocada a cabeça de Jack Nicholson na última cena de O Iluminado. A foto foi encontrada em um livro de 1985 sobre retoques em fotografia e destaca a imagem deste ilustre anônimo que a história não reconheceu.
Ao redor dele, no entanto, há pessoas não tão desconhecidas assim, como é possível descobrir através do documentário de Rob Ager que vincula O Iluminado à criação do sistema financeiro global. Vi no Slashfilm.
Que o Kubrick trabalhava com essa perspectiva quase como uma regra – principalmente em seus filmes desde Dr. Fantástico -, eu já sabia. Mas ver essa comparação em vídeo é ooooutra história, veja abaixo:
E já que o papo tá no Kubrick, vocês conhecem o blog do Kiko Dinucci, o Olho Derramado, em que ele fala um monte sobre cinema? Olha ele falando sobre O Iluminado:
Sempre que vou para Recife, dou um jeito de passar no Cine São Luiz, situado na rua da Aurora, Centro. O antigo cinema foi comprado e reformado pela prefeitura, sua arquitetura original foi mantida. Assisti, na primeira visita a essa sala, ao filme pernambucano A Filha do Advogado, com música ao vivo, executada por Arrigo Barnabé, durante a Mostra de Cinema Silencioso. Voltei à sala novamente durante a VI Janela Internacional de Cinema do Recife. Sem saber da programação, fui informado sobre uma retrospectiva da obra de Stanley Kubrick. O filme da noite seria uma cópia devidamente restaurada de The Shining (O Iluminado). Comprei o ingresso duas horas antes, corri até o Centro Antigo para beber um tradicional “maltado cubano” bem gelado e retornei à sala. Costumo dizer às pessoas que a sala do Cine São Luiz, com seus vitrais laterais, é tão bonita e mágica que até assistir a tela em branco já é um evento. Eu poderia ficar horas naquela sala, frente à tela em branco. Durante a sessão lotada, tive uma leitura do filme inédita para mim.
Além de todo terror presente em O Iluminado, há uma trajetória marginal do personagem Jack Torrance, interpretado por Jack Nicholson. Esse trajeto, talvez, passe despercebido para a maioria dos espectadores. Vou tentar reproduzir aqui a reflexão que tive naquele espaço lúdico chamado Cine São Luiz.
Continua lá no blog dele.