Fala Kassin (ainda que num comercial, mas enfim).
Fechamos a tal coletânea. Pra quem quer ouvi-la de uma vez só, basta baixar o disco na íntegra aqui. A relação final com todas as músicas ficou assim:
1) Lulina – “Mentirinhas de Verão”
2) Ava Rocha – “Filha da Ira”
3) Lucas Santtana – “Nighttime In The Backyard”
4) Wado – “Frágil”
5) João Brasil – “Orgasmadance”
6) Burro Morto – “Navalha Cega (Violas)”
7) Frank Jorge – “São Tantas Tendências”
8) Momo – “Mas É o Fim”
9) Curumin – “Solidão Gasolina”
10) Kassin – “Pra Lembrar”
11) Nina Becker – “Polyester Tropical”
12) Gabriel Thomaz – “248-6279”
13) Céu – “Cangote”
14) Do Amor – “Mindingo”
Pra quem não sabe o que é OViolão, eu expliquei uma parte aqui e o Bruno explicou a outra aqui. Lembre-se que escrevemos 01 na capa – o que pode dar brecha prum zero dois.
E segue a primeira coletânea dOEsquema – na faixa de hoje, Kassin começa a burilar o já conhecido tema de “Pra Lembrar” no violão, adiciona uns blips eletrônicos, puxa a guitarra e vai pra paisagem pastoril em que Sean O’Hagan cria suas High Llamas. Do outro lado, o Bruno chama o Curumin.
Kassin – “Pra Lembrar“
Boa idéia, essa da Trip. Em vez de repetir de novo a capa do Tropicália (talvez o maior clichê do jornalismo musical brasileiro), eles foram atrás de uma clássica capa de uma antiga Realidade com Milton Banana, Jairzão, Magro do MPB-4, Caetano, Nara, Paulinho da Viola, Toquinho, Chico Buarque e Gil…
…e a recriaram com Junio Barreto, Rômulo Fróes, Ganjaman, Tatá, Catatau, Hélio do Vanguart, Thalma, Kassin e Céu.
Mas em vez da matéria ser mais uma cantinela de viúva da MPB tentando enquadrar novos Caetanos ou as “novas divas” que alimentam cadernos de cultura pelos jornais do Brasil, o texto do Bressane concentra-se em um ponto específico desta geração anos 00 – o perfil colaboracionista, em que todo mundo já tocou com todo mundo. A pauta só peca por insistir nessas de MPB – o atual pop brasileiro (inclusive o que inclui os nove acima) vai muito além da canção e do violão, e inclui hip hop, indie rock, psicodelia, bocas desdentadas, groove latino, bateria eletrônica, guitarra elétrica e versos em inglês.
Mas eu sei como funcionam as revistas…
O Itaú Cultural fez um especial sobre a Jovem Guarda, com farto material multimídia e vários textos sobre o tema – vale a visita. E entre artigos assinados por bambas como o Fernando Rosa e o Ricardo Alexandre, me pediram para escrever uma matéria sobre a influência do movimento cultural no pop brasileiro do século 21. Olha o texto aê (para o ler o original, entre no site e clique na seção Textos).
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E que tudo mais vá pro inferno
Geração pop endossa a importância da jovem guarda para a história da música brasileira
Dá para imaginar o que seria da música brasileira se não houvesse a jovem guarda? Mesmo que não possa ser ouvido como um gênero específico – afinal, começou como a diluição do impacto mundial do rock por meio do senso estético e passional da América Latina –, o movimento talvez tenha sido o principal fenômeno musical do século passado no Brasil. Sua força vai além das canções e dos filmes de Roberto Carlos. Jovens, urbanos e elétricos, seus músicos conseguiram atingir o país com o mesmo impacto dos reis e das rainhas do rádio nas gerações anteriores e tiveram suas principais características absorvidas por quase todos os músicos, compositores e intérpretes que vieram em seguida. Do samba-rock ao tropicalismo, passando pela cena funk/soul dos anos 1970, pelos Mutantes e pela própria MPB, e indo até a música sertaneja e o rock dos anos 1980, todos reconhecem que a jovem guarda foi uma das manifestações populares mais autênticas da música brasileira, cuja repercussão ainda é sentida no país.
