2020 tem sido um ano de detalhes para Billie Eilish, mas isso não quer dizer que estes sejam pequenos. Agora é a vez em que ela mostra a versão visual da canção-tema que compôs para o novo filme de James Bond, a bela balada “No Time to Die”, que a reúne com os arranjos orquestrais de Hans Zimmer e a guitarra de Johnny Marr. Billie é a artista mais jovem a compor uma música para a famosa grife cinematográfica, cuja nova versão tem a direção do Cary Joji Fukunaga que fez sua fama na primeira temporada de True Detective. O clipe chega na hora em que a produção anuncia que o próximo filme do agente secreto britânico estreia nos cinemas no mês de novembro.
E a música ficou linda.
Johnny Marr lança seu livro de memórias e conta como os indies mais importantes da história quase voltaram em 2008 – publiquei o trecho do livro que conta essa história lá no meu blog no UOL.
Os Smiths são a banda inglesa mais influente das últimas décadas e é impossível imaginar o cenário pop mundial sem a breve e determinante carreira da banda liderada pela dupla formada por Morrissey e Johnny Marr. O fim da banda, em 1987, foi considerado abrupto e precoce, mas determinou uma carreira e discografia perfeitas e estabeleceu a impossibilidade de retorno da banda à ativa. A negativa em relação a uma possível reunião da banda era tão categórica que Morrissey, vegetariano convicto, falou que seria mais fácil comer os próprios testículos a voltar com os Smiths.
Mas, por um breve momento, no final de 2008, a volta dos Smiths quase foi uma realidade. Pelo menos é o que conta o guitarrista Johnny Marr em trecho de suas memórias, que serão lançadas na Inglaterra na próxima sexta-feira. No livro Set The Boy Free, a ser pela editora inglesa Century, o guitarrista lembra toda seu tempo com a banda e do encontro há quase dez anos que quase fez os Smiths quebrarem seu encanto. “Eu não tenho nada contra Morrissey de maneira alguma – só acho que não precisamos disso”, contou o guitarrista, que completa 53 anos nesta segunda, ao jornal inglês Guardian. “Uma das coisas que tínhamos em comum era que vivíamos para trabalhar e estamos muito ocupados fazendo o que estamos fazendo hoje.”
Abaixo, o trecho da biografia de Marr que foi republicado no jornal The Guardian:
“Infelizmente para os Smiths, não fui consultado quando nosso catálogo foi remasterizado para CD nos anos 90. Os discos soavam mal e eu estava determinado a acertar as coisas. Depois de uma longa luta, consegui chegar a um acordo com Morrissey e a Warner. Eu remasterizaria todos os discos novamente com um engenheiro de primeira de forma que nosso catálogo soaria como deveria, de uma vez por todas.
Quando eu analisei os discos, fiquei impressionado sobre como a banda era boa e como éramos jovens. Eu me lembrei da intenção e emoção exatas de cada nota e palavra e escrevia para Morrissey e Andy Rourke dizendo ‘dá para ouvir o amor de verdade nisso.’ Tive boas respostas de ambos.
As negociações com a Warner significavam que Morrissey e eu estávamos num raro período de comunicação. Um dia, em setembro de 2008, nós estávamos apenas a alguns quilômetros de distância no sul de Manchester e armamos de nos encontrar em um pub da região. Eu estava feliz em vê-lo – fazia dez anos ou mais da última vez que nos vimos. Falamos sobre nossas próprias notícias e famílias e sobre como sentíamos saudade.
E então nossa conversa foi para assuntos mais profundos. Morrissey começou a falar sobre como nossa relação havia sido dominada pelo mundo exterior, normalmente de forma negativa. Nós fomos definidos um pelo outro nas maiores partes de nossas vidas profissionais. Gostei de ele ter mencionado isso, porque era verdade.
As bebidas continuavam vindo e nós falamos por horas. Falamos, como sempre fazemos, sobre os discos que amamos e finalmente fomos para ‘aquele assunto’. Havia boatos por anos que os Smiths estavam prestes a voltar à ativa e eles sempre eram falsos. Eu nunca fui atrás de nenhuma oferta.
