Escrevi lá no meu blog no UOL sobre o terceiro filme da série sob os auspícios de JJ Abrams, que finalmente começa a valorizar os elementos sagrados da saga.
Jornada nas Estrelas Sem Fronteiras, décimo-terceiro filme da franquia criada por Gene Roddenberry, é um dos filmes mais importantes da saga. Não apenas por ser o filme-símbolo do cinquentenário da série nem por talvez ser o melhor filme do título desde que J.J. Abrams o pegou no colo, mas principalmente por deixar claro qual é sua importância para o universo cultural que habitamos hoje.
Jornada (desculpa, como Guerra nas Estrelas, não consigo a chamar o seriado de Star Trek) é dos um muitos casos de amor e ódio na cultura pop, principalmente por se prender ao estereótipo do fã criado e alimentado por ela. O seriado de TV original, que estreou há cinquenta anos, não foi um sucesso de audiência, mas encontrou um nicho específico como público numa época em que a palavra “nerd” não existia no vocabulário cotidiano. A camaradagem entre os tripulantes da Enterprise e sua abordagem cética – ou fria, para outros – em relação ao futuro da humanidade e à forma como a ciência nos guiaria nos séculos futuros encontrou eco em adolescentes antissociais que se identificaram com aqueles personagens. E por ter sido feita nos transgressores anos 60, a série apontava o futuro das transformações daquela época, trazendo questões raciais e de gênero para a ficção, abraçando um novo transnacionalismo que era a utopia para os principais agentes daquelas mudanças sociais. A série antevia, sem saber, a revolução nerd que aconteceria na década seguinte e preparava aqueles novos fãs para serem protagonistas daquela próxima mudança.
Mas ainda nos anos 60 aqueles novos personagens – muito menos seus fãs – não se pareciam promissores quanto se tornariam com o tempo, tanto que a série foi cancelada após poucas temporadas. Mas sua popularidade foi aumentando com as reprises na década seguinte e um culto foi sendo formado ao redor da série e aos poucos aqueles fãs foram sendo reconhecidos como o estereótipo que hoje chamamos de nerd. E essa caricatura ficou por muito tempo atrelada à série e mesmo ela depois ressurgindo bem sucedida com uma série de filmes e novos seriados filhote. E por mais que a franquia crescesse e se tornasse consistente com o tempo, ela ainda carregava um ranço de arrogância nerd que a distanciava do público geral de cultura pop. E por mais que os ícones da série fossem cada vez mais populares, ela ainda era vista de fora como um grupo fechado de fãs arrogantes ou uma versão interestelar da ONU.
Até que J.J. Abrams, em 2009, foi incumbido de levar a série para além de seu séquito de fãs. Apelou para a tática que havia utilizado em Lost e Fringe (a realidade alternativa) e, como fã de Guerra nas Estrelas, deu juventude e dinamismo a uma série que parecia mover-se em câmera lenta. Os fãs tradicionais torceram o nariz mas ele conseguiu levar a saga para onde ela nunca havia chegado antes. Transformando Kirk em um Han Solo uniformizado e principal protagonista (ao contrário da história original, em que todos têm relativamente o mesmo peso dramático), Spock em um C3PO menos solícito, Chekov em um Luke sem protagonismo, Scotty em um R2D2 humanoide, Uhura numa Leia menos arrogante e por aí vai. Ao zerar a linha do tempo original, J.J. Abrams conseguiu explicar aqueles personagens para gente que só conhecia a série pelas orelhas pontudas de Spock. Independentemente da reação dos fãs leais, o fato é que o recomeço de Jornada deu uma nova vida à série.
O segundo filme, Além da Escuridão, no entanto, não fez nada além disso. A proposta era mais de homenagear o melhor longa metragem com a tripulação original (A Ira de Khan, de 1982) do que dar continuidade a história que Abrams havia proposto no filme de 2009. Nem o carisma do novo vilão, vivido por Benedict Cumberbatch, foi suficiente para que o filme fosse além da mera repetição de personagens e cenas de ação do filme anterior. E ainda era muito kirkocêntrico, fazendo o resto da tripulação da Enterprise meros coadjuvantes do protagonista vivido por Chris Pine.
