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Missa de São João

Laura Lavieri e Cacá Machado transformaram a reverência a um álbum clássico da história da música em um ritual religioso ao redor da voz e do violão do maior artista de nossa cultura. João Gilberto foi alçado ao estado de santo numa apresentação de muito rigor e paixão, enfileirando as músicas de seu clássico homônimo lançado há meio século umas nas outras de forma a suspender a tensão (e a respiração) dos presentes neste sábado na Casa de Francisca. Não se ouvia tilintar de copos ou talheres, o que é comum mesmo durante as apresentações mais intimistas no Palacete Tereza Toledo Lara. Ao invocar o espírito de João Gilberto ao unir canções-símbolo de seu repertório (“Águas de Março”, “Avarandado”, “Eu Quero Um Samba”, “É Preciso Perdoar”, “Na Baixa do Sapateiro”e “Eu Vim da Bahia”) a idiossincrasias ímpares deste disco (“Undiú”, “Valsa” e “Izaura”), os dois celebraram o formato que João consagrou e transformou na base de nossa música. O espetáculo Melhor do Que O Silêncio ainda teve o luxo da percussão detalhista e perfeccionista de Igor Caracas, que, mesmo em sua percuteria, centralizava o ritmo no cesto de vime tocado com vassourinhas à sua frente, tocando timbres diferentes de forma quase sempre discreta, roubando a cena apenas quando veio para a frente do palco e tocou folhas secas na faixa que abre o disco, a imortal “Águas de Março”. Não é porque estou envolvido nesse espetáculo que não vou dizer que foi um dos shows mais bonitos que vi em muito tempo.

Assista aqui:  

Cacá Machado + Laura Lavieri: “Um samba feito só pra mim”

É neste sábado a estreia do espetáculo Melhor do que o Silêncio, em que Cacá Machado e Laura Lavieri reúnem-se para celebrar o repertório de um dos principais discos de João Gilberto, seu “álbum branco”, gravado em 1973. A apresentação acontece na Casa de Francisca, no dia 11 de novembro, e conta com a participação do percussionista Igor Caracas. No vídeo, os três mostram a versão que fizeram para “Eu Quero um Samba” de Janet de Almeida e Haroldo Barbosa, que abre o lado B do vinil. Assino a direção executiva do espetáculo, que ainda conta com a direção de arte de Amanda Dafoe e a produção do Guto Ruocco, da Circus. Os ingressos estão quase no fim e podem ser comprados neste link.

Assista a um trecho abaixo:  

Cacá Machado + Laura Lavieri: Melhor do que o Silêncio

Bonito ver como um projeto toma forma: acabam de abrir as vendas para o espetáculo Melhor do que o Silêncio, que leva Laura Lavieri e Cacá Machado a um disco central na obra de João Gilberto, o fundamental álbum branco de 1973, batizado apenas com seu nome, que completa meio século neste 2023. Gravado em Nova York apenas com voz e violão e pela revolucionária produtora Wendy Carlos (que havia assinado a trilha sonora de Laranja Mecânica com seu nome de batismo, Walter, e transicionava exatamente naquele momento, assinando o projeto como W. Carlos), o disco é a síntese da excelência musical do maior nome da nossa cultura, reduzido ao minimalismo extremo das cordas vocais e seu instrumento, acompanhado apenas da esposa Miúcha em uma canção e de uma cesta de lixo tocada pelo baterista Sonny Carr. Em Melhor que o Silêncio, reuni Cacá e Laura para recriar essa obra-prima nos palcos e a primeira apresentação acontece na Casa de Francisca, dia 11 de novembro, com a participação do percussionista Igor Caracas. Assino a direção executiva do espetáculo, que ainda a direção de arte de Amanda Dafoe e a produção do Guto Ruocco, da Circus. Os ingressos já podem ser comprados a partir deste link.

Unidos por um 6 de julho

No ano passado, o guitarrista carioca Guilherme Lírio percebeu que um ano exato afastava João Gilberto e Ennio Morricone do mundo dos vivos, pois o maior artista da história do Brasil morreu exatamente um ano antes do grande compositor da história do cinema. Unidos por um mesmo 6 de julho, Lírio aproveitou a coincidência para cogitar o que aconteceria se um tocasse músicas do outro e assim fez “Valzer (Quanto Sono Belli I Yogi)” de um Morricone invadindo o álbum branco de João e “O BimBom, o Mau e o Feio”, quando João entra no velho oeste de Sergio Leone.