De repente, estávamos falando sobre a possibilidade de voltar com a banda e naquele momento parecia que, com a intenção certa, poderia funcionar e até mesmo ser ótimo. Eu poderia continuar trabalhando com os Cribs em nosso disco e Morrissey também tinha um disco para lançar. Ficamos juntos por mais um tempo e mesmo depois de muito suco de laranja (para mim) e muito mais cerveja (para ele) nós nos abraçamos e nos despedimos.
Eu estava genuinamente feliz de voltar a entrar em contato com Morrissey e falei com os Cribs sobre a possibilidade de eu fazer alguns shows com os Smiths. Por quatro dias foi um probabilidade muito real. Nós teríamos que arrumar alguém novo para tocar bateria, mas se os Smiths quisessem voltar fariam um monte de gente muito feliz e com toda nossa experiência seria bem melhor do que antes.
Morrissey e eu continuamos a conversar e planejamos nos encontrar mais uma vez. Eu fui para o México com os Cribs e de repente silêncio. Nossa comunicação havia terminado e as coisas voltaram a ser como elas eram antes e como sempre imaginei que sempre seriam.
Comecei a trabalhar no estúdio em horas incomuns, por volta das cinco ou seis da manhã. Um dia, em 2010, no caminho de volta depois de deixar minha filha Sonny na escola, eu estava pensando em como o David Cameron havia dito que ele era um fã dos Smiths. Qualquer um que era fã da banda saberia que nós éramos contra tudo que ele e o partido conservador representavam. Mas se ele quisesse dizer que gostava dos Smiths, o que eu poderia fazer?
Sem pensar muito, peguei meu telefone e tuitei: ‘David Cameron, pare de dizer que você gosta dos Smiths. Você não gosta. Eu te proibo de gostar.” Satisfeito com o meu protesto, fui tirar um cochilo.
Algumas horas depois, fui acordado por uma ligação de Joe, meu agemte. ‘O lance do Cameron’, ele disse, ‘o negócio do Twitter. Está maluco.’ Enquanto eu estava dormindo fui retuitado por milhares de pessoas e consegui imprensa em todo o mundo. O próprio Cameron foi chamado para comentar durante as perguntas feitas ao primeiro ministro. Com os planos do governo de aumentar as taxas de ensino para as universidades, o parlamentar trabalhista Kerry McCarthy levantou-se e disse: ‘Os Smiths são, claro, a arquetípica banda de estudantes. Se ele vencer a votação de amanhã à noite, que canções ele acha que os estudantes irão ouvir? ‘Miserable Lie’ (mentira desgraçada), ‘I Don’t Owe You Anything’ (eu não devo nada para você) ou ‘Heaven Knows I’m Miserable Now’ (Deus sabe como estou desgraçado agora)?’ (Em referência a títulos de musicas dos Smiths.)
Cameron aproveitou a oportunidade para mostrar suas verdadeiras credenciais indie: ‘Eu achava que se eu aparecesse, eu pelo menos não ouviria ‘This Charming Man’ (Este homem charmoso)’
Boa. Tudo muito feliz e totalmente bizarro.
Quando 50 mil manifestantes marcharam por Londres, fiquei orgulhoso de ver os estudantes cobrando os políticos por suas promessas quebradas. As coisas chegaram ao extremo na Praça do Parlamento no diaem que as novas leis passaram. No dia seguinte, me mandaram uma foto de uma manifestante chamada Ellen Wood que estava confrontando a polícia com uma camisa dos Smiths. Eu olhei para a foto, para seu olhar, para as Casas do Parlemento. O significado de ela estar usando uma camiseta dos Smiths causou um impacto enorme em mim. Me ocorreu que, além da música que fazemos, esta foto talvez fosse o testamento mais forte do legado dos Smiths.
