Kubrick explica 2001

, por Alexandre Matias

2001-quarto

Famoso por não discutir os temas relacionados aos seus filmes, Kubrick ergueu um monumento à linguagem cifrada quando lançou seu filme mais emblemático, 2001 – Uma Odisseia no Espaço. Até hoje, cinquenta anos depois, discute-se a importância deste filme do ponto de vista de suas cenas enigmáticas, especialmente a sequência final “Júpiter e Além”, que fez os críticos da época saírem da pré-estreia perguntando-se “que porra é essa?”.

O próprio Kubrick, em uma entrevista para a revista Playboy na época do lançamento do filme, disse que “não é uma mensagem que eu quero passar em palavras. 2001 é uma experiência não-verbal; duas horas e dezenove minutos com apenas cerca de quarenta minutos de diálogo no filme. Tentei criar uma experiência visual, uma que ultrapassa classificações verbalizadas e penetra diretamente no subconsciente com um conteúdo filosófico e emocional. Desenvolvendo McLuhan, em 2001 a mensagem é o meio. Eu quis que o filme fosse uma experiência intensamente subjetiva que alcança o espectador num nível interior de consciência, como acontece com a música; “explicar” uma sinfonia de Beethoven seria castrá-la ao erguer uma barreira artificial entre a concepção e a apreciação. Você está livre para especular como quiser sobre o significado filosófico e alegórico do filme – e tal especulação é uma indicação que o filme foi bem sucedido ao pegar o público em um nível profundo – mas eu não quero ditar um mapa para que cada espectador de 2001 se sinta obrigado a segui-lo ou então ele não terá entendido. Acho que se 2001 é bem sucedido, é em atingir um vasto espectro de pessoas que nunca havia pensado sobre o destino da humanidade, seu papel no cosmos e sua relação com formas superiores de vida. Mas mesmo no caso de alguém que é altamente inteligente, algumas ideias encontradas em 2001, se apresentadas como abstrações, não funcionariam e seriam automaticamente forçadas a seguir categorias intelectuais; experimentadas em um contexto emocional e visual em movimento, contudo, eles podem ressoar nas fibras mais profundas de nós.”

Mas eis que, durante as gravações de um documentário japonês sobre o filme de Kubrick de 1980, O Iluminado, o diretor baixa a guarda e conta o que pretendia com as cenas finais de seu clássico filme de 1968. O documentário, liderado pela celebridade de TV japonesa Jun’ichi Yaio, nunca foi realizado, mas as fitas com suas gravações foram leiloadas em 2016 e agora finalmente aparecem na internet. Em um thread do Reddit, em um trecho da entrevista de uma entrevista de Jun’ichi Yaio com Kubrick ao telefone, o diretor explica o final de 2001 de forma sucinta.

“Eu tentei evitar fazer isso desde que o filme saiu. Quando você apenas fala sobre as ideias elas soam tolas, enquanto se você as dramatiza pode fazê-los sentir, mas vou tentar. A ideia é que supostamente ele é levado por entidades de características divinas, criaturas de pura energia e inteligência sem formato. Eles o colocam naquilo que você pode descrever como sendo um zoológico humano para estudá-lo e ele passa o resto da sua vida daquele ponto naquele quarto. Ele não sente o tempo. Parece acontecer da mesma forma que acontece no filme.

Eles escolhem este quarto, que é uma réplica bem imprecisa de arquitetura francesa (deliberadamente feita para ser imprecisa), porque alguém sugeriu que eles tinham alguma ideia de que ele poderia pensar o que era bonito, mas não tinham certeza. Da mesma forma que nós não temos certeza sobre o que fazer nos zoológicos com os animais para tentar dar uma ideia do que achamos que é seu ambiente natural.

De toda forma, quando eles terminam com eles, como acontece com tantos mitos em nossas culturas no mundo, ele é transformado em uma espécie de super ser e mandado de volta para a Terra, transformado e agora na forma de uma espécie de super-homem. Só nos restas imaginar o que pode acontecer quando ele volta. É o padrão de boa parte das mitologias e era isso que estávamos querendo sugerir.”

A íntegra da fita pode ser vista abaixo:

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