Longe dos palcos principais João Donato começou a mostrar seu novo disco elétrico e Kassin homenageou Lincoln Olivetti – escrevi sobre isso lá pro UOL e fiz esse videozinho abaixo na Rock Street.
Na minha terceira coluna para a Caros Amigos, escrevi sobre o show que vi de João Donato no Beco das Garrafas – e falei sobre sua influência na música deste século. Também fiz uns vídeos desse show, numa playlist que segue lá embaixo.
Ave Donato!
João Donato se apresenta no renascido Beco das Garrafas e mostra que sua influência na música brasileira é cada vez maior
Fui para o Rio de Janeiro meio no susto no mês passado e da mesma forma fiquei sabendo que o mítico Beco das Garrafas estava voltando a funcionar como casa de shows. Uma viela sem saída que corta a Rua Duvivier, em Copacabana, logo no início, o Beco atingiu o status legendário ao funcionar como casa das máquinas da cena musical carioca que viu nascer a bossa nova.
Influenciados pelo jazz norte-americano, instrumentistas, compositores e intérpretes se revezavam nos minúsculos palcos de bares chamados Bottle’s, Baccará, Ma Griffe e Little Club para a ira dos vizinhos, que não suportavam as jam sessions que varavam as madrugadas e saudavam os músicos com garrafas jogadas do alto. Foi Sergio Mendes quem batizou a viela de “Beco das Garrafadas”, que na versão que pegou ficou apenas com as garrafas.
Por ali passaram mestres do samba, da bossa nova e do samba-jazz, como Luís Carlos Vinhas, Chico Batera, Dom Um Romão, Airto Moreira, Bebeto Castilho, Baden Powell, Wilson das Neves, Johnny Alf, Jorge Ben e intérpretes históricas como Elis Regina, Alaíde Costa, Dolores Duran, Nara Leão, Sylvinha Telles, Leni Andrade, Claudette Soares e Wilson Simonal.
Depois dos anos 60, o beco foi esquecido, suas casas viraram ruínas de um passado histórico até que Amanda Bravo, filha de um dos músicos frequentadores daqueles palcos, Durval Ferreira, resolveu resgatar o Beco do passado. Conseguiu uma empresa (a cervejaria Heineken) que bancasse a revitalização, que transformou as quatro pequenas casas. O Bottle’s e o Baccará foram transformados em um só ambiente (para 80 pessoas) e o Little Club (para 50 pessoas) virou uma pista de dança com apresentações de DJs. Para tomar conta da programação musical Amanda chamou o produtor Kassin, um dos principais nomes da nova música brasileira deste século, que organizou um mês de apresentações reunindo destaques de uma geração mais nova que a dele, incluindo nomes como as bandas Letuce e Ultraleve, o músico Lucas Arruda, as cantoras Tiê e Alice Caymmi além de encontros entre titãs da velha guarda como João Donato e Marcos Valle e divas da nova safra como Emanuelle Araújo e Camila Pitanga, além do grupo francês Nouvelle Vague. Para o Little Club, Kassin chamou os DJs Marcelinho da Lua, o coletivo Vinil é Arte e Maurício Valladares para discotecar sets inspirados na bossa nova e no jazz brasileiro do início dos anos 60.
Tive o privilégio de assistir à apresentação de João Donato, que pouco a pouco tem sua importância resgatada, principalmente por conta desta nova leva de músicos brasileiros. Donato é precursor da bossa nova e já cantava baixinho antes de João Gilberto ser apresentado a Tom Jobim. A influência de Donato no pai da bossa nova e em seus primeiros filhotes é evidente, bem como seus discos suaves e ousados que gravou nas décadas seguintes. O próprio Kassin, que ensinou o grupo Los Hermanos a tirar o pé do rock, é uma espécie de neto musical de Donato, que é reverenciado por todos os nomes que se apresentaram na curta nova temporada do Beco das Garrafas quanto por novos músicos de todas as cepas, seus 80 (!) anos foram celebraos no Circo Voador em agosto com a presença de nomes tão distintos quanto Caetano Veloso, Luiz Melodia, BNegão e Paula Morelenbaum; em fevereiro deste ano comemorou o aniversário de 40 anos de seu Quem é Quem num show com músicos da banda Bixiga 70, Tulipa Ruiz, Mariana Aydar e Marcos Valle. Assisti o show na microplatéia do novo Bottle’s Bar entre Jards Macalé e o guitarrista Gabriel Muzak, que toca com os Seletores de Frequência de BNegão, além de ter seu próprio trabalho solo.
Todos reverenciando um monstro da suavidade, um senhor de oito décadas de música que se comporta como um menino travesso ao piano, aumentando o tom de voz apenas para falar “água!”, seu código para encerrar as músicas. No palco do Bottle’s Bar, tocando um teclado elétrico, o acreano vinha acompanhado por uma das melhores cozinhas de jazz brasileiro em atividade, o contrabaixo elegante do cearense Jorge Helder e a bateria atrevida do carioca Robertinho da Silva, além de um naipe de metais de respeito – o sax de Roberto Pontes e o trompete de Jessé Sadoc. Juntos, enveredavam por temas clássicos de Donato como “Capricorn”, “Emoriô”, “Bananeira”, “Gaiolas Abertas”, “Vento no Canavial” e “Café com Pão”, além de três números com a participação da cantora baiana Emanuelle Araújo (“A Paz”, “A Rã” e “Sambou, Sambou”), em pouco mais de uma hora de viagem no tempo que, mesmo bebendo no passado, apontava para um futuro exemplar para a música brasileira. Ave Donato!