A única outra pessoa que eu sabia que poderia entender isso da mesma forma era Morrissey e então lhe mandei a foto por email. Não havíamos feito contato entre nós por um bom tempo, mas recebi sua resposta em minutos. Ele não havia visto a foto e havia ficado tão surpreso e impressionado quanto eu. Continuamos conversando por um ou dois dias, mas apesar de sentir que havíamos criado um momento de amizade, um ar de descontentamento e desconfiança permaneceu entre nós. Uma pena.”
Se não deu pro Johnny Marr vir pro Brasil no auge dos Smiths, talvez sua atual fase seja a melhor época de sua carreira – por isso é bola dentro do Festival da Cultura Inglesa. Explico o porquê no meu blog no UOL: http://matias.blogosfera.uol.com.br/2015/04/03/johnny-marr-vem-para-o-brasil-na-hora-certa/
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O Festival da Cultura Inglesa vem se confirmando como um dos principais eventos do calendário cultural de São Paulo graças a uma programação constante e coesa. Fui curador das duas primeiras edições em que o evento começou a trazer artistas britânicos para fazer shows gratuitos na cidade (em 2011 e 2012) e nas ocasiões trouxemos Franz Ferdinand, Miles Kane, Blood Red Shoes, The Horrors, We Have Band e Gang of Four. De lá pra cá o festival seguiu bem seu rumo, trazendo Kate Nash em 2013 e Jesus & Mary Chain no ano passado e, para 2015, sua principal atração é o guitarrista Johnny Marr.
Seu nome não é tão conhecido como seus riffs precisos que funcionavam como espinha dorsal para todas as músicas dos Smiths durante a curta existência da banda nos anos 80. Entre 1982 e 1987, a banda liderada por Morrissey e pelo guitarrista reescreveu a história do rock mundial como uma espécie de antítese à desenvoltura dos Rolling Stones – uma banda doce (nas melodias de Marr) e ácida (nas letras de seu vocalista) que reeducava a música pop para o nascimento da estética roqueira introvertida que com o tempo seria referida como indie.
E tudo isso antes de completar 24 anos – prodígio é pouco! O fato de ser lembrado pelo legado dos Smiths ofusca uma longa carreira como guitarrista convidado e session man que segue a tradição dos velhos músicos do início do século passado, que andavam quilômetros sozinhos apenas com seus instrumentos, prontos para tocar com quem viesse pelo caminho.
Marr tocou e gravou com quem quis: Bryan Ferry, Talking Heads, Paul McCartney, Beth Orton, Everything but the Girl, Oasis, Crowded House, Pet Shop Boys, Pharrell, Beck, Jane Birkin, Cult, Lydia Lunch, Black Uhuru, Sandie Shaw, além de criar grupos passageiros com integrantes de bandas como Radiohead, Pearl Jam, Kula Shaker, Echo & the Bunnymen e o filho de Ringo Starr (Zak). Fundou o Electronic com o Bernard Sumner do New Order, foi integrante oficial por curto período de bandas tão diferentes como The The, Pretenders, Cribs e Modest Mouse e participou da trilha sonora de Inception, de Christopher Nolan.
Ao atingir o primeiro escalão do rock na tenra idade, Johnny Marr saiu dos Smiths e passou a trilhar os caminhos que quis no mundo do topo do pop dos últimos trinta anos. Antes de completar 50 anos, em 2013, assumiu sua carreira solo e desde então lançou dois discos, The Messenger e Playland, este último inspirado no livro Homo Ludens, do historiador holandês Johan Huizinga, que discute a importância do jogo no desenvolvimento da cultura humana. Os discos não são brilhantes mas estão longe de serem medianos e funcionam como credenciais para Marr seguir desbravando o planeta com sua munheca mole conduzindo sua indefectível guitarra. E sem nenhum drama em relação ao passado, sempre tocando hits dos Smiths e do Electronic em suas apresentações.
