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A fita demo de João Gilberto

Lembram do Volume 3 do Tim Maia Racional, que apareceu do nada no ano passado? Mais um disco não-disco ressurge do baú da história graças à tal “pirataria” com aspas – e esse deixa o terceiro Tim Maia Racional minúsculo, de tão desimportante. Estou falando do disco Registros na Casa de Chico Pereira em 1958, que traz nada menos do que gravações de João Gilberto antes de ele ter gravado o compacto de Chega de Saudade – e talvez antes mesmo de participar do disco Canção do Amor Demais, considerado marco zero da bossa nova por reunir João, Tom Jobim e letras de Vinícius juntos pela primeira vez em disco. Registros foi pinçado pelo excelente Toque Musical que só por disponibilizar essa jóia já merecia ter um patrocinador que bancasse as pesquisas do autor do saite.

Esses registros – porque nunca foram um disco, como a capinha da fita magnética na capa entrega – não são apenas uma raridade. Eles trazem uma mistura de raio X na obra que inaugurou a música brasileira moderna (os três primeiros discos de João) com bastidores do nascimento da carreira do principal músico do século 20 – é algo como se encontrassem uma fita com o Lennon num camarim do Cavern Club tocando, ao violão, “Strawberry Fields Forever”.

Mas ao contrário do complexo de épico típico inglês, os rascunhos de um dos principais legados brasileiros ao planeta são músicas tocadas com zero pompa e com aquele calor informal que logo seria esfregado na cara do mundo como uma qualidade essencialmente brasileira. Não é um show, é um sarau na casa de um amigo – Chico Pereira era fotógrafo das capas dos discos da Elenco e além das canções em si – você pode o ouvi-lo comentando entre as faixas, às vezes acompanhando-o batucando em algum lugar. O clima é quase sempre informal: ouve-se um cachorro ao fundo de umas músicas, outras são atravessadas por risos e som de copos batendo na mesa. O som, mal gravado mas nítido o suficiente para ouvir o violão mágico como se estivesse a poucos centímetros de distância também não prejudica a voz, criando uma espécie de granulação ou sépia sonora que dão às músicas o aspecto que elas têm, o de peças de museu, itens escavados entre as ruínas da história.

Quem passou a dica do disco foi o Ronaldo, que ainda transcreveu o trecho em que Ruy Castro comenta a estas gravações em Chega de Saudade.

Uma das pessoas que João conhecera com Roberto Menescal e Carlinhos Lyra fora o fotógrafo da Odeon, Chico Pereira. Pela quantidade de hobbies a que Chico dispensava total dediacação – som, jazz, aviação, pesca submarina -, era difícil imaginar como lhe sobrava tempo para fazer um único clique como fotógrafo. Mesmo assim, Pereira conseguia dar conta das fotos de todas as capas da Odeon. Menescal era seu companheiro de pesca e os dois eram também irmãos em Dave Brubeck. Quando João Gilberto cantou pela primeira vez em seu apartamento, na rua Fernando Mendes, levado por Menescal, Chico experimentou a mesma sensação que tivera ao conhecer o fundo do mar. Com a vantagem de que a voz e o violão de João Gilberto podiam ser capturados. Não perdeu tempo: assestou um microfone, alimentou seu gravador Grundig com um rolo virgem e deixou-o rodar. Foi a primeira das muitas fitas que gravaria com João Gilberto em sua casa.

Antes mesmo que o 78 de “Chega de Saudade” invadisse as rádios – antes mesmo de ter saído o disco, fitas domésticas de rolo, contendo a voz e o violão de João Gilberto já circulavam pela Zona Sul. Circulavam é força de expressão. Poucos possuíam gravadores naqueles tempos pré-cassete, o que limitava a audiência de uma fita aos amigos do dono do gravador. Uma dessas fitas tinha sido gravada pelo fotógrafo Chico Pereira, felizmente um homem cheio de amigos; outra, pelo cantor Luís Cláudio. Em quase todas João Gilberto cantava “Bim Bom”, “Hô-ba-la-lá”, “Aos pés da cruz”, “Chega de Saudade” e coisas que nunca gravaria em disco, como “Louco”, de Henrique de Almeida e Wilson Batista, e “Barquinho de Papel”, de Carlinhos Lyra.

Não é brincadeira: é a fita demo de João Gilberto!

Separei uma versão mais jazz (com backing vocals sugeridos) para “O Pato”, “Louco” de Wilson Batista, uma “Doralice” cantada entre risos, “Nos Braços de Isabel” (em que é possível ouvir Chico corrigindo as letras para João) e “Chão de Estrelas” (música-símbolo daquilo que a bossa nova não queria ser), ambas de Silvio Caldas, e duas das sete “Conversations”, faixas em que Chico conversa com João – em uma, ele diz que depois apaga as gravações (hehe) e na outra, eles conversam sobre o maior violonista da atualidade. Justo com quem…

O disco você baixa aqui.