E é aí que Sem Fronteiras desequilibra – e acerta. Dirigido por um fã de verdade da série (Justin Lin, que fez fama com a franquia Velozes e Furiosos), o novo filme resgata uma série de valores tradicionais, sendo o principal deles o fato de estarmos falando de uma equipe e não de um herói ou de uma dupla de protagonistas. Logo no começo do filme, a Entreprise é dilacerada literal e metaforicamente, fazendo o time se reduzir a duplas, que ajudam o espectador a se aprofundar na personalidade de cada um deles. Kirk e Chekov (Anton Yelchin), McCoy (Karl Urban) e Spock (Zachary Quinto), Uhura (Zoë Saldana) e Sulu (John Cho) – cada uma dessas duplas tem de enfrentar desafios diferentes para voltarem a se unir. Scotty (Simon Pegg, outro fã da série, que também assina o roteiro) faz dupla com a ótima nova personagem Jaylah (Sofia Boutella), que faz jus à forma como a série retrata as mulheres: ela não é nem uma donzela indefesa, nem o par romântico de ninguém. O principal defeito do novo filme é o desperdício da atuação do grande Idris Elba, que vive o vilão Krall, cuja motivação é pífia e a performance é soterraa sob quilos de próteses e maquiagem (lembrando outro desperdício de atuação recente, quando Oscar Isaac viveu o vilão Apocalypse no último X-Men). Os fãs, claro, ainda vão chiar por diferentes motivos (especificamente por uma reação risonha de Spock), mas não irão deixar de se emocionar com a homenagem feita ao Spock original, Leonard Nimoy, que morreu no ano passado. O filme ainda saúda a nova versão de J.J. Abrams ao voltar a uma referência musical do primeiro filme, em uma cena verdadeiramente empolgante.
Sem Fronteiras está longe de ser um filme perfeito, mas equilibra boas cenas de ação e perseguição (especialidade do diretor) com o universo mitológico da criação de Gene Roddenberry e aponta para um futuro em que as qualidades originais da franquia possam ganhar um público ainda maior. Um filme divertido e respeitoso, algo raro no mundo de adaptações e remakes do cinema comercial deste início de século.
Escrevi lá no meu blog no UOL que o serviço de correio norte-americano lança selos comemorativos em homenagem ao cinquentenário de Jornada nas Estrelas.
Escrevi lá no meu blog no UOL, sobre como o novo filme – Jornada nas Estrelas: Sem Limites – deve retomar o tom otimista e sério do seriado clássico, antecipando o aniversário de 50 anos da saga de Gene Roddenberry.
O Sploid do Gizmodo pinçou esse comparativo gráfico feito pela Fat Wallet comparando as naves mais rápidas da ficção científica.
Você sabia que a Estrela da Morte era tão rápida?
Se a versão de William Shatner para “Common People” do Pulp já era inacreditável, espera só você ver esse vídeo feito por um fã…
E se um filme reunisse, nos anos 80, as duas maiores franquias de ficção científica da época e fizesse a tripulação da Enterprise encontrar-se com o Império liderado por Darth Vader? O trailer fake para o filme The Carbonite Maneuver dá uma idéia do que poderia ter acontecido se esse encontro se tornasse realidade…
A Variety tá dizendo que o próximo Jornada nas Estrelas pode ter nosso chapa Idris Elba (o Stringer Bell do The Wire, assiste logo!) no elenco, o que já deu início às especulações de que o próximo filme pode ter o protagonista da série Luther como líder Klingon. Imagina…
Escrevi sobre a morte do ator que encarnava a essência de Jornada nas Estrelas e ajudou a popularizar a ficção científica pro UOL.
Sem Nimoy, reencontro de Kirk e Spock em novo filme não acontecerá
É inegável a importância de Leonard Nimoy para a cultura ocidental da virada do milênio. A representação magistral do alienígena mestiço Senhor Spock de “Jornada nas Estrelas” não só trouxe uma profundidade complexa, e às vezes ambígua, para a ficção para as massas como criou um ícone pop da estatura dos arcos do McDonald’s, das orelhas de Mickey Mouse ou o bigode do Super Mario.
Toda uma discussão que já existia nas páginas dos livros de ficção científica foi para a televisão e a presença pensativa e distante do vulcano de orelhas pontudas dava uma abordagem mais séria e filosófica para temas que estavam explodindo nas ruas no final dos anos 60, em protestos pela igualdade de direitos e contra a guerra.
Mas infelizmente ele não vai poder reencontrar sua dupla William Shatner no que poderia ser a grande celebração da história de “Jornada nas Estrelas”: o reencontro de Kirk e Spock revividos por seus atores originais em mais um filme bem sucedido da série reanimada por J.J. Abrams.
