Para ouvir lendo a Kim Gordon

kim

A Rocco me pediu que eu fizesse uma playlist baseada no livro da Kim Gordon que traduzi com minha mulher e aproveitei pra falar deste processo de tradução em casal. A playlist tá lá no site da editora.

Uma tradução em casal

Lembro quando me ofereceram a tradução de Girl in a Band, da Kim Gordon, no início deste ano, e imediatamente pensei em fazer junto com a minha esposa, Mariana. Já havíamos traduzido dois livros juntos e ela estava começando a pegar gosto pela atividade, imaginei perfeitamente o entusiasmo dela ao saber que poderia traduzir o livro. Kim, como o Sonic Youth, é desses primeiríssimos gostos em comum de casal e fora os dois primeiros shows que a banda fez no Brasil (no festival Free Jazz no ano 2000 e no festival Claro que é Rock em 2006), quando ainda não nos conhecíamos, assistimos a vários outros shows da banda juntos.

O grupo tocou na nossa “festa de casamento” quando agendamos o matrimônio para Las Vegas – no meio do Grand Canyon, para ser mais exato, nos Estados Unidos, para coincidir com o festival de 21 anos da gravadora Matador (que ainda teve Spoon, Pavement, Jon Spencer Blues Explosion, Yo La Tengo, Superchunk, Belle & Sebastian, Guided by Voices e muitos outros) e também vimos o grupo executar ao vivo (ao lado do John Paul Jones do Led Zeppelin!) a trilha sonora de uma das últimas apresentações do mestre da dança moderna Merce Cunningham, no austero teatro da Brooklyn Academy of Music, no subúrbio hipster de Nova York, além de ver, debaixo de chuva, dois de seus outros shows no Brasil, no festival Planeta Terra em 2009 (tocando quase todo o repertório do clássico Daydream Nation) e no festival SWU em 2011.

Quase perdemos essa última apresentação, num misto de soberba e início de velhice. Um festival fora de São Paulo, em Itu, em que era preciso pegar a estrada e encarar estacionamento de terra num dia que as nuvens pairavam a poucos centímetros do olhar, prenunciando uma chuva braba. Fora que as outras atrações do festival não animavam nem um pouco o espírito idoso que nos cutucava, ainda jovem casal. Havíamos acabado de ver a banda no ano anterior, por isso desistimos. Paciência. Perderíamos aquele show.

Eis que uma fada surgiu do nada e o céu se abriu. De repente, não apenas tínhamos dois ingressos de cortesia como poderíamos ir até Campinas e pegar uma van da produção até o festival. Lia chamou Mariana e perguntou, como quem não quisesse nada, só procurando uma companhia para um show que havia conseguido ingressos. Ganhou uma carona e nossa eterna satisfação. Estacionamos no Royal Palm Plaza e fomos levados para um portão próximo ao palco que queríamos assistir, todos já de capa de chuva, que deixava de ameaçar para começar a molhar o público. Paramos em um lugar distante, mas que permitia ver o palco e lá ficamos.

Assim que o Sonic Youth chegou, parou de chover. A banda fez um show furioso, misturando hits de todas as épocas com músicas de seu disco mais recente. A energia da banda no palco era contagiante, embora a maior parte do público apenas estivesse esperando a próxima banda, pois o festival nada tinha a ver com o grupo. De longe viam-se focos de rodinhas entusiasmadas no meio de gente passeando ou conversando, que só olhava para o palco quando o grupo ia para as músicas da época em que o grupo tocava na MTV, como “Teen Age Riot”, “Sugar Kane”, “Drunken Butterfly” e “Mote”. Mas a banda não parecia estar se preocupando com isso e se entregava à microfonia, em mais um daqueles espetáculos entre o punk e o experimentalismo que eu e minha mulher já havíamos nos acostumados a assistir. Lembro da sensação de certeza de saber que todo show do Sonic Youth era bom, daquelas sensações que eu não precisava falar para saber que ela também sentia isso. O show terminou, a chuva voltou, pegamos a van de volta pro hotel em Campinas e de lá de volta pra São Paulo, em uma hora estávamos sãos e salvos em casa longe da chuva, e no caminho viemos falando sobre como era bom ter uma certeza há tanto tempo quanto os shows do Sonic Youth.

Por isso a nossa surpresa – e de todo mundo que conhecia a banda, quando a separação de Kim e Thurston foi anunciada e a banda dissolvida. Uma certeza sólida que se desfazia no gesto mais mundano possível, Thurston estava tendo um caso e Kim havia descoberto. O senso de fofoca invadiu o universo indie e além das indiretas nas entrevistas ou nas entrelinhas de seus discos solo, muito se especulou, e descobriu, sobre quem era a amante do guitarrista, numa tentativa ridícula de vilanizá-la como aconteceu com Yoko Ono no fim dos Beatles. Parecia pior por não ser só uma banda, mas um casal que havia se tornado um parâmetro de como envelhecer juntos, e cool, para mais de uma geração.