Por mais diverso e esquizofrênico que pareça ser o cenário pop atual, ele tem suas raízes inteiramente vinculadas ao movimento inaugurado pelo trio Roberto, Erasmo e Wanderléa. E da jovem guarda é possível colher frutos tão improváveis quanto a eletricidade dançante do trio Autoramas, as guitarras do La Pupuña, a autocrítica pop do Cabaret, o romantismo descarado do Cidadão Instigado, as melodias do Mombojó e o apelo direto de Lucas Santtana, além de toda a escola de rock gaúcho inaugurada pela Graforréia Xilarmônica, do carisma do pernambucano China e do tom confessional do Los Hermanos.
Um exemplo dessa influência direta está em Gabriel Thomaz, do Autoramas, que se reuniu com outros músicos de sua geração para, ao lado do tecladista Lafayette Coelho, reverenciar o período com a banda Lafayette e os Tremendões. Já China e alguns integrantes do Mombojó celebram a importância de Roberto Carlos com o grupo Del Rey. Trata-se de uma geração que cresceu ouvindo esse ritmo sem os preconceitos dos que, naquele período, o tachavam de música descartável ou rotulavam os músicos da jovem guarda de alienados políticos.
“Uma pitada sacana”
“Não sei se existe outro movimento nacional mais influente quando se fala em música popular. Todo mundo ouviu e tirou alguma coisa da jovem guarda, de Caetano Veloso ao brega paraense, de Amado Batista ao Autoramas”, explica Gabriel Thomaz. O gaúcho Frank Jorge, fundador da Graforréia Xilarmônica, concorda: “Foi ela quem trouxe o tipo de formação instrumental baixo, guitarra, bateria, voz e órgão, um novo enfoque para os arranjos”. O paulistano Curumin complementa: “Não consigo imaginar, por exemplo, o que teria acontecido com a tropicália, a psicodelia, o samba-rock e o rock dos anos 1980 caso a jovem guarda não tivesse acontecido”. Para Adriano Sousa, baterista da banda paraense La Pupuña, “o maior legado são as guitarras, os teclados do Lafayette e, claro, as letras, ingênuas mas com uma pitada sacana”.
Márvio dos Anjos, da banda Cabaret, teoriza: “Radicalizando, sem a jovem guarda o cenário pop do Brasil teria abraçado esse conceito babaca de linha evolutiva da MPB de raiz. Haveria rock, mas Cabeça Dinossauro [1986], dos Titãs, por exemplo, não seria precedido por canções deliciosas como Sonífera Ilha e Insensível. O Los Hermanos teria inaugurado a carreira com Bloco do Eu Sozinho [2001], e perderíamos Anna Júlia, que é a obra-prima deles. Sem falar o que devem a eles várias bandas do fim dos anos 1990, como Autoramas, e todo o rock gaúcho. Por outro lado, os caminhos de Rita Lee – com o Tutti-Frutti – e de Lulu Santos não teriam sido pavimentados por uma série de corinhos, e talvez eles fossem menos subestimados do que são por parte da geração atual. Enfim, o problema é que, com ou sem jovem guarda, o Brasil ainda é muito preconceituoso com a música adolescente. A galera quer ver maturidade em tudo e não repara que isso é coisa de velho”.
Já o compositor baiano Ronei Jorge pondera a extensão da influência da jovem guarda: “Não sei se dá para precisar o legado da jovem guarda na atual geração. Muitas coisas se passaram e se misturaram: tropicalismo, bossa nova, música cafona, mangue-beat etc.”. Kassin, que participa de projetos como o + 2 e o Artificial, além da banda Acabou la Tequila, pontua: “Acho que as gravações mudaram muito com a jovem guarda – a forma de orquestração, a introdução da guitarra. Isso abriu as portas para o que veio depois”. BC, guitarrista da banda brasiliense Móveis Coloniais de Acaju, complementa: “Houve um lado tecnológico, quando surgiram guitarras, baixos e amplificadores nacionais”.
