Centro da Terra: Novembro de 2025

Novembro se avizinha e aos poucos vamos encerrando 2025 – e com o ano vamos encerrando mais uma safra de apresentações musicais no Centro da Terra, pois este é o último mês em que ocuparemos todas as segundas e terças do mesmo mês, já que dezembro temos menos datas para shows. Quem faz a última temporada do ano, batizada de Paisagens e Conexões, é o mestre percussionista Ari Colares, que reúne novos e velhos para noites em que coloca todo mundo em sua Canoa, cada semana com um time diferente de músicos, juntando nomes tão diferentes quanto Benjamim Taubkin, Lari Finocchiaro, Ricardo Zoyo, Lenna Bahule, Toninho Carrasqueira, Viviane Pinheiro , Vanille Goovaerts, Ricardo Herz, Ariane Rodrigues, Alexandre Ribeiro e Heloísa Fernandes, criando diferentes formações por apresentação. Na primeira terça-feira do mês (dia 4) quem segura a noite é o trio Tranca, formado por Juliana Perdigão, Bernardo Pacheco e Juliano Gentile, que convida o grupo audiovisual MeioLAB e o músico Murilo Kushi, tocando o instrumento japonês sanshi, para uma noite de improviso livre chamada de Trinta Tons de Tranca. Na segunda semana (dia 11), Felipe Vaqueiro apresenta Ensaios Diamantinos, em que mergulha no universo do garimpo da Chapada Diamantina, pela lente do ex-garimpeiro Leôncio Pereira, apresentação solo acústica que funciona como piloto do projeto Saga Diamantina, que se transformará em um álbum visual lançado por seu grupo Tangolo Mangos. A terceira terça-feira do mês (dia 18) fica por conta do guitarrista Caio Colasante, que apresenta o espetáculo Atropelado, em que mostra as canções solo que estarão em seu primeiro disco solo, ainda em construção, que exploram o cotidiano urbano e suas camadas entre a sátira, o romantismo e a introspecção, misturando referências tão distintas quanto King Krule, Stereolab, João Donato e Moreira da Silva. A programação do mês encerra-se com Preto no Branco, que a pianista Julia Toledo apresenta na última terça de novembro (dia 25) suas primeiras composições solo para além do repertório de sua banda anterior, o Trio Cordi, agora explorando os limites da canção com o improviso e a música erudita, amém do potencial de comunicação da palavra e do som. As apresentações começam pontualmente às 20h e os ingressos já estão à venda no site do Centro da Terra.

Quando Maria Beraldo e Zélia Duncan revivem Tom Jobim

Confesso que não havia entendido quando Maria Beraldo e Zélia Duncan escolheram o disco ao vivo Antônio Carlos Jobim em Minas para ser recriado em apresentação dupla neste fim de semana, no Sesc 14 Bis. O show de 1981, lançado apenas em 2004 como o primeiro lançamento em parceria da gravadora carioca Biscoito Fino e da família do maestro, reúne vários de seus clássicos, mas como o próprio Tom fala durante o concerto, realizado no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, ele não era muito afeito a apresentar-se ao vivo e vários de seus discos em estúdio são trabalhos muito mais emblemáticos de sua carreira do que aquele registro ao vivo, embora menos memoráveis. Levando em conta que o show é temperado por longas – e ótimas – falas de Tom entre as músicas e que o único instrumento tocado – o piano – não é o instrumento-base de nenhuma das duas cantoras, restava a expectativa sobre como aquele registro seria recriado em outro palco. O resultado veio numa bela apresentação que equilibrava música e teatro com ambas encarnando Tom sem precisar estar no piano de cauda – ou melhor, nos pianos, ambos pilotados por Chicão Montorfano (parceiro de Maria no Quartabê) e Julia Toledo, tocando de frente um para o outro. Beraldo e Duncan, vestidas por Simone Mina, ocupavam todo o resto do palco, repetindo as falas de Tom Jobim na íntegra ao mesmo tempo em que intercalavam suas belas vozes complementares em clássicos da música brasileira como “Desafinado”, “Corcovado”, “Se Todos Fossem Iguais A Você”, “Dindi”, “Retrato Em Branco e Preto”, “Eu Sei Que Vou Te Amar”, “Samba De Uma Nota Só”, “Lígia”, “Por Causa De Você”, “Chega De Saudade” e várias outras, tocadas na ordem do disco. Além das falas decoradas naturalmente, as duas movimentavam-se pelo palco e pelo público, girando ao redor do piano, trocando cadeiras de lugar, jogando bolinhas de pingue-pongue uma na outra e fazendo caminhadas sincronizadas pelo palco em um ótimo exercício cênico, dirigido por Vinicius Calderoni. A luz soberba de Olívia Munhoz – quase sempre monocromática e valorizando o contraste claro-escuro – amarrava toda a condução de palco numa apresentação magistral, que abriu exceção ao discos em dois momentos, quando as duas, apresentaram-se individualmente com suas guitarras, cantando músicas que as conectaram à notícia da morte de Tom, em 1994: Zélia cantando “Sem Você” (lembrada por Chico Buarque naquele fatídico dia) e Maria cantando “Eu Te Amo” (gravada por ela em seu primeiro disco, Cavala). A apresentação de sábado terminou com as duas desconstruindo “Águas de Março” – e aproveitando o 28 de junho do Dia do Orgulho LGBT – para fazer breves alterações na letra original. Quando “um sapo e uma rã” tornam-se “uma sapa e uma rã” e o “resto de mato” vira “resto de matagal”, em referência à música que as duas gravaram juntas no disco mais recente de Beraldo, Colinho. Emendaram o bis vindo para a beira do palco com suas guitarras e cantando “Garota de Ipanema”, deixando o clássico chapéu panamá branco de Tom sozinho no centro do palco. Bem bonito.