Nimoy já havia participado da franquia desde o primeiro filme, de 2009, quando o criador de Lost zerou a cronologia da série original. Mas uma série de mal entendidos com William Shatner o deixou de fora dos dois novos filmes, que são os únicos em toda a cronologia da série no cinema sem o Kirk original. No segundo filme, Além da Escuridão, de 2013, Nimoy ainda marca presença, mas apenas com sua voz.
As filmagens do terceiro “Jornada nas Estrelas” desta vez estão com Justin Lin, de quatro “Velozes e Furiosos” e dois episódios da próxima temporada de “True Detective”, deixando J.J. apenas na produção. Elas começariam no meio do ano e William Shatner já estava dando entrevistas e comentando em aparições em público que havia sido convidado para participar do novo filme. A volta de Shatner poderia marcar o reencontro de uma dupla central para a história da cultura pop.
Pois o equlíbrio da série era dado pelo antagonismo entre Spock e Kirk. Instinto e racionalidade, coragem e cálculo, intensidade e frieza. A dualidade elemental entre os dois personagens era enfatizada pela figura estranha criada por Nimoy, um híbrido de ser humano e alienígena que causava estranhamento e fascínio. O escritor de ficção científica Isaac Asimov detectou isso assim que a série estreou em 1967, ao escrever um artigo sobre o personagem inspirado por uma frase de sua filha adolescente: “Senhor Spock é um sonho!”, em que dizia que sua filha gostava do personagem porque ele era inteligente, não importa que ele tenha orelhas pontudas.
Spock é um de nós mas ao mesmo tempo não é, o que causa um curto circuito no conceito de “nós” que nos obriga a expandir nossa noção de humanidade para outras raças alienígenas. A metáfora clara é a própria condição humana, fragmentada entre biotipos, arquétipos e estereótipos que dividem mas que deveriam unir. Spock é um dilema que nos desafia a transpor conceitos de países, raças, religiões, gêneros ao sentar-se ao nosso lado, na mesma nave, não como antagonista, opositor, vilão.
O personagem é a encarnação do momento antropológico em que se percebe que o outro sou eu, e isso está mais na atuação e performance de Nimoy do que propriamente no texto do criador da série, Gene Roddenberry. Detalhes marcante do personagem – como a saudação judaica ancestral que o judeu Leonard trouxe para a contemporaneidade como cumprimento vulcano e a forma ambígua que pronunciava o adjetivo “fascinante” – foram criados pelo ator.
Spock era a essência da série. A tripulação da Enterprise era mais do que multirracial – era multiespécie e incluía até robôs, o que levava detratores a comparar episódios das diferentes encarnações da série com tediosas reuniões da ONU. Essa lentidão cheia de frases de efeito e lições de moral ganhou uma dinâmica completamente nova ao ser posta nas mãos de J.J. Abrams, a partir da década passada.
O diretor deu movimento e juventude à franquia, contando a história da tripulação clássica desde os primeiros dias. Isso apresentou a série para milhões de novos fãs e o trekker, antes a caricatura mais radical e extrema do conceito de nerd, tornou-se mais sociável e “humanizado”, num irônico encontro entre as personalidades do próprio Spock e do personagem Sheldon de “Big Bang Theory”, ele mesmo um trekker que encontra o ídolo Nimoy em um dos episódios do seriado.
(Parêntese rápido: Abrams ainda teve tempo de celebrar a persona de Nimoy ao criar um outro personagem icônico para seu ídolo: o doutor William Bell, da saudosa série “Fringe”, que também era dupla de um dos protagonistas da série, o excêntrico e adorável Walter Bishop vivido por John Noble, o melhor cientista louco da história da TV. Bell, como Spock, era frio e calculista, mas Abrams resolveu explorar os limites ambíguos do ator e criou um personagem que lentamente torna-se um grande vilão.)
O terceiro filme do novo “Jornada nas Estrelas”, portanto, poderia reunir Spock e Kirk mas entra para a série de reencontros que nunca veremos na história da cultura pop, como a volta dos Beatles (“Free as Bird” com o recado da secretária eletrônica no papel do John Lennon não rola, vai), do Clash, do Pink Floyd, dos Trapalhões ou do Monty Python (sem Graham Chapman não é Monty Python).
Mas não era uma volta de uma banda ou de um grupo, mas um reencontro de dois amigos que encarnavam como o estranhamento inicial de um encontro pode ser superado para se tornar uma sólida amizade.