Liberdades individuais
O fenômeno pop da jovem guarda deve-se em grande parte à expansão da cultura rock ’n’ roll pelo planeta, que estabeleceu um novo parâmetro para a música feita no Brasil. “A jovem guarda é a precursora do rock no país e tem um papel importantíssimo num conceito de rock sobre e para a diversão”, continua Márvio. “Hoje, o engajamento político está cada vez mais démodé, as democracias estão aí como queríamos, os movimentos sociais e as ONGs, mas o que a nossa geração quer mesmo são as liberdades individuais. A jovem guarda falava disso e virou referência, mesmo com uma rebeldia mais ingênua. ‘Manter a fama de mau’ para sair com mulheres, o sonho com o carro, a insatisfação com a ilegalidade dos prazeres ou com a rigidez da moral vigente”. Kassin emenda: “Para mim, aquelas músicas do Chico Buarque falando coisas pelas beiradas não faziam o menor sentido quando eu era adolescente. Minha reação era: ‘Por que ele não fala o que está pensando?’. Claro que hoje entendo melhor o período, mas a jovem guarda não precisava ser explicada”.
“Música emociona ou não emociona”, diz o cearense Fernando Catatau, guitarrista e líder do Cidadão Instigado. “As pessoas queriam ouvir canções politizadas no Brasil, então qualquer uma que não fosse assim parecia não ser legal. E na jovem guarda era tudo muito simples e puro”. Frank Jorge concorda: “Os tempos pediam posicionamentos. E eles diziam coisas que faziam sentido para eles e, é claro, para milhões de brasileiros. Podiam não ter uma postura política orgânica, engajada, mas a exerciam na prática”.
“Quase orixás”
Lucas Santtana cita uma música como exemplo da força do movimento: “Quero que Vá Tudo pro Inferno, de Roberto e Erasmo Carlos, já começa negando a tradição da canção popular brasileira ao indagar: ‘De que vale o céu azul e o sol sempre a brilhar?’. Símbolos que sempre foram orgulho nacional são postos à prova para no refrão culminar no que Fausto Fawcett chamaria de ‘puro-desabafo-egotrip-adolescente’: ‘Só quero que você me aqueça nesse inverno/E que tudo mais vá pro inferno’”. Gabriel concorda: “A jovem guarda reside no trio Roberto, Erasmo e Lafayette, e Quero que Vá Tudo pro Inferno tem o dedo dos três. É o som característico da jovem guarda”. “É uma obra-prima”, afirma China. “Como um artista consegue fazer sucesso com uma música que manda tudo pro inferno? É meio surreal se levarmos em conta todo o momento político da época.”
A dupla Roberto e Erasmo tem papel crucial nessa história: “É clichê falar deles como Lennon/McCartney, Jagger/Richards, mas a alimentação entre os dois, a provocação, as piadas internas, a competição e a busca por aprofundamento de caminhos musicais sem sair do pop os tornam artistas muito mais interessantes. Como se não bastasse o repertório”, lembra Márvio.
Lucas Santtana pontua que “a canção popular brasileira foi geneticamente modificada pela dupla e sua herança é nítida até hoje quando ouvimos artistas atuais como China, Ronei Jorge, Catatau, Rubinho Jacobina e Flavio Basso”. “Os dois são quase orixás”, arremata Kassin.
Hoje começa série de InfoSessions dentro da programação da Red Bull Music Academy. São noites de papos e prática com personalidades da cena musical de cinco capitais brasileiras, que estarão reunidas pra falar de sua relação com a música e como as novas tecnologias interferem em seu trabalho. Depois do papo, as mesmas pessoas se reúnem para compor e produzir uma música na hora. É, na hora. Sem ensaio, sem nada pré-determinado. O barato é ampliar o conceito de jam session para algo prático e rápido – em vez de altas viagens instrumentais, uma canção certeira.
No Rio, os nomes são a dupla Berna e Kassin, a cantora Deize Tigrona, o músico Lucas Santtana, o produtor MPC (do grupo Digitaldubs) e o rapper BNegão. Depois do Rio vem Porto Alegre, Brasília, São Paulo e Recife.