João Gilberto – “Chão de Estrelas


João Gilberto – “Conversando sobre ‘Chão de Estrelas‘”


João Gilberto – “Nos Braços de Isabel


João Gilberto – “Doralice (Reprise)


João Gilberto – “Louco


João Gilberto – “Conversando sobre o maior violonista da atualidade


João Gilberto – “O Pato

João Gilberto, 1950


João, de bigodinho, no alto da foto

E esse arquivo que inclui, além dos dois primeiros compactos de João Gilberto antes de lançar seu primeiro LP (“Chega de Saudade” e “Desafinado”), três compactos com os Garotos da Lua, o conjunto vocal em que João era crooner nos anos 50, em sua primeira vinda ao Rio de Janeiro (quando ficou conhecido pelo apelido “Zé Maconha“)? Incrível…


Garotos da Lua – “Amar é Bom

A estréia mundial da "Garota de Ipanema"

Mais uma pérola não-lançada da música brasileira aparece online, dessa vez o mitológico show que não apenas reuniu no mesmo palco Tom, João, Vinícius e Os Cariocas como apresentou ao mundo uma de suas músicas mais conhecidas, “Garota de Ipanema”. Organizado pelo produtor Aloysio de Oliveira, o show, batizado de O Encontro, foi realizado na casa Au Bon Gourmet, em Copacabana, no Rio de Janeiro, no dia 2 de agosto de 1962. O momento era crucial – Tom e João estavam de malas prontas para os Estados Unidos e Vinícius começava sua parceria etílica com Baden Powell. Se esse show não acontecesse, os três nunca mais se reencontrariam no palco. Para contrapor o trio de ouro da nova cena carioca, Aloysio chamou o grupo vocal Os Cariocas para criar certo atrito criativo entre as duas gerações – e fizeram isso não apenas com seu canto de apoio ao mesmo tempo sofisticado e nostálgico como na canção “Bossa Nova e Bossa Velha”, em que brincam com a mudança de valores proposta pelos bossanovistas. E além da estréia mundial de “Garota de Ipanema” (cuja introdução tem forma de bate-papo), o show ainda conta com performances impecáveis dos três. Histórico é pouco – baixa aqui.

Tanto João Gilberto…

E eu lembrei que tenho que escrever sobre o show dele no ano passado – e, mais, sobre os 10 melhores shows do ano passado (incluindo o do Dylan). Mas segue a retrospectiva…

Então é natal

Feliz festa de solstício aê pra você e pra quem for da sua família. Tudo de bom, peru, ceia, canções, noitada, família ou terror – divirta-se ao lado de quem você gosta. Por aqui, já ganhei o meu presente – há mais de dois anos – e vou com ela curtir o pouco feriado que me resta. Assim, suspendo as atividades por 24 horas e na sexta volto à ativa. Mas essa pequena pausa é só aperitivo para uma pausa maior, antes do ano novo. Vai se acostumando… e fica em paz.


João Gilberto – “Presente de Natal

Vida Fodona #128: O que vem a seguir

O programa ficou bonzão: tem psicodelia brasileira, punk funk da tribo, Caymmi mogadon, Oranger classudo, Elephant Six intravenoso (fora mais Of Montreal), guitarreira noventa, Cure fase morcego, esquizofrenia a go-go, lo-fi green-belly, pepperismo sul-africano, indieces, Beatles via Franz, roquinho de violão, o pai da bossa nova, pernambuquice e a nova do Cold War Kids.

MGMT – “Indie Rokkers”
All Girl Summer Fun Band – “Looking Into It”
Gang Gang Dance – “Bebey”
Marcelo Camelo – “Doce Solidão”
Supercordas – “Mágica”
Franz Ferdinand – “It Won’t Be Long”
Why? – “Song of the Sad Assassin”
Built to Spill – “Center of the Universe”
Cure – “One Hundred Years”
Of Montreal – “Triphallus, to Punctuate!”
Superbug – “Ice Cream Headache”
Ladyhawke – “Dusk Till Dawn”
Cold War Kids – “Something is Not Right with Me”
Mombojó – “Realismo Convincente”
Major Organ and the Adding Machine – “Un, Deux, Trois”
Quentin E. Klopjaeger – “Weatherman”
Last Shadow Puppets – “Standing Next to You”
João Gilberto – “Trevo de Quatro Folhas”
Oranger – “Sorry Paul”

Vida Fodona #123: Um, dois, três

Programa calminho, com um miolo de mashup e uma rabeira de remix, mas com muita balada e músicas pra ficar numa bowa.

First Aid Kit – “Tiger Mountain Pleasant Song”
Proibidão – “Mangueira Verde e Rosa”
Lulu Santos – “Adivinha o Quê?”
Marcelo Camelo e Mallu Magalhães – “Janta”
Crazy Baldhead – “Bluejay”
João Gilberto – “Aos Pés da Cruz”
First Aid Kit + Crazy Baldhead – “Tiger Bluejay Mountain”
Girl Talk – “Give and Go”
João Brasil – “This is How We Dance”
Lalo Schiffrin – “Magnum Force Team”
Elton John – “Goodbye Yellow Brick Road”
R.E.M. – “Electrolite”
Renato Russo – “Marcianos Invadem a Terra”
Metric – “Love is a Place”
Midnight Juggernauts – “Into the Galaxy”
Kills – “Cheap and Chearful (Fake Blood Remix)”
TV on the Radio – “Dancing Choose”
Ween – “The HIV Song”
Kooks – “Kids”

Vida Fodona #119: Homenagem ao Amigo Rodrigo Lucianetti

Valeu, rapá.

Neutral Milk Hotel – “Oh Comely”
Serge Gainsbourg – “Ah! Melody”
Fleet Foxes – “Blue Ridge Mountains”
Zombies – “Changes”
Justice – “D.A.N.C.E. (Alan Braxe & Fred Falke Remix)
Jorge Ben – “Jazz Potatoes”
Dr. Lonnie Smith – “Devil’s Haircut”
Stereolab – “Three Women”
Buguinha – “Liberate”
Mombojó – “Desencanto”
David Byrne & Brian Eno – “Strange Overtones”
Talking Heads – “Electric Guitar”
Vanguart – “Spanish Woman”
Beatles – “Too Much Monkey Business”
Cansei de Ser sexy – “Move (Cut Copy Remix)”
Kills – “Cheap and Cheerful (Sebastian Remix)”
Stevie Wonder – “Supersticious (Justice Remix)”
Sebadoh – “It’s So Hard to Fall in Love”
João Gilberto – “É Luxo Só”