Vem aí o primeiro disco da Nação desde o fraco e sem rumo Fome de Tudo (de 2007). Sete anos é tempo de sobra para a banda, que naquela época se equilibrava em inúmeros projetos paralelos, mostrar que ainda bate forte. Batizado apenas com o nome da banda, o décimo disco do grupo foi produzido pela dupla Berna Ceppas e Kassin e o projeto gráfico é assinado por Ricardo Fernandes e Pedro Pinhel. Eis sua capa – o disco chega à internet no dia 5 de maio (quiçá extraoficialmente antes) e as lojas dez dias depois.
O segundo disco do Marcelo Jeneci, De Graça, disponível para ser ouvido em streaming em seu site oficial, é uma grata surpresa. Não é exagero dizer que Jeneci surgiu de uma brecha deixada aberta pelos Los Hermanos – ao recusar-se se posicionar entre o meio-termo perfeito entre o indie rock brasileiro e o gênero MPB, o grupo carioca preferiu debandar-se em carreiras solo que pareciam preocupadas em negar a natureza pop de seu trabalho original. Sem essa culpa, uma segunda geração do pop brasileiro do século 21 veio de mansinho e encontrou um público prontinho para abraçar esse novo pop brasileiro. Silva, Cícero e Jeneci, entre outros, viram essa brecha dando sopa e se jogaram. Mas no novo disco, Jeneci vai muito além e evolui consideravelmente. Há uma influência, talvez inconsciente, daquele pop brasileiro do fim dos anos 70 que precedeu a primeira onda do rock brasileiro da década seguinte. Me refiro a artistas como o espólio dos Novos Baianos (Baby & Pepeu, Moraes Moreira, A Cor do Som), de autores como Fagner, Belchior e Guilherme Arantes – que viram um novo começo de era bem antes dos “Tempos Modernos” de Lulu Santos e Nelson Motta. A sensação de perceber a aurora de um novo tempo atravessa todo o segundo disco de Jeneci, completamente liberto das referências de MPB genérico que o aproximavam dos Los Hermanos. Sob a produção do Kassin com auxílio do Adriano Cintra, De Graça soa às vezes indie tímido, às vezes pop deslavado e quase sempre ousado e sóbrio, com um pé no Brasil e outro num novo pop mundial ainda em formação. Otimista e cheio de auto-estima, Marcelo Jeneci era o que devia estar tocando no rádio brasileiro. Destaco a épica “Pra Gente Se Desprender”, com suas cordas marítimas, coda instrumental gigantesca e conduzida pelo vocal claro e contemplativo da Laura Lavieri, um momento único na música brasileira deste século:
Dá pra ouvir o disco inteiro aí embaixo – e o La Cumbuca descolou o download.
E por falar em disco novo, o segundo disco do Jeneci tá vindo aí. Produzido pelo Kassin com o Adriano, De Graça começa a dar as caras a partir de agora, com o lançamento de sua faixa-título, que dá a medida do que aconteceu no encontro dos três.
É claro que dito assim, sem entrar em maiores detalhes, parece um prenúncio de nada. Mas o fato é que o disco não chega a ser tão ruim quanto poderia ser. Dá uma sacada:
A produção é do O Passo do Colapso é do Kassin e o disco ainda conta com um monte de participações (os paralalmas Bi Ribeiro e João Barone, Mallu Magalhães, o escritor Eduardo Galeano, o hermano Rodrigo Barba, Marcelo Bonfá, Fernando Catatau e Arto Lindsay). O problema é que as músicas não ficam na cabeça e não dá vontade de ouvir de novo – o que no caso de integrantes da geração do rock brasileiro dos anos 80 lançando discos no século 21 é lucro.
Thiago lança seu Estrela Decadente no sábado que vem, dia 6, no Sesc Pompéia, onde, além do disco físico (o virtual pode ser baixado em seu site) irá vender versões ampliadas dos minipôsteres que estão no encarte do segundo álbum (com tiragem limitada). Neles, Pethit e os convidados do disco (a saber: Mallu Magalhães, Cida Moreira, o produtor Kassin, o baterista Stephane San Juan, o guitarrista Pedro Penna e a pianista Camila Lordy) posam como se as músicas do CD fossem filmes – o que tem a ver com o conceito do disco. Pethit descolou versões ampliadas dos cartazes pra eu colocar aqui no site. Veja os outros abaixo:
Produzido pelo Kassin, participação da Mallu Magalhães e da Cida Moreyra e seguindo uma veia mais pop que o primeiro disco. Sai no mês que vem, vamos aguardar…
Domenico na batera, Donatinho apavorando…
Kassin descolou um EP gratuito com remixes feitos a partir de seu Sonhando Devagar, do ano passado, mas tirando o do Gabriel Muzak e o do Waldo Squach (da Gang do Eletro), o resto do disco é, com o perdão do trocadilho, devagar. Do Sonhando, na real, espero o vinil. Vai que um dia sai, ia ser lindo.
Kassin – “Sorver-Te (Waldo Squach Remix)” (MP3)