Traduzir a autobiografia de Kim nos deu a oportunidade de mergulhar na vida da autora que também era nosso ídolo, não apenas vertendo o texto para o nosso idioma, mas buscando as referências da época para explicar todo o contexto histórico. Traduzir com a internet ao lado tem essa facilidade que permite que você visite lugares citados pelo Google Maps, compare modelos de instrumentos nos sites oficiais dos próprios fabricantes, além de poder ver clipes, shows, vídeos, filmes e músicas citados, inclusive os que não são do autor. Aliando isso ao fato da minha coleção de Sonic Youth ter tanto discos oficiais quanto piratas, além das caixas que o grupo relançou para seus discos clássicos, traduzir Girl in a Band, que preferíamos ter chamado de Garota na Banda, sem o artigo – foi um mergulho na Califórnia dos anos 70, na Nova York dos anos 80 e no mundo do rock alternativo das duas décadas passadas, quase sempre ouvindo Sonic Youth.

Por isso não foi muito complicado escolher as músicas para uma playlist em homenagem ao livro, que me convidaram para fazer. Uma lista de músicas que prefiro começar com um vídeo, já que o primeiro capítulo do livro narra aquele show no SWU em 2011 como o momento em que a ficha havia caído sobre seu casamento. E rever os vídeos daquele show me fez perceber que todo o entusiasmo da banda era masculino, Thurston estava sozinho em um canto do palco, o resto da banda (Steve Shelley na bateria, Lee Ranaldo e o ex-Pavement Mark Ibold nas guitarras) no outro canto e Kim, no meio, completamente alheia a tudo aquilo, como descreve no livro. Fui procurar um vídeo em que aparecia o tal globo azul que ela citava e, quando percebi, estava vendo um vídeo que eu mesmo havia filmado, sem perceber que registrava um momento bem específico: o fim do casamento de Kim e Thurston e do Sonic Youth. É com ele que eu abro essa playlist.

Kim Gordon, versão brasileira

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Dos prazeres da vida a dois: traduzir um livro juntos. Eu e Mariana, minha mulher, estamos passando por essa experiência há um tempo (já estamos indo para o quinto livro traduzido juntos), discutindo sentido de expressões, termos técnicos e que adjetivo funciona melhor para o que o autor quis dizer. Essa atuação ganhou um coração a mais quando nos juntamos na leitura e tradução de casal de um dos livros de uma de nossas “ídolas” – Kim Gordon, que lançou seu livro de memórias Girl in a Band no início do ano e que tivemos a honra e o prazer de traduzi-lo, chega às livrarias nacionais com nossa assinatura de tradução pela editora Rocco. Um livraço tanto para fãs do Sonic Youth, para quem tem Kim como ideal feminino quanto para quem se interessa por feminismo e cultura alternativa e independente como um todo.

Também escrevi a orelha do livro, que reproduzo abaixo:

Com o baixo (e depois guitarra) em punho, Kim Gordon era um dos alicerces que sustentou por trinta anos o Sonic Youth, uma das principais instituições do rock independente mundial e da vanguarda pop global de nossa época. Fundada em 1981 ao lado do então namorado (e depois marido e pai de sua filha) Thurston Moore e do amigo Lee Ranaldo, a banda passou três décadas experimentando os limites entre o punk rock e a música erudita contemporânea, enquanto explorava outras áreas, da televisão ao cinema, da moda às artes plásticas, a dança e a publicidade, reunindo fãs enquanto gravavam discos, faziam clipes e shows por todo o mundo.

O Sonic Youth terminou ao mesmo tempo em que o o casamento de Kim. A ficha sobre o fim das duas relações caiu para a artista quando o grupo se apresentou pela quarta vez no Brasil, no final de 2011. Em frente a uma multidão de desconhecidos e entre bandas pop que nada tinham a ver com o histórico de sua banda, ela percebeu que um ciclo havia se encerrado e, como numa sessão de terapia, começa sua festejada autobiografia Uma Garota em Uma Banda pelo fim, ao acrescentar o ponto final a uma banda que começou tocando em moquifos mal frequentados de Nova York no meio de uma tempestade em festival pop no interior de um país em outro hemisfério.