E assim ele chega mais uma vez ao Brasil, depois de uma grata apresentação à tarde no Lollapalooza do ano passado, desta vez como atração principal de um evento. O timing é perfeito: Marr está escrevendo sua autobiografia (“chegou a hora de contar a minha história”, disse à Rolling Stone) e começa a falar sobre dirigir seu primeiro filme, como revelou à BBC, sem dar maiores detalhes.
Esperto, Marr pode estar preparando também um filme para acompanhar o lançamento da autobiografia, que ele mesmo está escrevendo, sem ghostwritter, como disse na mesma entrevista à BBC em que também falou que já escreveu um terço do livro, que será lançado no segundo semestre de 2016. Marr também revelou que irá “honrar os Smiths” no livro, que ainda não tem título.
Assistiremos, portanto, o show de Johnny Marr num momento de reflexão sobre a própria carreira que pode render bons frutos, como esta recente versão que ele gravou para um clássico de outra banda contemporânea sua, “I Feel You”, do Depeche Mode.
O show de Johnny Marr acontecerá no dia 21 de junho, no Memorial da América Latina, em São Paulo.
Tarde fria de domingo, sabe como é…
Led Zeppelin – “Bron-Yr-Aur”
Ava Rocha – “Céu da Boca”
Elis Regina – “Bala com Bala”
Warpaint – “No Way Out”
Ruído/mm – “Pop”
My Magical Glowing Lens – “Windy Streets”
Mahmed – “Shuva”
Kendrick Lamar – “King Kunta”
Mark Ronson + Bruno Mars – “Uptown Funk”
Racionais MCs – “Você Me Deve”
Taylor Swift – “Style”
Chromatics – “I Can Never Be Myself When You’re Around”
Mini Mansions + Alex Turner – “Vertigo”
Toro y Moi – “Buffalo”
Caxabaxa – “Agitado Desanimado (Pesadelo Gostoso)”
Johnny Marr – “I Feel You”
Ficou bem bom essa versão que o Johnny Marr fez pra “I Feel You” do Depeche Mode pra lançar em vinil no Record Store Day. O lado B vem com uma versão pra “Please, Please, Please Let Me Get What I Want”, de sua banda original, os Smiths.
Tem um quê de Oasis, não acha?
Noel Gallagher subiu no palco de Johnny Marr, no show que o ex-Smith deu na Brixton Academy na quinta-feira passada, para tocar dois clássicos modernos: “Lust for Life”, do Iggy Pop, e “How Soon is Now?” da banda que fez Johnny Marr entrar para a história. Demais:
E, de bobeira, Johnny Marr me aparece com Ron Wood noutra guitarra pra tocar um clássico dos Smiths no NME Awards na noite desta quarta, em Londres:
O mais engraçado desse teórico encontro “aluno-mestre” é que o mestre no caso é o caçula: a importância de Johnny Marr para o rock inglês é muito maior que a de Ron Wood, coadjuvante da história do rock que deu a sorte de virar protagonista na história dos Stones.
Mas aê: se o Marr pintar daqui uns meses e mandar um David Gilmour, puxando uma turnê dos Smiths sem o Morrissey, você não iria? Ah iria… Ainda mais que Johnny tá lançando disco solo e não tem nenhum pudor ao voltar à obra da banda que lhe consagrou, como podemos ver no vídeo abaixo (e a história que ele conta – a origem de “Heaven Knows I’m Miserable Now” – é de cair o queixo):
Enquanto isso, o Morrissey continua apavorando na contramão da Fox News dizendo coisas como “não haveria guerras se mais homens fossem homossexuais“. Calma lá, bicho…
Ontem foi o Johnny Marr que disse nem pensar sobre a possível volta dos Smiths aos palcos no ano que vem e hoje veio o Morrissey, através de seu representante, divulgar que:
“The Smiths are never, ever, ever, ever, ever, ever, ever, ever going to reunite – ever,”
Então tá, né.
Metronomy – “A Thing For Me”
Lykke Li – “Little Bit”
Ed O’Brien, Phil Selway, Jeff Tweedy & Johnny Marr – “Fake Plastic Trees”
Bad Folks – “The Weight”
The Very Best – “Kamphopo”