Ouça abaixo:  

Pérolas do João Gilberto

Se tem um canal no YouTube pra se ficar de olho é o esqueletolavrador, dedicado a desenterrar clássicos de todas as fases do maior artista brasileiro, João Gilberto, como essa versão para “Estate” (canção napolitana de Bruno Martino, que eternizou no clássico Amoroso, de 1977) registrada ao vivo no festival Umbria Jazz, na cidade italiana de Perugia.

Assista aqui.  

“Que rei sou eu que vive assim à toa?”

Consagrando o lançamento do disco ao vivo Relicário, registro da inauguração do Sesc Vila Mariana quando João Gilberto começou os trabalhos do hoje clássico equipamento cultural há vinte e cinco anos, a apresentação Rei Sem Coroa reuniu súditos de todas as gerações da música brasileira para reverenciar nosso maior artista e pude assistir à sua terceira e última apresentação neste primeiro dia de maio. Um quinteto formado por Joyce Moreno, Alaíde Costa, Dori Caymmi, Renato Braz e Vanessa Moreno saudou o repertório clássico do pai nosso da música brasileira moderna com as condições perfeitas de temperatura e pressão – o público imóvel e em silêncio deixando lágrimas rolarem no escuro enquanto músicos e intérpretes revezaram-se no palco em formações mínimas, sempre lustrando o formato que João escolheu para sua música – somente voz e violão. Entre as canções, várias histórias e lembranças, com Alaíde lembrando do tempo em que tudo era chamado de “bossa nova” pois o nome do gênero ainda era associado a um modismo passageiro, Joyce citando testemunhas que viram João sapatear – e bem! – e Dori fazendo a conexão de seu pai Dorival com nosso mestre.

A novata do grupo Vanessa Moreno abriu a noite com três orações obrigatórias deste rosário – “Corcovado”, “Samba de Uma Nota Só” e “O Pato” -, deixando sua doce voz solar equilibrando solenidade e carinho. Renato Braz pegou o violão na canção seguinte, a imortal “Bahia com H”, dividindo os vocais com Vanessa, que percutia a batida nostálgica em seu próprio corpo. Braz seguiu com “Pra Que Discutir Com Madame?” tocando apenas com um tamborim e prosseguiu com a faixa que batiza o espetáculo, “Rei Sem Coroa”, pérola de Herivelto Martins que finalmente ganhou registro oficial de João Gilberto com o lançamento de Relicário, emendando-a com “Eu Vim da Bahia”, de um dos principais pupilos dele, Gilberto Gil. Depois Braz recebeu Alaíde Costa, uma imortal da canção, que começou sua participação dividindo “Caminhos Cruzados” (de Tom Jobim e Newton Mendonça), para depois seguir ao lado de Joyce Moreno, que trocou de lugar com Renato, para dois duetos fabulosos: “Nova Ilusão” e “Retrato em Branco e Preto” (de Chico Buarque e Tom Jobim).

Depois Joyce seguiu sozinha e deslumbrante como sempre com “Desafinado” e “Águas de Março”, convidando Dori Caymmi para dividir uma mistura impecável de “Esse Seu Olhar” com “Só em Teus Braços” seguida de “Aos Pés da Cruz”. Dori teve seu momento solo cantando “Rosa Morena” de seu pai (quando improvisou a letra para avisar ao assistente de palco que a correia de seu violão havia escapulido) e “Bolinha de Papel”, até que Renato e Vanessa voltaram para cantar “Doralice” (também de Dorival). O final trouxe três faixas fora do roteiro: “Saudades da Bahia”, com os cinco no palco, “Dindi” (apenas Dori e Alaíde, numa versão maravilhosa, que abriu o bis) e “Chega de Saudade”, que encerrou a uma noite de reverência ao maior nome de nossa cultura que, como Joyce lembrou, ousou imaginar um Brasil moderno: “João pra mim ainda hoje é um Brasil possível, um sonho de Brasil, um Brasil que deveria ter sido e que algum dia será”.

Assista aqui.