Um ciclo improvável para uma garota da Califórnia filha de intelectuais que liam beatniks e ouviam free jazz, e que cresceu vendo os últimos anos do sonho hippie se transformar num pesadelo imaginado por Charles Manson. Convivendo com uma família formada por um pai recluso e erudito, uma mãe criativa mas frustrada e um irmão com sérios problemas, ela descreve sua tortuosa trajetória para tornar-se uma artista, que a levou de uma costa à outra dos Estados Unidos e de escolas de arte para a boemia pós-punk da capital cultural do ocidente no fim do século.

E durante este percurso, ela percebe o duro fardo de ser uma mulher em uma sociedade machista em todas suas esferas. Uma Garota em Uma Banda não é apenas a biografia de um ícone indie nem uma sessão de descarrego emocional: é um libelo feminista em forma de relato, que mostra que mesmo que tenhamos evoluído muito nestes termos, ainda temos muito caminho pela frente. E Kim Gordon sabe o quanto isso é recompensador.

Joan Jett, Kim Gordon, Lorde e St. Vincent em tributo ao Nirvana durante a cerimônia de introdução da banda ao Rock and Roll Hall of Fame 2014

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O Nirvana foi um dos homenageados na vigésima nona cerimônia do Rock and Roll Hall of Fame, que aconteceu na noite de quinta pra sexta no Barclays Center of Brooklyn, em Nova York. E mesmo que esse prêmio, na prática, não signifique grande coisa, a noite de ontem serviu para reunir novas e velhas estrelas como Joan Jett, Kim Gordon, Lorde e Annie Clark (aka St. Vincent) para celebrar a importância da banda ao lado dos integrantes remanescentes da banda, Dave Grohl, Krist Novoselic e Pat Smear. Seguem os vídeos abaixo:

 

4:20

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Uma tarde com as garotas

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Carrie Brownstein, Kim Gordon, Amy Poehler e Aimee Mann se encontraram dia desses prum brunch

O que Hank e Marie assistiram no domingo passado

Mas sobre essa história da Miley Cyrus na premiação da MTV, fico com as sábias palavras da musa Kim Gordon.

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Kim Gordon + Primal Scream

E Bobby Gillespie chamou a senhora Sonic Youth para acompanhar sua banda durante dois números no último dia 13, durante seu show no Islington Town Hall, em Londres. Kim Gordon cantou “I Want You” dos Troggs e “I Wanna Be Your Dog”, dos Stooges. Sente só:

A foto que ilustra o post é de Ross Teperek. E, numa nota paralela sobre o Sonic Youth, fãs ajudaram a banda a recuperar guitarras que foram roubadas da banda em 1999.

Yoko Ono + Kim Gordon + Thurston Moore

Reunido o suprassumo da vanguarda nova-iorquina, Yoko, Thurston e Kim gravaram YoKimThurston (sério) no ano passado, antes do casal Thurston e Kim ter se separado e causado o fim do Sonic Youth. O disco já está na pré-venda pela Chimera Music e deve sair até o final deste mês. Dá uma sacada num show que os três fizeram no ano passado, abaixo:

 

Juventude sônica: Kim Gordon adolescente

Muito antes de ela conhecer o Thurston, Kim Gordon fez um curta-metragem sobre Nova York feito com o amigo Felipe Orrego, em 1976. Segue um trecho abaixo:

Mais informações aqui.

Thurston Moore, Kim Gordon e o futuro do Sonic Youth

Duas fotos (uma oficial, do Marcus Hermes, e outra da cobertura da Soma, da Caroline Bittencourt)…

…e uma pergunta: e agora?

Fui ao SWU só pra assistir ao show do Sonic Youth (os vídeos tão subindo, hehe). Entrei na muvuca quando eles começaram a segunda música e zarpei fora ouvindo o Primus tocando ao fundo. Havia o boato, ainda não confirmado, de que aquele seria o último show da banda. Não importava – era um show do Sonic Youth, vê-los era uma obrigação.

O que ninguém soube responder foi se aquela, de fato, era a última apresentação do grupo – afinal, seu casal central, Thurston Moore e Kim Gordon, não é mais um casal (há quem culpe a banda da filha deles, mas acho que é maldade). Mas não parecia um último show. O nível de catarse e despojamento instrumental foi característico de outras apresentações da banda. Não houve sinal de despedida definitiva, no máximo o “nos vemos em breve” dito por Thurston Moore no final, que não decifra nada – ele podia estar falando de sua carreira solo. Houve quem sentisse uma tensão no palco entre os dois e quem notasse que Kim ainda estava usando aliança. Tive a impressão de estar vendo um show normal dos caras e tenho a sensação de que eles não fariam sua última apresentação longe de casa, em Nova York.

Mas isso sou eu. Alguém sabe de mais algo?