Karina Buhr: “Ânimo, valentia, coragem”

, por Alexandre Matias
Foto: Priscila Buhr

Foto: Priscila Buhr

Ao pegar pesado nas duas músicas (“Sangue Frio” e “A Casa Caiu“) que usou para anunciar seu quarto disco solo Desmanche, que chega nessa sexta às plataformas digitais, Karina Buhr nos induziu a imaginar que ela viria com um disco agressivo e pesado, subindo o tom em relação ao disco anterior, o forte Selvática (2015). As duas músicas (mais “Temperos Destruidores”) formam apenas um dos sabores do álbum, que também se desmancha em doçura.

“Eu não pensei num tema pra fazer um disco”, ela me conta em uma troca de áudios por WhatsApp. “Fiz as músicas, as letras e ao pensar no nome, achei que Desmanche representava muito, porque ele tem uma coisa tanto de guerrear, de ser agressivo, de ir pra cima e buscar as coisas, o desmanche do país, o desmanche de carro, o imperativo do verbo desmanchar, como também tem uma tranquilidade, um bailar na festa, um carnaval, tem as duas coisas. Eu não parti do nome Desmanche pra criar o disco, mas não tem um tema, são um monte de coisas misturadas. E feminista todo meu disco vai ser, porque eu sou.”

O disco foi criado a partir da tríade que montou com o guitarrista Régis Damasceno (guitarrista do Cidadão Instigado e coprodutor do disco, que vem se reinventando musicalmente de uma forma bem interessante nos últimos anos) e o percussionista Maurício Badê. “Eu faço as músicas partindo da percussão, que é o meu instrumento”, ela me explica. “Não tem muita ordem na hora de fazer melodia ou letra, mas o ritmo tá sempre por perto, mesmo que eu não esteja com o tambor ali, eu toco na mesa, no que tiver, sempre com uma coisa rítmica junto.”

Esse sim é o tema musical de Desmanche, um disco com tambores que pulsam pesados ou com delicadas texturas rítmicas que sustentam os devaneios – alguns deliciosos, outros ríspidos – de Karina. “Nos outros discos, desde que comecei minha carreira solo, mas nos discos isso não aparecia. Eu tirava a percussão quase que totalmente, usava esse material pra mostrar pra banda pra criar os arranjos, mas depois os tambores saíam. E nesse disco resolvi mostrar essa percussão, tirar a bateria, deixar só a percussão. Eu trouxe pra frente e prum lugar de importância uma coisa que sempre foi fundamental, mas que na hora de mostrar e botar na rua, não aparecia.” Além de Badê e Damasceno, o disco conta com participações de outros músicos, como Mestre Nico, Isaar, Sthe Araújo, Lenis Rino, Victor Vieira Branco, Bernardo Pacheco e Max B. O., este último – atual parceiro de vida de Karina – coautor da ótima “Filme de Terror”, um “quase bolero” como diz Karina, que conta com a participação do MC.

“No disco eu aproveitei mais isso, no show vai ter umas bases, mas sou eu e Maurício Badê fazendo percussão”, continua falando sobre o show, que estreia no Sesc Pinheiros no próximo dia 3 (mais informações aqui). “Antes de começar meu trabalho solo, eu sempre cantei tocando percussão, e depois eu descobri essa coisa de cantar sem tocar e descobrir coisas com a voz, que é bem diferente de cantar sem o tamborzão pendurado. Principalmente a alfaia, que eu gosto muito de tocar, que é um tambor de quase dez quilos. Muda muito. Toco mais no show, mas não toco todas as músicas, Maurício faz as percussões e Régis toca guitarra e baixo, enquanto Charles Tixier faz MPC e uma ou outra coisa de teclado.” Aproveitei a deixa do lançamento e pedi para que ela dissecasse-o faixa a faixa.

Desmanche, faixa a faixa

“Sangue Frio”
“Fala sobre extermínio de pessoas pelo exército brasileiro e polícias e como brasileiros que não morrem se colocam diante disso. Ela faz parte – junto com ‘A Casa Caiu’ e ‘Temperos Destruidores’ – do grupo de músicas do disco onde usei o peso dos tambores e levadas influenciadas por caboclinhos e toré, misturando com coco e viradas de maracatu de forma livre e sobreposta criando um tipo de punk rock de tambor.”

“Amora”
“A romântica defeituosa do disco.”

“Lama”
“Caminhada psicodélica de palavras e tambores por Recife, nos bairros de São José, Santo Antônio, Casa Amarela, Bomba do Hemetério. Festa, pesca, leveza, tensão, calor, memórias de carnaval, de dormir no asfalto esperando a hora de tocar na avenida Guararapes, os ônibus lotados das agremiações, escolas de samba, ursos.”

“Temperos Destruidores”
“Sobre os fins dos mundos, as justificativas falsas de guerra e os verdadeiros motivos, os assassinos legalizados que comandam as nações.”

“Nem Nada”
“Calma, mar, falta de pressa, desapego, descanso, esquecimento momentâneo dos gritos, uma zerada, por motivo de sobrevivência.”

“Chão de Estrelas”
“Baile, pista, globo, fumaças, bebidas, luzes.”

“Filme de Terror”
“De verdade só os filmes de terror. E o quase bolero e a rima viva de Max. B.O.”

“A Casa Caiu”
“Sobre latifúndio, ocupação, exploração desenfreada da terra e das pessoas, Brumadinho, revoluções e líderes delas em ação, MST, MTST, MSTC…

“Peixes Tranquilos”
“Jah love, coração transposto num rio que corre no leito original dele, águas mornas e tranquilas, Oxum, Yemanjá, lembranças de Os Sertões com o Teatro Oficina, um mapa no chão.

“Vida Boa é a do Atrasado”
“E quem dirá que não? Côco com Isaar e seu brilho cantando junto”

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