Joana Queiroz olha para dentro

, por Alexandre Matias

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“Lançar um disco pra mim é como lançar uma garrafa ao mar com uma mensagem dentro: quem vai achar, quem vai ler, é um mistério, um pouco obra do acaso mesmo. Deixo um pouco à mercê das magias e imantações”, ri Joana Queiroz, clarinetista e saxofonista carioca que integra o grupo Quartabê e lança nesta sexta-feira, seu quarto álbum solo, Tempo Sem Tempo. “Os retornos sempre vêm, mesmo que demore, e isto já me dá a sensação de completar um ciclo. Mas acho que desta vez estou um pouco mais disposta a compartilhar, falar sobre, tentar fazer chegar um pouco mais. No geral faço discos porque sinto que tenho que fazer, pra estar neste estado de criação, mas não sei me colocar muito em estado de ‘divulgação’. Por outro lado é algo importante, comunicar, dialogar, partilhar. Também tem a ver com vento né.”

Gravado ao lado do irmão Bruno Qual, que também produz o disco, Tempo Sem Tempo está pronto desde o ano passado, conta com participações dos bateristas e percussionistas Sergio Krakowski, Domenico Lancellotti e Mariá Portugal (esta última também integrante do Quartabê) e ressalta um lado intimista e introspectivo de sua musicalidade, ai mesmo tempo angular e doce, principalmente por colocar-se quase sozinha em primeiro plano, como dá pra perceber na faixa dupla “Beira de Rio, Beira de Mar””/”Jóia” (esta última de Caetano Veloso), que ela antecipa em primeira mão para o Trabalho Sujo. E não estranha quando comparo o disco com o momento que estamos atravessando nesta estranha quarentena.

“Acho que por ser um álbum intimista, que tem algo bem etéreo, quase místico, ele talvez faça mais sentido neste momento em que todes estamos olhando pra dentro, com mais calma e atenção, do que na correria desenfreada em que estávamos há pouco tempo atrás”, ela explica. “A música pra mim é sempre esta tentativa de sair do caos e olhar pra dentro, respirar – embora o caos também seja bem vindo. Ir pra outros lugares. É um disco que pode trazer calma, acolhimento, como uma meditação. Quis mergulhar mesmo nesta intimidade, é um disco bem pessoal, tem a ver com solidão sim, ou talvez mais com solitude. Isto foi intencional na forma, as músicas e arranjos foram pensados para que eu pudesse apresentá-las sozinha, mas o conteúdo não, foi o que surgiu naturalmente.”

O trabalho também aproximou-a do irmão, velho parceiro que trouxe pela primeira vez para disco seu. “Já fizemos várias coisas juntes ao vivo, e ele trouxe muitas referências deste universo pra mim, lá desde a nossa adolescência”, ela continua. “Mas nunca tínhamos trabalhado juntes num disco e foi uma experiência muito legal. Nos entendemos rápido em relação ao que as músicas precisavam, e ele foi muito assertivo nas suas contribuições. Fluiu super bem. E estamos fazendo um outro disco juntos já, de duo, baseado em sessões de improvisação que fizemos no início deste ano.”

Aproveito para perguntar como tem sido sua quarentena e ela começou justamente bem introspectiva. “Nas primeiras semanas da quarentena mergulhei totalmente pra dentro, foi uma fase intensa e bem importante pra processar este momento do mundo, e conseguir me situar nele. Apesar de todos os lados trágicos, acho que estava mesmo precisando desse respiro, poder rever e resgatar muita coisa.”

“Depois comecei um ciclo bem interessante de conexões, fazendo muita aula de Kinomichi pelo zoom – o que me salva muito – e dando aulas também, o que tem sido surpreendentemente incrível pra mim. Há muito tempo não dava aulas porque não parava de viajar, mas estava sentindo muito esta necessidade de compartilhar, de pensar junto sobre os processos de aprendizagem”, continua Joana. Ela não tem nada marcado sobre shows por enquanto, mas não quer deixar o assunto de lado, mesmo que online. “O disco foi justamente pensado para me apresentar sozinha e é um formato que se encaixa bem nesta possibilidade atual de lives caseiras”, conclui.

Mas não é só isso: Joana ainda tem planejado coisas com o Quartabê, às vésperas de completar seis anos. “Já tínhamos começado a criar nosso próximo projeto, que é o EP com canções do Dorival, vamos ver se achamos uma maneira de retornar a isto”, lembra. “Mas não estamos com pressa não, cada uma está nos seus processos individuais também, mexendo em muita coisa.” E conclui apontando para outros trabalhos futuros: “Uma coisa legal é que tive uma proposta de fazer mais um disco pro selo japonês com o qual trabalho, Spiral, só de canções. Então até o fim do ano vou estar bem dedicada a isto também. Tenho um duo com o Rafael Martini que estamos tentando manter na ativa à distância, e estou compondo em parceria com outro amigo pianista, o argentino Sebastian Macchi. A gente vai reinventando as conexões, é difícil não ter a presença física, não tocar, abraçar, ouvir ali de pertinho, receber os amigos, sentir o público junto. Mas tem muita coisa acontecendo, e muitas revoluções internas também.”

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