E eu com isso? Bom, eu bolei esse conceito e tou acompanhando esse papo in loco, mediando os papos e assistindo a todas as produções. Voce também pode – é só se inscrever aqui nesse site.
Nos vemos, portanto.
Disco 22) Free U.S.A. – Artificial
Kassin vem pouco a pouco mudando a paisagem do cenário pop brasileiro, contrabandeando idéias do underground para o mainstream, do indie paulista para o pop carioca, da MPB radiofônica para a IDM eletrônica – e vice-versa. O ponto central de sua carreira não parece ser o convencimento alheio de que suas idéias são relevantes, mas a lenta mutação de (todas, se possível) referências laterais, de forma que quando ele levantar a cabeça para olhar ao redor tudo já estará mudado – e, mais importante, por dentro. Uma empreitada que o coloca ao lado de nomes como Nelson Motta, DJ Marlboro, Lulu Santos, R.H. Jackson, Moraes Moreira, Frank Jorge, Fagner e Liminha – outros paisagistas do pop Brasil. Seu projeto pessoal, o Artificial, começou como um passatempo geek ao lado de seu compadre de estúdio Berna Ceppas, crackeando Gameboys para transformá-los em instrumentos musicais, mas tornou-se o melhor disco em que se envolveu desde O Bloco do Eu Sozinho, do Los Hermanos, além do único em que sua paisagem musical mostra-se por inteiro. Free U.S.A. é habitado pelas contradições artísticas de sua carreira (pop e hermético, noturno e tranqüilo, robótico sem ser frio, nerd com suíngue, indignado e cool), todas evidenciadas no fato do CD ser, ao mesmo tempo, vanguardista e clichê – e bom, como quase todo disco que ele faz.
Música 22) “Balança” – Turbo Trio
Mais do que uma das inúmeras peripécias de fim de ano do Instituto, “Balança” é decorrência natural do trabalho de BNegão – que mexe desde suas incursões a um som mais porrada de seus tempos do Planet Hemp (em que tocava rock e flertava com o hardcore), à crueza óbvia do Funk Fuckers (visitando o batidão carioca pela tosqueira, dez anos antes de “grime” ser elogio) e o lado mais seco e politizado com os Seletores de Freqüência. Não que um refrão repetitivo que imponha o requebro tenha algo de político (além das pol;iticas do groove, que é um cavalo de outra cor), mas acrescenta mais um fragmento à cada vez mais unificada persona musical do MC. As cores pintadas por Tejo e Basa (escuras, frias, robóticas e mais dance que funky) ajudam a dar uma tensão específica ao baile dos mortos-vivos incitado pelo mantra agressivo da música – e jogam um holofote macabro sobre o vocal de Bernardo, como relâmpagos de filmes de terror B recriados no século 21 (alguém viu Van Helsing?). Mesmo sem ter sido oficialmente lançada ainda, a faixa captura, uma “Dança do Patinho” do mal, com perfeição a vibração de 2005: tenso, oco, sério e divertido.
Show 22) Dr. John no Tim Festival, no Rio de Janeiro
Para algumas pessoas, era apenas um tiozinho num paletó laranja e chapéu de mosqueteiro puxando funk jazz blues pra turistas em um lobby de hotel quatro estrelas num país qualquer do fim do mundo. Mas sob o aparente conformismo fusion estava a voz do atual prefeito musical de Nova Orleans (no enésimo mandato, está no cargo desde os anos 80) cantando o pesar e o luto de uma cidade que sabe que irá renascer pela música. Se na casca era um show do antigo Free Jazz, por dentro era o sentimento de perda e devastação pós-Katrina que foi a espinha dorsal da noite e recriações de standards (“When the Saints Go Marchin’ In”, “Jambalaya” e “Goodnight Irene”), que ganharam contornos fúnebres e dramáticos à sombra do furacão – a caveirinha em cima do piano, é bom lembrar, serve pra não nos esquecermos do mesmo fim que a todos espera. O resto da noite trouxe músicas do EP Sippiana Hericane (de faixas como “Clean Water” e “Storm Surge”), entre elas “Sweet Home New Orleans”, com que o mestre de sala deixou o recinto: “We’re gonna be back/ Twice as strong”.