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Um Nordeste pessoal

Lello Bezerra fez bonito na primeira apresentação pública de seu segundo disco solo, que ainda vai ser lançado ainda neste semestre, ao tocá-lo pela primeira vez ao vivo, nesta terça-feira. O novo trabalho – chamado Matéria e Memória, como antecipou em primeira mão – é a primeira incursão do guitarrista pernambucano ao caminho da canção e das letras, ao contar com a inspiração e a parceria de sua companheira Juuar, e foi gravado sozinho e de maneira digital, por isso o desafio era trazer a sonoridade do futuro disco para o palco. Para isso, contou com o auxílio luxuoso de Marcelo Cabral, Julia Toledo e Alana Ananias, que o ajudaram a erguer parte das canções do disco de forma orgânica e fluida, Cabral dividindo-se entre o baixo elétrico e o synthbass, Juliana entre o sintetizador e o piano (e, em uma música, a guitarra) e Alana segurando o ritmo tanto na bateria tradicional quanto nos beats e efeitos eletrônicos. Sobre essa base entrosadíssima entravam a guitarra cheia de efeitos de Lello e sua voz, macia e tranquila, cantando canções nada óbvias que ecoam tanto a psicodelia pernambucana quanto o cancioneiro cearense e misturam essas lembranças estilísticas com um Nordeste pessoal, nada praiano, sertanejo e urbano – “das feiras, da arte figurativa e da escultura”, como frisou entre duas músicas. Noite linda.

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Lello Bezerra: Figurafundo

Encerramos a programação de música de abril no Centro da Terra nesta terça-feira com a presença do guitarrista pernambucano Lello Bezerra, que, na noite batizada de Figurafundo, começa a trazer para o palco seu segundo disco solo, previsto para ser lançado no segundo semestre. Ele vem cercado dos bambas Julia Toledo (piano e sintetizador), Marcelo Cabral (contrabaixo e OP-1) e Allana Ananias (bateria e SPDS), que o auxiliam nessa transposição inédita. O espetáculo começa pontualmente às 20h e os ingressos estão à venda no site do Centro da Terra.

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Salto no abismo

Na terceira noite de sua temporada Quem Vê, Pensa no Centro da Terra, os Fonsecas deram seu salto mais ousado ao se entregar em uma noite de improviso sem canções estruturadas. Mas se antes da apresentação estavam receosos do resultado, bastou subir no palco para entender que a maior dificuldade do salto era o primeiro passo – uma vez caindo no abismo os quatro lembravam que estavam juntos e a conexão musical de Thalin, Felipe Távora, Valentim Frateschi e Caio Colasante falou mais alto, criando uma liga de ritmo e harmonia que abria possibilidades extremas para a apresentação, indo de um terreiro fictício aos extremos do noise, passando por flertes com o krautrock e free jazz. Mas não estavam só e a presença de Anna Vis (soltando seu spoken word com pedais de efeito que alteravam sua voz), de Julia Toledo (equilibrando-se entre o piano preparado, teclados elétricos e synths) e de Francisco Tavares (o “seu Fran”, pai do baterista Thalin, que esmerilhou na percussão) os ajudou a descer nessa região desconhecida de sua própria musicalidade, mostrando que eles têm um show de improviso na manga, sempre que precisarem – é só ligar esse modo.

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